Sexy, estonteante, fatal. Ela nasceu em São Paulo, mas foi criada em Curitiba, onde viveu suas aventuras sexuais. Chegou a ser presa pela desenvoltura nas artes do erotismo. Loura, com rostinho de anjo, quadris arredondados, seios empinados e olhos suplicantes de desejo, é hoje uma mulher de mais de quarenta anos, que continua despertando atenções. Maria Erótica é uma mulher como poucas.
Em dezembro de 1981, Maria foi raptada nas ruas de Curitiba. Estava recolhendo donativos para vitimas de enchentes no Rio de Janeiro quando foi abordada por uma mulher misteriosa, que ocupava uma limusine com motorista. “Vou fazer uma doação grande. Venha até a minha casa pegar o dinheiro.”
Ingênua, Maria aceitou o convite e entrou no carro. Começa ali uma verdadeira maratona sexual. “Despertei horas depois com a cabeça explodindo… Estava completamente nua e dependurada como presunto sobre balcão de açougue… O ambiente inusitado lembrava os calabouços da Idade Média, uma sala de torturas nos tempos da Inquisição”, relata nossa heroína em seu Diário Íntimo.
A dona da mansão era sadomasoquista e Maria foi submetida a uma sessão de chicotadas. Enquanto era torturada, ela viu sobre uma mesa uma série de acessórios sexuais. Chorava de dor, mas em meio à tortura sentia prazer. Logo entrou na sala mais um algoz: Zeux.
“Na altura em que eu estava pendurada, a primeira coisa que vi foi o avantajado membro do personagem que entrou em cena. Mulher nenhuma suportaria tão exagerado volume”, escreve Maria.
Depois de uma série de atividades sexuais com o casal alucinado, finalmente Maria Erótica conseguiu escapar da mansão. Um incêndio havia começado e a polícia chegou, fazendo com que os sadomasoquistas fugissem. Mas Maria ainda voltaria a se encontrar com Zeux em aventuras futuras.
Arrasadora
Na Curitiba casta de trinta anos atrás, onde a única diversão sexual disponível eram os bordéis comandados por cafetinas famosas e as pornochanchadas produzidas pelo cinema brasileiro, Maria Erótica arrasava em suas histórias de sexo com pitadas de violência. Ela era personagem das histórias em quadrinhos criadas pelo artista plástico Claudio Seto e publicadas no Paraná pela editora Grafipar. O sucesso de Maria Erótica foi imediato. As revistinhas eram o fetiche de marmanjos de todas as idades.
A personagem foi criada em 1969, quando Seto, nascido no interior de São Paulo, trabalhava na editora Edrel. Já em 67, o desenhista havia lançado o personagem Flavo. Com ele, Seto tornou-se o primeiro artista brasileiro a introduzir no país o mangá, formato de história em quadrinhos nascido no Japão no século 18.
Mas vivia-se na época da ditadura militar e a censura tinha poderes para decidir o que era conveniente ou não. Sexo era tabu. Por ser considerada excessivamente libertina, Maria Erótica esteve, literalmente, atrás das grades. A censura da época não permitia que o leitor brasileiro se deliciasse com histórias tão quentes e a heroína sexy foi enquadrada como subversiva.
“A polícia foi atrás de mim na sede da editora Edrel, em São Paulo. Como eu não estava lá, levaram uma pilha de desenhos originais da Maria Erótica. Ela, ou melhor, os desenhos, foram colocados em uma cela, ao lado de outros desenhistas presos”, lembra Seto, rindo. O episódio ficou famoso entre os artistas.
Sexo e violência
Até então, circulavam no país apenas os quadrinhos tradicionais, reproduzidos dos EUA. “Os brasileiros só conheciam aqueles super-heróis americanos da Marvel e os personagens da Disney”, conta Seto.
Logo depois de Flavo, Claudio Seto virou de pernas para o ar o mercado editorial com as revistas O Samurai e Ninja. Começava ali a nascer o filão das HQs eróticas brasileiras, voltadas para o público adulto, misturando sexo e violência com a linguagem do mangá.
Antes, os quadrinistas brasileiros criavam histórias de terror para adultos. O Samurai levou ao público uma dose surpreendente de erotismo. “Hoje parece normal, mas naquela época de censura pesada, desenhar uma garota mostrando os seios e os pêlos pubianos era uma revolução”, explica o artista.
Escondido
Maria Erótica nasceu em meio ao sucesso das HQs para adultos, mas a censura não gostou nem um pouco das aventuras da loura. Chegou o dia em que a polícia invadiu a sede da editora e levou Maria para a cadeia, junto com desenhistas de carne e osso. Seto teve que voltar para o interior de SP, onde permaneceu escondido por algum tempo.
Os brasileiros só se reencontraram com Maria Erótica nos anos setenta. Seto havia se mudado para Curitiba e trabalhava na Grafipar como editor de quadrinhos. Foi uma época de ouro para a HQ adulta. A capital paranaense tornou-se um pólo de escritores e artistas que atuavam na editora de Faruk El-Khatib.
Também no Paraná, Seto foi pioneiro no formato mangá. A editora lançou uma série de títulos em quadrinhos, revistas, livros e fotonovelas, quase todos eróticos. Nessa época, passaram pela Grafipar escritores e artistas de renome. Depois de uma década de repressão, os brasileiros já respiravam ares mais liberais. Na “era da abertura”, sob o governo Geisel, o povo queria se divertir com histórias picantes, recheadas de sátira ao regime militar e à situação econômica do País. Tudo, claro, acompanhado de fotos e quadrinhos de mulheres nuas.
Maria Erótica retornou triunfalmente em novas aventuras. Até o Drácula e o Pinóquio contracenaram com ela em uma das histórias. Maria (ou seja, Seto) escreveu um “Diário Íntimo” contando episódios de sadomasoquismo com o violento personagem Zeux, um punk alucinado por sexo, e uma mulher rica e dominadora.
Na mesma época, também pela Grafipar, Seto criou Katy Apache, uma deliciosa heroína de western que só vestia ponche, botas e um cinturão com dois revólveres. Katy era habilidosa com armas e cavalos e muito boa de briga.
As curvas de Maria em exposição
Mesmo com o passar dos anos, Maria Erótica não perdeu o charme. Ela faz sucesso em um mundo onde o mercado do sexo vive o auge. Recentemente, um escritor paulista classificou-a como uma das cinqüenta personagens femininas mais sensuais de todo o planeta. Maria é também uma das estrelas das comemorações dos vinte anos da Gibiteca de Curitiba.
Hoje, às 20h, será aberta a exposição Samurai Erótico, dentro da programação do aniversário da Gibiteca. Os visitantes poderão conferir as curvas perigosas de Maria Erótica nos painéis da mostra, que reproduzem quadrinhos das histórias desenhadas por Seto nos anos 70 e 80.
Maria está também retratada no livro As sedutoras dos quadrinhos, de Marco Aurélio Lucchetti, lançado no ano passado pela editora Opera Graphica. No obra, Maria Erótica faz companhia a outras personagens célebres, como Valentina – criação do francês Guido Crepax -, Betty Boop, Cicciolina e Lara Croft.
A exposição Samurai Erótico, de Claudio Seto, e a mostra do acervo da Gibiteca de Curitiba abrem hoje às 20h no Solar do Barão (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 533. As comemorações de vinte anos da Gibiteca incluem outras exposições, palestras, oficinas de HQ e até uma “feira de fanzines” neste final de semana.
Seto é o pioneiro do mangá
Há oito anos Claudio Seto trabalha como ilustrador da Tribuna do Paraná. Seu traço expressivo, nascido na linguagem do mangá (histórias em quadrinhos japonesas), empresta dramaticidade e vigor às reportagens policiais e especiais. Manchetes de primeira página, relatando assassinatos, assaltos, chacinas e acidentes, ganham cor e movimento nas mãos do artista. Está ali a marca de quem trouxe a arte do mangá para o Brasil.
Seto já havia trabalhado anteriormente na editora. Ele criou um suplemento infantil para o jornal O Estado do Paraná, também utilizando uma proposta inovadora.
Obra-prima
O artista atuou na Tribuna pela primeira vez ainda na década de 80. Nessa época, criou uma HQ que é considerada uma verdadeira obra-prima do gênero. Seto tirou de uma manchete da Tribuna, de julho de 84, a idéia de um roteiro de grande impacto.
A partir da história real do suicídio de um travesti, que queria ser igual a Roberta Close e acabou se matando com um tiro no peito, Seto realizou um trabalho de cunho sexual, tendo como cenário a situação política e a violência crescente das grandes cidades. Outra de suas histórias, criada em parceria com Paulo Leminski, entrou em coletânea editada pela Grafipar e distribuída nos EUA.
Seto se define atualmente como artista plástico. A convite de algumas editoras, cria histórias em quadrinhos hentai – a versão pornô mais “hardcore” do mangá. Revistas hentai têm fãs em todo o Brasil. Seto prefere assinar as estas HQs com pseudônimo. Não gosta de ficar marcado como quadrinista especializado apenas em erotismo. “Essa época já passou”, afirma. Mas o traço de mestre é inigualável. Suas garotas com rosto angelical, cabelos longos e seios perfeitos, submetidas a perversões e aventuras, podem ser reconhecidas pelos fãs de todo o País.