Autoridades da igreja católica disseram hoje que a criação de uma célula sintética, anunciada ontem, pode ser um avanço positivo se usado corretamente, mas advertiu os cientistas de que apenas Deus pode criar vida.
Autoridades do Vaticano e da igreja italiana foram cautelosas em sua primeira reação ao anúncio feito ontem nos Estados Unidos de que haviam produzido uma célula viva contendo DNA feito pelo homem. Eles advertiram os cientistas sobre a responsabilidade ética do progresso científico. “É uma grande descoberta científica. Agora, temos de entender como será usada no futuro”, disse o monsenhor Rino Fisichella, a principal autoridade sobre bioética do Vaticano.
Na quinta-feira, cientistas anunciaram a criação, pela primeira vez, de uma célula sintética, completamente controlada por instruções produzidas pelo homem, segundo anunciaram pesquisadores do instituto privado J. Craig Venter Institute. “Nós a chamamos de primeira célula sintética”, disse o pesquisador de genoma Craig Venter, que supervisionou o projeto. “Estas são células reais.”
Criadas a um custo de US$ 40 milhões, o organismo experimental de uma célula, que pode se reproduzir, abre caminho para a manipulação da vida numa escala jamais alcançada, de acordo com vários pesquisadores e especialistas em ética. Os cientistas vem alterando fragmentos de DNA há uma geração, produzindo uma mistura de plantas e animais geneticamente modificados. Mas a habilidade de criar um organismo inteiro oferece um novo poder sobre a vida, afirmaram.
“Este é literalmente um ponto de mudanças no relacionamento entre o homem e a natureza”, disse o biólogo molecular Richard Ebright da Universidade Rutgers, que não participou do projeto. “Pela primeira vez, alguém gerou uma célula completamente artificial com propriedades predeterminadas.”
Técnica
A nova célula, uma bactéria, foi concebida apenas como demonstração do projeto. Mas vários biólogos disseram acreditar que a técnica de laboratório usada em seu nascimento poderá em breve ser aplicada a outros tipos de bactéria com potencial comercial.
O anúncio foi a culminação de um projeto que no qual o doutor Venter e seus colegas trabalhavam desde 1995. A pesquisa foi revista por um painel de cientistas independentes, mas ninguém duplicou os experimentos do grupo de cientistas. Outros pesquisadores, trabalhando com diferentes abordagens do tema, disseram que o relatório é crível e que combina uma série de avanços conquistados anteriormente.
Para fazer a célula sintética, um grupo de 25 pesquisadores em laboratórios em Rockville, Maryland, e em San Diego, liderados pelo bioengenheiro Daniel Gibson e pelo doutor Venter, transformaram um código de computador numa forma de vida. Eles começaram com uma espécie de bactéria chamada Mycoplasma capricolum e, ao substituir seu genoma por outro escrito por eles, a transformaram numa variante de uma segunda espécie existente, chamada Mycoplasma mycoides.
Para começar, eles escreveram todo o código genético da criatura como um arquivo de computador, documentando mais de um milhão de pares base de DNA em um alfabeto bioquímico de adenina, citosina, guanina e timina. Eles editaram o arquivo, acrescentando um novo código, e então enviaram os dados eletrônicos para uma empresa de sequenciamento de DNA chamada Blue Heron Bio, em Bothell, Washington, onde ele foi transformado em centenas de pequenos pedaços de DNA químico.