Só de pensar em ver o filho, seja o horário que for, a psicóloga curitibana Cristiane Lamers garante que consegue atraí-lo sem uma palavra sequer. Segundo ela, existe algo mágico no relacionamento com o único filho, Caio, de três anos. ?O vínculo entre nós é muito forte, existe uma telepatia. Costumo ir dormir tarde e, todas as vezes que sinto saudade dele durante a noite, e penso que poderia estar comigo, pronto. Ele acorda e vem?, conta, relatando a experiência que já teve muitas vezes com o garoto.
Não é só isso. A mãe coruja garante que, quando sente que deve fazer uma certa comida no almoço, deve seguir a intuição. ?Sempre acerto o que ele quer?, diz. Se Caio está para ficar doente, antes mesmo de os sintomas aparecerem, ela já sabe. Muita gente diria que é por causa do amor entre ambos e da forte relação que existe entre mãe e filho, mas Cristiane acredita que trata-se de algo maior. ?Tem a ver com dar margem à essa conexão, são coisas que a ciência tradicional não explica. A sabedoria que a criança traz consigo é ampla. Cabe a nós proteger sua inocência, ouvir, mas saber que, mais que ensinar, temos também a aprender com eles.?
O dia-a-dia, na opinião da mãe, fornece as informações que dão conta da presença de um sexto sentido nos pequenos. Caio antevê telefonemas de pessoas próximas, como a avó; quando chora na escola, a mãe sente no trabalho; nos momentos em que ela enfrenta problemas e se fecha no quarto, ele apenas grita da sala: ?Mamãe, eu te amo. Você é linda?. ?Para mim, são coisas naturais, sim, entre mãe e filho, mas que em geral dá-se pouca atenção. O que acontece entre nós é um olho no olho, um reconhecimento no jeito de olhar, a compreensão pela condição do outro. O sexto sentido é algo que nos leva ao caminho correto e que, através da intuição, faz tudo fluir mais facilmente?, explica.
Cristiane não é a única a sentir isso. A professora universitária Patrícia Tagliari, mãe do André, de 15 anos, também viu desde sempre no filho uma sensibilidade a mais. ?Quando era pequeno, sabia identificar as pessoas em quem eu podia confiar. Aconteceu muito de ele mostrar desafeto por alguém, sem qualquer motivo aparente e, tempos depois, eu ter uma forte decepção com essa pessoa?, relata. Essa espécie de premonição quanto à personalidade das pessoas, para a mãe, é até hoje um importante fator de proteção.
André, que depois de um tempo começou a se dar conta de que tinha um sexto sentido apurado, hoje também usa isso a seu favor. ?Comecei a perceber isso quando vi que algumas sensações davam certo?, conta. Ao conhecer uma garota, no ano passado, mesmo vendo-a pela primeira vez, teve certeza que ela não traria algo de bom. Resultado: ?Ela aprontou com vários amigos meus?. Completar frases ou antever o que as pessoas vão dizer também é fácil para ele. ?É como se eu conseguisse prever as idéias de pessoas da minha família, amigos, professores?, explica.
A experiência mais marcante, porém, aconteceu há alguns anos, quando ele mudou para um colégio onde jamais havia estado. ?Percebi que conhecia aquele lugar, mas não sabia de onde. Foi quando me lembrei que, no ano anterior, havia sonhado com ele, exatamente daquele jeito. As pessoas eram diferentes, mas o restante era idêntico?, relembra.
Ele acredita que o sexto sentido que carrega em si não é privilégio de pouca gente, mas vítima de uma tremenda falta de percepção ou bloqueio por quem teme ?ver ou ouvir além dos limites que os sentidos permitem?, conforme define. Mas André não tem esse problema. O estudante encara com normalidade o que, quem sabe, pode-se definir como um dom. ?É importante para transcender o que é superficial?, atesta.
Psicologia acredita em consciência ampliada
Evandro Monteiro/O Estado |
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Neyda: ?Experiência intuitiva?. |
Para os estudiosos desta linha – que tem como objeto de pesquisa a consciência e seus diferentes estados – o sexto sentido é característica marcante nas crianças. A explicação, de acordo com a psicóloga transpessoal Neyda Nerbass Ulysséa, tem a ver com algo além do alcance da mente. ?Quando nasce, a criança ainda está muito próxima da vida espiritual; ela traz a experiência intuitiva de maneira muito fácil porque não se situa dentro de nenhum condicionamento. É espontânea, livre, natural?, descreve.
Dessa forma, os estudiosos indicam que nessa fase predomina a percepção mais ampliada dos diversos aspectos da vida. ?Seu nível de captação da informação é maior que no adulto. Quantas vezes as crianças avisam os pais quanto a determinados cuidados e atitudes? Geralmente verifica-se que dá certo?, exemplifica a professora das Faculdades Integradas Espírita. Entre outros motivos, isso se explicaria porque, até os sete anos, a capacidade telepática é maior, de acordo com Neyda. ?Ela navega por todos os níveis da consciência?, diz.
Os níveis de consciência numerados pela linha transpessoal seriam oito. Tais níveis vão além do ego humano (o mais superficial deles) e ultrapassam inclusive o conhecido consciente coletivo de Jung (relacionado às experiências herdadas ao longo das gerações), alcançado patamar aproximado das experiências místicas e tornando possível fenômenos como a precognição e a telepatia.
A professora exemplifica esse potencial com uma experiência realizada na universidade. Um grupo de crianças que demonstravam hiperatividade, ou, no outro extremo, eram muito retraídas, foi destinado a plantar dois jardins. Em um deles, seria estimulada a interação humano-vegetal, através da energia das mãos e da mente; o outro seria apenas regado, mas sem estímulos específicos. ?Elas colocavam as mãos, fechavam os olhos e interagiam com as sementes e com o vegetal em fase de crescimento. O resultado é que estes desenvolveram quase um metro de altura, enquanto os do outro jardim não passaram de mudas?, conta a pesquisadora. A temperatura do canteiro estimulado também era diferente, mantendo sempre meio grau a mais que o outro.
?É como se as energias se equilibrassem. As crianças retraídas passaram a ser mais sociáveis e as hiperativas, mais tranqüilas.? Mas ela alerta: para que este dom se manifeste, é preciso compreender e conversar com os pequenos. ?Caso contrário, eles se retraem e passam a bloquear essa percepção por causa dos descrédito dos adultos.?
Compreender a criança é peça-chave
O professor do departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sidney Oliveira, lembra que existem diferentes olhares para o fenômeno humano, e a maior parte deles compreende a infância como uma etapa importante e decisiva nos aspectos bio-psico-sociais. Além disso, de acordo com o professor, a maior parte dos psicólogos concorda que as crianças possuem uma complexidade específica e, apesar de terem os mesmos sentidos que um adulto, apresentam estrutura, imaginário e simbolismo próprios.
?A questão chave é o papel do desejo, a relação com o outro e o fato de possuir muito menos maturidade, mas também muito menos vícios que o adulto?, ressalta Oliveira. ?Há crianças mais sensíveis e outras menos sensíveis; há aquelas que desde cedo aprendem a sobreviver na rua ou em uma instituição e há adultos que nunca saíram debaixo da saia da mãe?, explica.
Essa diferenciação, que tem a ver com a atenção dispensada por parte dos adultos, pode influenciar no sexto sentido de muitas delas. Vale relembrar a justificativa dos ciganos quando questionados sobre como prevêem o futuro. Segundo eles, é porque carregam consigo uma história de luta e perseguições, carga que os faz antever os prováveis acontecimentos. Com as crianças que desde cedo têm de se precaver em certas situações, não é diferente. Por isso, na opinião de Sidney Oliveira, mais importante que saber por que o sexto sentido se manifesta mais facilmente nos pequenos é pensarmos se damos atenção suficiente ao que dizem. ?Parece-me muito mais decisivo ocupar um lugar que permita traduzir o significado e a ressonância do que nos fala essa criança?, acredita.
A existência do inconsciente, é inegável, colocou a razão em um lugar mais frágil do que anteriormente ocupava. ?Mas os sentidos não são senhores absolutos do comportamento humano. Saber escutar ativamente uma criança não é tarefa simples, mas necessária?, fundamenta o professor.
Parapsicologia relaciona dom a memórias herdadas
O frei Ovídio Zanini, teólogo e parapsicólogo, relaciona o sentido aguçado das crianças às milhões de programações mentais e memórias que as acompanham quando nascem, sejam estas genéticas (herdadas dos antepassados) ou congênitas (recebidas da mãe durante a gestação). É que, de acordo com Zanini, assim como o cérebro tem capacidade de herdar, guardar e exprimir tantos códigos, pode, da mesma forma, sentir ou pressentir informações de forma mais apurada em algumas circunstâncias. ?Tudo que nossos avós, bisavós e gerações anteriores tiveram de bom e de mau foi repassado a nós, pelo DNA. Em cada cromossomo, herdamos até 100 mil programações mentais; são códigos, memórias, arquivos. Isso vem desde Adão e Eva, tanto que, deles, herdamos o pecado original?, explica.
Dessa forma, a parapsicologia atesta que adquirimos tanto dons como doenças, gostos, interesses, manias. É o caso do alcoolismo em algumas pessoas; da tendência suicida em outras; da depressão; ou, ainda, da comida que nos atrai ou o tipo de música. ?Dentro do ventre da mãe há período de incrível programação mental. Esse é o nosso sexto sentido. Por isso, as mães deveriam ser preparadas para gestar uma criança?, acredita. Tamanha a importância dessa ligação que mãe e filho desenvolvem, por exemplo, a telepatia, nominada pelo frei como uma ?clarividência, uma sensitividade?. ?O cérebro é uma enorme estação que capta milhões de informações, até a quilômetros de distância. Alguns conseguem enxergar onde outros não vêem. Mas prever o futuro tem a ver com o passado em nós; porém, sabemos que o que faz aparecer os fantasmas são em geral memórias de muito sofrimento na infância.?
Nesse ponto, compreender a criança é primordial para não fazê-la sofrer. ?É preciso falar com ela. Nós temos a categoria dos cinco sentidos, mas elas muitas vezes captam algo mais com seu cérebro?, analisa. Algumas, inclusive, à medida em que conseguem perceber esta capacidade, podem usá-la de forma consciente para determinados fins. Ele exemplifica com o caso de um garoto que, carente da atenção do pai, alcoolista, passou a pôr fogo em colchões e fazer voar ovos da geladeira – tudo com a força da mente. ?A energia do cérebro humano alcança três bilhões de quilowatts. Era nítido que ele fazia aquilo para ganhar a atenção perdida, tanto que, quando levado para a casa da tia, que lhe dava carinho, mesmo que tentasse, nada acontecia.?
