No Paraná, está em vigor a legislação que determina os alimentos e produtos que podem ser vendidos em cantinas de escolas e colégios (veja o quadro). Muitos já colocaram em prática a proibição de comercializar salgados fritos e industrializados, refrigerantes e doces, entre outros itens. No entanto, não adianta restringir o consumo desses alimentos somente na escola. É necessária uma conscientização de toda a família sobre a alimentação correta.
Se dentro da escola é proibido comprar salgadinho, muitos pais colocam o produto dentro das lancheiras das crianças. ?A lei é extremamente importante, pois as crianças estão fazendo uma grande ingestão calórica e pouco nutricional. Mas é preciso trabalhar esse conceito com as famílias também. O assunto ficou muito focado na obesidade, o que deu a entender que as crianças que não possuem sobrepeso podem comer esses alimentos. Isso não é verdade. Não é saudável para ninguém. O peso é complicado, mas existem outros problemas que não podem ser vistos externamente?, lembra Eda Maria Arruda Scur, professora do Centro Brasileiro de Estudos Sistêmicos (CBES) e coordenadora do curso de Nutrição do Centro Universitário Positivo (Unicenp).
O trabalho com a família é tão importante que já se faz uma relação entre a obesidade e a alimentação da mãe durante a gestação. O excesso de peso durante a gravidez também pode influenciar o filho a se tornar obeso. Atualmente, 15% das crianças estão acima do peso e 3% são obesas.
Influências
O tipo de alimentação influencia em diversos aspectos, ainda mais na fase de crescimento. Afeta o humor, a capacidade de concentração e o ritmo do organismo. No caso das famílias carentes, a merenda escolar representa a única ou a principal refeição do dia para as crianças. ?Isso é muito pouco para o dia inteiro. Em casa, acabam consumindo alimentos mais baratos, como farinha e macarrão. Mesmo com uma merenda bem equilibrada, há o restante do dia. Uma opção para fugir disso é ir até sacolões, que oferecem preços acessíveis ou aproveitar o final da feira, quando os comerciantes vendem os produtos mais baratos?, orienta Eda.
A deficiência de nutrientes afeta o crescimento, a parte cognitiva e até mesmo as relações, pois as crianças tendem a ficar mais agressivas.
Sobrepeso preocupa pais e autoridades
Foto: Aliocha Mauricio |
Escola: boa alimentação. |
Parte das escolas – públicas e particulares – do Paraná já se adequou à legislação sobre as cantinas. Apesar de ainda não atingir a totalidade, Márcia Stolarski, do programa estadual de alimentação da Secretaria de Estado da Educação, acredita que a lei está trazendo benefícios. ?Levou a população a pensar no assunto da obesidade e da alimentação correta. Cada vez mais verificamos o problema de sobrepeso nas crianças. O gestor público deve adotar políticas adequadas nesse sentido. Medidas como essa podem ainda influenciar no sistema de saúde, a médio prazo?, esclarece.
Um dos pontos que dificulta a aplicação das restrições de produtos nas cantinas é a existência de duas leis estaduais sobre o mesmo assunto, de acordo com Márcia. A Lei n.º 14.423 foi publicada em 2 de junho de 2004 e a Lei n.º 14.855 é de 19 de outubro de 2005. ?Isso dificulta a operacionalização, pois há dois parâmetros. Seria necessária uma readequação para uma lei única, o que facilitaria a fiscalização da Vigilância Sanitária?, afirma Márcia.
Para ela, a segunda lei é um pouco mais completa, mas não pode ser seguida facilmente pelas cantinas. Márcia acredita que, além disso, seria necessária a proibição do comércio ambulante ao redor das escolas. As crianças não compram ?porcarias? no colégio, mas adquirem esses itens assim que saem da aula.
Raio-X da merenda
Foto: Aliocha Mauricio |
Levantamento vai abranger estudantes de 1.080 escolas. |
O governo federal gasta R$ 0,22 por dia com a merenda escolar de cada aluno matriculado em escolas públicas. Como são 36 milhões de estudantes do Ensino Fundamental e duzentos dias letivos, os recursos para a alimentação chegam a R$ 1,5 bilhão/ano. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), vinculado ao Ministério da Educação, é um dos maiores projetos do gênero no mundo. Existe há mais de cinqüenta anos. No entanto, somente agora um levantamento preciso está sendo realizado sobre o Pnae. Mesmo com a sua importância, ainda há muito a descobrir sobre a merenda escolar e seus efeitos nos alunos.
A pesquisa está sendo executada pela Associação Brasileira de Nutrição (Abran), com a parceria de diversos ministérios e órgãos federais. Os pesquisadores ainda levantam dados sobre o assunto em todas as regiões do País. Parte dos resultados será divulgada no segundo semestre deste ano. O estudo é muito abrangente, segundo a professora Andréa Polo Galante, presidente da Abran. Vai abordar desde os alimentos utilizados na merenda escolar até a estrutura, a água utilizada no preparo dos alimentos e a aceitação dos alunos.
Estudantes de 1.080 escolas serão avaliados, pesados e medidos para saber os efeitos nutricionais da merenda escolar nas crianças. ?Esta é uma avaliação do programa com ênfase nutricional. É um programa relevante, que atinge todas as escolas, de todas as regiões, com diversas peculiaridades. Será o primeiro levantamento completo do Pnae?, explica Andréa.
Os resultados obtidos com a pesquisa servirão de base para corrigir, melhorar, identificar problemas e manter os pontos positivos. O levantamento vai permitir a adoção de políticas mais adequadas, segundo Chico Menezes, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), órgão consultivo e de assessoramento da Presidência da República. Hoje, não é possível indicar o que realmente acontece com o Pnae ou nem mesmo traçar um panorama sobre a sua eficiência.
Uma das situações que precisam ser estudadas é a permanência de crianças na escola somente por causa da merenda escolar. Muitas vezes, esta alimentação é a única do dia. Teoricamente, a merenda deve atender 15% das necessidades nutricionais diárias. Mas, no caso dessas crianças, poderia se pensar em uma solução para abranger os efeitos da merenda escolar. ?Hoje, existe uma variação muito grande de escola para escola, de cidade para cidade. Estados e municípios poderiam complementar os recursos repassados pelo governo federal, mas isto nem sempre acontece, ainda mais em municípios pobres?, comenta Menezes.
Ampliação do Pnae em estudo
O Pnae contempla estudantes de todas as séries do Ensino Fundamental. Mas o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) acredita que o programa precisa ser ampliado para o Ensino Médio e cursos de alfabetização de jovens e adultos. Por isso, propôs um projeto de lei, já apresentado ao ministro da Educação, Fernando Haddad. ?É comum os alunos do Ensino Médio obrigarem os do Fundamental a entrarem na fila diversas vezes para pegar merenda para eles. Só isso já evidencia a necessidade?, avalia Chico Menezes, presidente do Consea. A ampliação abrangeria oito milhões de estudantes, apenas do Ensino Médio.
Além disso, o projeto de lei pede a aquisição dos alimentos diretamente na economia local e a instauração de processos judiciais para os prefeitos responsáveis por desvios de recursos. ?Quando as Prefeituras não prestam conta dos recursos, o MEC é obrigado a suspender o envio de dinheiro. Mas quem é punido é o aluno, que fica sem a merenda escolar. Está sendo buscada uma solução.?
Repasses não têm padrão
Não há um padrão sobre os procedimentos da merenda escolar. Há diversas maneiras de repasses e de aplicação. O governo federal entrega aos estados os recursos em dez parcelas, de fevereiro a novembro. Alguns estados preferem repassar o dinheiro aos municípios, deixando para eles a responsabilidade da compra dos alimentos e da aplicação dos recursos. ?A vantagem disso é a agilidade. No entanto, não existe um controle sobre o que a escola vai comprar. Além disso, a escola compra com preço de mercado, correndo o risco do recurso não ser suficiente?, explica Márcia Stolarski, coordenadora do programa estadual de alimentação, da Secretaria de Estado da Educação.
O Paraná recebe os recursos federais, faz as compras de alimentos por meio de pregões eletrônicos e realiza quatro grandes remessas às escolas por ano. Estas ainda recebem verbas, vindas de um complemento estadual, para a compra de produtos perecíveis. Esta é uma forma de estimular a economia local. Cada região tem uma característica diferenciada e isso se reflete na alimentação. O Estado tem oito programas para contemplar diversas situações, que dependem também do nível sócio-econômico da escola. Em comunidades carentes, a alimentação precisa ter um caráter mais de refeição, para suprir a deficiência alimentar existente nestas regiões. ?Em locais em que os alunos possuem um poder aquisitivo maior, eles preferem os lanches?, revela Márcia.