Herdamos a concepção de que o trabalho dignifica e dela fizemos um lema. Associamos ao trabalho a idéia motriz de que ele permite a sobrevivência, a realização pessoal, as atitudes positivas diante da vida e, não raras vezes, a identidade. Ao sermos apresentados a um desconhecido, muitas vezes acrescentamos ao nome de batismo a instituição, órgão ou empresa a que estamos naquele momento vinculados. O local em que trabalhamos incorpora-se a nós como um sobrenome.
O mundo do trabalho em sua rotina e, cada vez mais, em sua busca da produtividade, entretanto, foi obrigado a criar, por força de reivindicações e greves, um momento de parada total, de desligamento do trabalhador de suas rotinas e das responsabilidades, que são as férias (assim, sempre no plural, como a induzir seu feliz usuário à multiplicidade de prazeres, movimentos e repousos).
Céus! Como elas são desejadas, programadas e intensamente vividas (mesmo antes de acontecerem) em sua duração! E como são merecidas! Nos dias que as antecedem, o caos das expectativas se abate sobre os futuros felizes mortais, que estarão em alguns dias, distantes, seja no espaço, seja na mente, seja nas tarefas diárias.
As férias costumam trazer outro tipo de preocupação, tarefas e deveres, mas quem se dá conta deles? Quem os leva em consideração para que sirvam de motivo para desistência? Enquanto trabalhamos, freqüentemente nos assalta o desejo das férias: ah, se estivéssemos em outro lugar, fazendo absolutamente nada, curtindo apenas! No entanto, quantas vezes nos assalta pensamento semelhante durante as férias? Ah, se eu estivesse no trabalho poderia fazer isto, aquilo e muito mais!
Sonhar com férias parece ser natural ao trabalhador, mas continuar pensando em trabalho no período de afastamento pode ser considerada uma doença moderna e, como tal, batizada em língua inglesa, típica do capitalismo histórico: workalchoolic.
E como as férias são curtas! Nem bem abandonamos materiais e uniformes, logo somos obrigados a retomá-los para o retorno a meses, muitos meses, de trabalho.
No entanto, o corpo e a mente continuam suas rotinas (comer, dormir, pensar, sonhar, desejar, sentir/carecer de afetos). Talvez sejamos mais idênticos nas férias, quando o tempo limitado pede diferentes comportamentos; talvez entendamos melhor que da vida nada se leva a não ser a satisfação, ou não, de ter vivido intensamente nossos afetos e de ter atendido a nossos desejos confessáveis.
Ao encerrar o semestre letivo com uma indicação de leituras possíveis nas férias, nunca recebo de meus alunos uma expressão de convencimento e acordo. Os olhares vão da surpresa ao descrédito, do sorriso compassivo ao pleno deboche. Entre as atividades de férias, não entra quase nunca a leitura, por mais leve, ingênua, superficial e vagabunda que seja. Ler é atividade da escola, e, portanto, exercida em períodos de trabalho. Por mais que se afirme o caráter prazeroso da leitura, ela é incompreensível nos momentos dedicados inteiramente ao lazer. O que indica, com clareza, que, apesar de alardearmos que ?ler é prazer? ou que ?ler é um prazer diferido?, não passa pela cabeça dos alunos, professores e trabalhadores em geral que o lazer associado à leitura, confere gosto de férias a qualquer dia de trabalho! E muito menos encontra sua vigência prazerosa plena nas próprias férias !
Grosso ou fino, de leitura fácil ou difícil, ficção ou não, o livro é companheiro sempre, conversa conosco sempre, nos faz companhia em qualquer momento. Combina com os materiais de trabalho (quaisquer que eles sejam, da caixa de ferramentas à pasta do executivo), combina com os materiais de férias (o tênis, a sandália, a cerveja, a prancha, a rede, o avião). Combina não pelo que é enquanto objeto, mas pelo que representa enquanto alimento para o espírito. Abrir espaço para o livro significa reconhecer que, de todas as atividades de nosso estafante período de trabalho, é a leitura que nos permite superar a sensação de estarmos nos tornando a cada dia mais invisíveis, mais números, mais robotizados.
É a leitura uma atividade que nos mantém informados, alertas e sempre desejantes. O deboche, o cinismo e a descrença são as respostas e a constatação mais evidentes de que o trabalho pode reduzir o ser humano a um parafuso, a um botão, a um chip.