Maquiagem é sinônimo de transformação

No dicionário, a palavra maquiagem tem como sinônimo disfarce. Porém a ela deveria ser somado outro verbete: transformação. Talvez esta seja a maior qualidade da maquiagem, popularizada ao longo dos séculos. Não é à toa que pipocam em emissoras de televisão e revistas produções que mostram as pessoas antes e depois da intervenção de um maquiador.

Usada como artifício em várias áreas, a maquiagem pode estar no dia-a-dia das pessoas. Com materiais básicos, como um corretivo, uma boa base, sombras escuras e um rímel, é possível dar um ar mais uniforme e saudável às expressões faciais.

Segundo a atriz Lilian Marchiori, que se dedica à arte da maquiagem, a técnica tem inclusive o poder de corrigir pequenas imperfeições. "Com o jogo do claro e escuro, tudo é possível", diz. Por isso, muitas vezes, quando nos deparamos ao vivo com ícones da mídia de cara limpa, nos surpreendemos ao ver que eles são "gente como a gente". Na internet, é corriqueiro circular e-mails com musas hollywoodianas sem o artifício da maquiagem, mostrando tudo aquilo que a maquiagem pode disfarçar. "Ela pode apenas disfarçar, mas tem um poder ainda maior de transformar", diz Lilian.

Utilidades

A maquiagem tem diferentes utilidades. Na publicidade, no cinema ou no teatro ela serve para dar uma nova cara às pessoas, adequando-as a cada situação. Lilian, que trabalha numa agência de modelos e atores, consegue com o auxílio de pincéis, pós, corretivos e sombras, mudar a cara das pessoas.

Na área da publicidade, o trabalho geralmente consiste em deixar a pessoa mais bela, ressaltando as características que mais chamam a atenção no rosto. "Usamos a maquiagem para deixar o rosto o mais simétrico possível, corrigindo possíveis imperfeições. Dependendo do produto que se vende, a pessoa tem que ficar o mais perfeita possível", diz. Porém, nem sempre é assim, já que muitas vezes as personagens usadas para vender um produto têm que se identificar com o público comum. "O grande lance é respeitar a intenção do cliente."

No cinema, a intenção é sempre deixar a pessoa o mais próximo da realidade, o que na linguagem das películas é chamado real life. "No cinema, menos é mais. A pele tem que parecer o mais natural possível, respeitando cada personagem."

Teatro

Porém quando o assunto é teatro, tudo depende das opções estéticas do espetáculo a ser encenado. Por isso, é muito importante que o maquiador atue junto com a produção do espetáculo. Lilian assina a caracterização de várias montagens e diz que nesse trabalho é fundamental o acompanhamento da concepção. "É importante o acompanhamento em ensaios para extrair a essência de cada personagem. A maquiagem entra como parte da composição deles", explica. Como existem vários signos dentro da semiologia teatral, a maquiagem auxilia no repasse de informações importantes para a compreensão da essência da personagem. "E nada precisa ser, necessariamente, óbvio. Em uma peça que fale de velhice, não é obrigatório encher os atores e atrizes de rugas."

No caso dos mímicos, cuja expressão facial é o instrumento principal de trabalho, é obrigatório ressaltar a boca e os olhos, já que a movimentação destes é que passa a informação. "Por isso eles costumam maquiar o rosto de branco e ressaltar a boca e os olhos com maquiagem forte", diz Lilian.

Outro uso comum da maquiagem é em funerárias, mesmo que as pessoas que se dedicam a essa área sintam-se pouco à vontade para falar sobre o assunto. Para dar um ar de tranqüilidade ao falecido, a maquiagem é feita deixando o rosto o mais natural possível. No momento do nascimento, a maquiagem também vem se tornando comum. É grande a lista de maternidades que oferecem um verdadeiro staff para as mamães. O intuito é deixá-las lindas para receber as primeiras visitas depois da chegada do bebê.

Uma mulher de várias faces

Maquiagem2230706.jpgA pedido de O Estado, a maquiadora Lilian Marchiori promoveu uma sessão de maquiagem, servindo-se dela mesma como modelo. Na primeira foto, ela está de cara limpa (1). Em seguida, ela trabalha com lápis marrom para montar uma velhinha (2). Com um lado do rosto maquiado para festa, ela mostra o contraste com o rosto envelhecido (3). Para mostrar mais diferenças, Lilian posa de velhinha ao lado das fotos produzidas para o seu book de atriz, onde está com uma produção femme fatale (4). Por fim, em poucos minutos ela transforma a velhinha num monstro digno do filme O Exorcista (5).

Cleópatra: a primeira referência

A despeito da explosão da indústria dos cosméticos no século passado, incentivada pelo culto ao belo, a maquiagem é muito antiga. A primeira referência que se tem é egípcia, trazida por uma das mulheres mais poderosas da história: Cleópatra. Com a pele branquíssima, referência de casta social, e olhos marcados com kohl, ela foi a precursora da sensualidade e do poder do artifício. Os olhos marcados também eram usados pelos homens, que no sentido contrário tinham que ter a pele escura.

No Egito, a maquiagem concedia status de poder, mas isso sempre foi variável de uma cultura para outra. "Na Índia, os povos azuis da antigüidade marcaram a história. Eles usavam uma tintura em todo o corpo", diz a maquiadora Lilian Marchiori. Hoje, além da maquiagem do rosto, as indianas maquiam o corpo com henna. "Quando casam, elas passam dias recebendo os desenhos nas mãos e nos pés." Na cultura árabe, para compensar o uso dos véus que cobrem praticamente todo o rosto, as mulheres costumam marcar bem os olhos. "É a parte do rosto que aparece, então elas usam muito delineador", diz Lilian. Não é à toa que a região possui um dos mais representativos mercados consumidores de maquiagem, onde empresas internacionais como Lancôme, Shiseido e até mesmo a brasileira O Boticário implantaram lojas e só vêem os lucros aumentarem.

Os indígenas brasileiros usam até hoje misturas de urucum e outras plantas que permitem o tingimento conforme cada ocasião. Há, por exemplo, a maquiagem de guerra, de casamento, entre outras. No caminho da história, os nobres da corte francesa – tanto homens quanto mulheres – enchiam a pele  de pó para deixá-la tal qual porcelana, o que remetia à nobreza da casta social.

Companheira inseparável das drag queens

Fábio Alexandre/O Estado
Sérgio Pereira leva uma hora para se transformar em Bárbara Bout.

Quando se fala no poder da transformação da maquiagem, não há como não se remeter a imagem das drag queens. Popularizadas nos anos 90s com o filme Priscila, a rainha do deserto, as drags hoje são figuras comuns em festas de aniversário e empresas, despedidas de solteiro e até mesmo nos tradicionais chás de panela. O intuito é alegrar o ambiente com os rapazes montados como verdadeiras "divas purpurinadas".

Por meio da maquiagem, em aproximadamente uma hora, nasce uma estrela. Pelo menos é o tempo que Sérgio Pereira leva para se transformar na luxuosa Bárbara Bout. O nome foi escolhido como referência ao adjetivo bárbaro. "Alguém bárbaro, na minha concepção, é alguém fora do comum, excepcional", diz. O sobrenome veio de um filme assistido por ele, no qual a personagem era uma mulher cheia de vida e garra.

A personagem surgiu há oito anos, quando Sérgio pela primeira vez apelou para a maquiagem para se transformar. "Foi para uma festa. Gostei tanto do resultado que acabei criando a personagem e fazendo dela minha profissão."

Quando se transforma, ele confessa que realmente se sente outra pessoa. Não é simplesmente Sérgio debaixo da maquiagem. É outra pessoa: Bárbara. De fato, quando se conversa com Sérgio, percebe-se em seu tom de voz tranqüilo, e gestos comedidos, toda a timidez de sua essência sem estar na pele da personagem. "É uma outra pessoa que se revela com a maquiagem, com uma perrsonalidade bem diferente da minha. Bárbara é extrovertida, alegre, falante. Bem diferente de mim", diz.

O prazer que sente em se transformar, o que soma à maquiagem perucas de várias tonalidades, acessórios que remetem ao luxo e roupas ao melhor estilo femme fatale, geralmente arrematadas com um belo boá (pluma), só não é completo pelo preconceito que ainda cerca a atividade. "Ainda há muito preconceito", conclui.

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