Maternidade muda a vida de presidiárias

?Cantinho Feliz? é mais que um simples nome dado à creche da penitenciária feminina de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba. É nesse local que as detentas conseguem se desligar da realidade, dividida pelas grades e a plenitude de ser mulher. A maternidade acaba sendo, para a maioria delas, o marco divisor entre o crime e a esperança do recomeço.

Foi na penitenciária, onde está há cinco anos, que M.C., de 36 anos, disse ter renascido. ?Eu só tinha duas alternativas na vida: seria presa ou morta pela polícia?, afirma M., que, ao longo de onze anos, participou de diversos assaltos em vários estados brasileiros, e acabou ?caindo? no Paraná em uma tentativa de assalto a um carro-forte. De dentro da penitenciária, ela começou a se corresponder com um homem, que estava muito perto dela – na penitenciária masculina, que fica no mesmo complexo penal em Piraquara.

Depois de três meses trocando cartas, veio a primeira foto. Oito meses mais tarde, a primeira visita. ?A gente se conheceu pelo parlatório (uma espécie de balcão que separa o ambiente), mas eu já estava apaixonada pelas cartas que ele me mandava?, conta, garantindo que a expectativa da aparência não existia. ?A gente aprende aqui dentro que beleza física e dinheiro não é o que importa em uma pessoa?, disse. O próximo passo foi conseguir autorização da Justiça para o casamento – e visitas íntimas -, cuja relação já completou três anos.

Desse relacionamento nasceu um menino que está com quatro meses. ?O filho foi planejado, pois tinha 35 anos e achava que estava ficando velha para a maternidade?, falou. M. tem ainda mais dois anos de pena para cumprir, e decidiu que o filho irá ficar com ela. O pai já deixou a prisão há dois anos. Além do compromisso com o trabalho de pedreiro, está a visita semanal à nova família. A detenta garante que sairá do local com uma nova visão da vida, ?pois a primeira coisa que aprendi aqui dentro é que a ganância não leva a nada, e é possível viver com pouco?.

Tráfico

A convivência com a filha, que hoje está com cinco meses, é o que mantém C.E., de 22 anos, centrada no seu objetivo: sair da cadeia em abril e começar uma nova vida com a mãe e o filho de cinco anos – que ela não vê desde que foi presa por tráfico de drogas em Chopinzinho, no interior do Estado. C. estava com seis meses de gestação quando chegou na penitenciária. O pai da criança, que está preso por tentativa de homicídio, ligou apenas para dizer que queria registrar a filha, mas isso não passou de intenção. C. não tem esperança de refazer o casamento, mas diz que aprendeu uma lição. ?Se a vida é difícil lá fora, aqui dentro é muito pior. Se não tivesse a minha filha, eu não agüentaria.?

História semelhante viveu J.A.V., de 21 anos. Ela foi transferida para a penitenciária, vinda de um distrito policial de Londrina, com seis meses de gravidez. A concepção aconteceu durante uma visita do marido – também preso por tráfico. Depois de cumprir parte da pena e aguardar autorização para a liberdade condicional, J. não pensa em outra coisa que não seja deixar a cadeia e encontrar as duas filhas – de 6 e 4 anos, que ficaram com a sogra.

?Como meu marido estava preso, eu comecei a traficar porque achei que era o jeito mais fácil de ganhar dinheiro para sustentar as meninas. Mas me arrependo de tudo?, declarou.

K.R. de 21 anos, chegou há cinco meses a Piraquara, e há dois meses deu à luz o segundo filho, agora uma menina. Enquanto se dedica integralmente ao bebê, K. tenta encontrar uma explicação para estar passando pela privação da liberdade, pois garante que não tem nenhum envolvimento com drogas. ?Eu estava com meu marido, em Laranjeiras do Sul, quando em uma batida acharam droga com ele. Eu não sabia que ele vendia e acabei entrando de gaiata nessa história?, falou. A total dedicação à menina faz com que o tempo passe mais depressa. Tempo esse que K. não sabe ainda quanto será.

Atividade que pode se transformar em profissão

A creche dentro da penitenciária feminina de Piraquara foi implantada em 2002, quando a direção da unidade percebeu a necessidade de amparar as mulheres que não tinham para onde enviar os filhos. O local é mantido pela Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania e Departamento Penitenciário (Depen), e hoje abriga 30 crianças.

A diretora da penitenciária, Valderez Camargo da Silva, explica que durante a gestação e até os filhos completarem seis meses, as mulheres permanecem na galeria A.

?Esse é um espaço separado das celas onde elas ficam o dia todo com os filhos?, comentou. Após os seis meses, as crianças vão para a creche, e as mães cumprem escala no local.

A agente penitenciária e coordenadora da creche, Débora Ribeiro, diz que a rotina de escala vai das 6h30 às 20h, onde, além de promover a limpeza e arrumação do prédio, cuidam dos seus filhos e dos filhos das colegas de prisão. Cada dia trabalhado na creche reduz um dia na pena. Mães e filhos são assistidos diariamente por um pediatra, clínico geral, psicólogo e assistente social.

A maternidade na vida das detentas acaba provocando uma mudança muito significa na visão de mundo dessas mulheres.

A avaliação é da psicóloga que atua na penitenciária, Zilcar de Jesus Maia.

?Se elas não vivenciaram isso lá fora, aqui dentro a convivência é um aprendizado, uma motivação, e uma interação afetiva muito grande?, falou.

O fato de terem de cuidar de outras crianças, avalia Zilca, pode surgir como uma oportunidade de reinserção no mercado de trabalho quando deixarem a cadeia. ?São as mães-babás, cuja habilidade elas podem investir lá fora?, ponderou. (RO)

Experiência de mães voluntárias

Um projeto desenvolvido há cerca de dez anos em São Paulo dá apoio às mulheres que cumprem pena nas penitenciárias femininas. São as mães voluntárias, que ficam com as crianças até que as mães biológicas cumpram a pena.

O projeto é da Associação Cristo Liberdade Plena (Acorde), e foi idealizado pela voluntária Salete Sabino, que foi a primeira a conseguir na Justiça a autorização para ficar com as crianças.

?Eu fazia um trabalho de evangelização nas penitenciárias, e as mulheres me pediam ajuda, pois tinham perdido os filhos, e não queriam perder mais aquele que estava na barriga?, conta.

Ao longo desses anos, diz Salete, mais da metade das cerca de 40 crianças criadas pelas mães voluntárias voltaram para as mães biológicas. As adoções ou separações das crianças aconteceram em com um acordo entre as partes.

Salete conta que os filhos não perdem o contato com as mães na cadeia, pois os pais voluntários levam as crianças para visitas regulares.

A Acorde também procura dar apoio às mulheres quando elas deixam a prisão, com programas que vão desde a recuperação de algum vício, até vagas no mercado de trabalho. A voluntária comenta que, apesar de o programa existir há muito tempo em São Paulo, ele ainda não foi implantado em nenhum outro estado. ?O que falta é apoio financeiro para isso?, finalizou. (RO)

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