Foto: Chuniti Kawamura/O Estado

Com quinze dias de idade, Rodrigo foi deixado pela mãe biológica na porta da casa de Lourdes, que já pensava em adotar um bebê.

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A característica básica do ser humano é estar junto de outra pessoa, familiar ou não. Todos têm necessidade de carinho, amor, afeto e de se vincular a alguém. É uma necessidade chamada primária. Mas, e quando existe a rejeição? Se sentir rejeitado pode desencadear uma série de ressentimentos. No entanto, mesmo em situações trágicas, quem foi rejeitado consegue levar a sua vida sem qualquer problema, sem rancor de quem o rejeitou, principalmente quando encontra o amor e o carinho de que tanto precisa.

Tantos casos de bebês rejeitados pelas mães, noticiados pela imprensa nos últimos tempos, fazem com que apareçam várias perguntas: e as crianças? Como ficam? Se todos precisam de amor e carinho, como vão crescer sabendo que foram rejeitados por suas mães nos primeiros dias de vida? ?Depende de vários fatores, mas é possível que as pessoas superem esta rejeição e convivam com isso?, explica a professora do curso de psicologia e do mestrado em educação da Universidade Federal do Paraná Lidia Weber. Ela, que é autora de oito livros, coordena o Núcleo de Análise do Comportamento da instituição.

Um desses exemplos é o do consultor em vendas Rodrigo Angelo da Guarda, 28 anos, que tem uma história peculiar. Ele foi deixado pela mãe biológica na porta da casa da empresária Lourdes Domborovski, de São José dos Pinhais (Região Metropolitana de Curitiba), no Dia das Mães. Prontamente, ela pegou o menino e o levou para o pediatra.

O médico afirmou que o bebê estava com uma ótima saúde e possuía cerca de 15 dias de vida. Lourdes já pensava em adotar um bebê. Quando aquele menino indefeso apareceu em sua porta, ficou com aquela sensação de que nada na vida é por acaso. Rodrigo foi aceito plenamente pela família e amigos. Para todos, ele não era encarado como um menino abandonado. Era o filho de coração. ?O Rodrigo é muito amado e sei que ele ama muito a sua família?, afirma Lourdes.

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Rodrigo revela que sua mãe contou para ele, ainda pequeno, sobre a sua história. O fato de saber a sua trajetória de vida ajudou a lidar melhor com o abandono da mãe biológica. Isso não é empecilho para absolutamente nada em sua vida. ?Eu sempre soube. Acho que isso é um diferencial, melhor do que não saber nada. Eu nunca me senti magoado. Quando falo sobre isso, é uma conversa como outra qualquer, mas é uma conversa séria. Lógico que fico com o coração apertado?, comenta.

Rodrigo acredita que a sua reação seria de gratidão caso soubesse somente quando adulto sobre a sua história. Ainda mais por ter de lidar com algum suposto preconceito por causa da cor de sua pele. Rodrigo é moreno, enquanto a sua família tem pele clara. ?Uma hora eu ia ficar sabendo justamente por causa disso. Se eu soubesse hoje, não saberia dizer qual seria a minha reação. Acho que seria de gratidão. Porque poderia ser mais um menino de rua, poderia estar morto. Quando as pessoas ficam sabendo da nossa história, elas param para ouvir. Existem muitas crianças que precisam e as pessoas têm preconceito, principalmente por causa da cor da pele. Elas querem uma criança loira e de olho azul?, acredita.

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A superação de pessoas que passaram por situações trágicas de abandono depende de diversos fatores. A criação e a construção de laços afetivos estão diretamente relacionados com isso. ?A rejeição pode ser superada, com ajuda ou não, se a pessoa tiver consciência de sua história, se tiver um repertório comportamental para superar isso. A construção de laços efetivos ajuda a construir a força interior. As pessoas que tiveram situações fortíssimas conseguiram superar?, avalia Lidia.

A professora do curso de psicologia do Centro Universitário Positivo (UnicenP), Ana Paola Lopes Lubi explica que a rejeição pode trazer diversas seqüelas. Quem foi rejeitado pode, por exemplo, carregar um sentimento de que possui algo ?muito errado? e, por isso, foi abandonado. ?A sensação de ser errado pode levar uma pessoa a querer sempre agradar a todos, fazer de tudo para ser aceita. A pessoa também pode passar a rejeição para a geração seguinte, pois ela mesma não tem capacidade de se vincular a alguém?, conclui.

Histórico familiar tem grande influência

Foto: Arquivo/O Estado

Lidia Weber: os pais precisam ter a noção de que criar os filhos dá trabalho e requer sacrifícios.

Existe uma série de situações para que uma mãe chegue ao ponto de rejeitar um filho. A psicóloga Ana Paola Lopes Lubi explica que a mãe pode sofrer uma psicose pós-parto e, em um momento de loucura, querer se desfazer do filho, por direcionar para o bebê tudo o que está sentindo de ruim. Esses casos podem resultar em quadros trágicos, como a morte do bebê ou ele ser abandonado em lugares adversos, como uma lata de lixo.

A mãe que abandona um filho também pode ter sido uma vítima de rejeição. ?A mãe não consegue desenvolver a capacidade de se vincular porque também não foi amada. Ela sente desespero em ter aquela vida nas mãos. O histórico familiar também pode influenciar a decisão da mãe?, afirma Ana Paola. Ainda há os casos das mães que não deixam os filhos em latas de lixo, por exemplo, mas os deixam em portas de orfanatos ou em frente a residências. ?A mãe também entra em estado de desespero, diante das dificuldades que a criança pode passar, mesmo com ela. Ela prefere abrir mão do filho a vê-lo sofrer?, relata.

Se não acontece o abandono total do filho, os pais podem rejeitar a criança mesmo no convívio familiar. Tal ação é percebida com a negligência dos pais perante o filho. A professora Lidia Weber realizou uma pesquisa sobre o assunto, na qual as crianças apontaram o ?tipo? de pais que possuem. Muitas evidenciam o baixo afeto e não se sentem amadas. É uma negligência emocional, que pode acontecer também em famílias de alto poder aquisitivo. ?Os pais precisam ter a noção de que criar os filhos dá trabalho e que é preciso fazer sacrifícios?, avalia Lidia.

O estudo apontou que 15% das 500 crianças entrevistadas (entre 10 e 15 anos) apresentaram sintomas de estresse e depressão. A maior parte das crianças com sintomas de depressão possui pais do estilo negligente (56,1%), que não se envolvem e são pouco afetivos. Outro levantamento coordenado pela professora apontou que as crianças com auto-estima mais elevada têm pais com melhores práticas educativas (estilo participativo). Meninos e meninas com auto-estima baixa têm pais com estilo negligente. (JC)