Tem gente que separa a melhor roupa para usar no fim de semana.
Há quem mande o carro para o posto a fim de lavar e encher o tanque. E também tem gente que espera a sexta-feira para lustrar os cascos e gastar as ferraduras.
Quem tem cavalos na região da Roseira, em Colombo, faz isso literalmente, pouco antes de encontrar os colegas, também cavaleiros de fim de semana.
A Roseira é uma região quase rural, de chácaras e sítios, a cerca de 40 minutos da capital. Apesar da proximidade com Curitiba, o cotidiano de quem vive ali é cercado de peculiaridades.
?Pra gente que é daqui, cavalo é mais comum que ônibus.
Eu sempre tive cavalo, mas ônibus só começou a passar por aqui há uns 5 anos?, explica Marilene Betinardi.
Ela fez contabilidade naquele tempo em que o ônibus não chegava lá, teve que morar em Curitiba e se esforçou para acostumar com o espaço pequeno do apartamento e com o barulho.
?Ainda me estresso com essas modernidades. Mas hoje vou me vingar…o que será que os curitibanos vão dizer vendo a gente chegar a cavalo na cidade??
São 8 horas da noite. A tropa está reunida no Bacacheri. Marilene passa batom, ali mesmo – em cima do cavalo – e está pronta para a aventura.
?Eles são biarticulados?
Em Curitiba o caminho da tropa começou no Parque do Bacacheri. Ele seguiram pela Rua Nicaraguá até a Avenida Paraná, quando entraram na linha do expresso.
Até então, a coisa mais estranha que o cobrador Luiz Fernando Kerner havia visto, trabalhando na estação tubo, era a animação dos torcedores em dia de futebol. ?Eles ficam doidos, mas porque você está perguntando isso… Nossa, aquilo que vem lá são cavalos??
A surpresa do cobrador foi tamanha que ele perdeu a voz por alguns segundos, mas não o bom humor. Refeito do susto, Kerner tratou de refazer a resposta e explicar a situação: ?Isso é o mais estranho que já vi, mas cavalo pode andar por aqui. Eles são biarticulados!?.
Surpresa pra quem vê a tropa passar
Pela canaleta ?exclusiva? do expresso a tropa chegou ao Passeio Público e de lá, pela Barão do Cerro Azul, foi até o Largo da Ordem. A reunião foi no bebedouro, como havia sido planejado, e quem estava por ali não escondeu a surpresa.
Sexta-feira, com noite de clima ameno, os bares estavam lotados. ?É por isso que a gente gosta daqui. É sempre divertido e uma noite nunca é igual a outra?, analisou o estudante de Administração, Rafael Pimenta, que brindava aos cavaleiros.
Quem passava a pé parou – talvez por medo, surpresa ou pura diversão. Certo mesmo é que eles conseguiram chamar a atenção de todos, quem se divertia e quem trabalhava, quem passava ou estava parado. E a medida que a tropa subia o calçamento em direção ao relógio das flores o gari José Rodrigo desabafava: ?Achei que os gaúchos tinham invadido Curitiba, mas já estão indo embora?.
Não eram gaúchos. Os cavaleiros moram aqui mesmo, em Curitiba ou Colombo, e também não era o fim do passeio.
A tropa seguiu pela Rua Dr. Muricy até a Rua XV e pelo traçado em alto relevo para evitar o risco do cavalo escorregar até a Universidade Federal. Em ritmo lento, parando para fotografar, eles redescobriram a cidade que um dia já foi dos tropeiros.
Em tempo: passeios como esse não são comuns nem há outro programado.
Emoção SOBRE QUATRO PATAS
Foto: Evandro Monteiro/Tribuna |
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Baron, depois da semana |
Para o empresário Roberto Baron, a semana de trabalho termina na sexta- feira, às 4 horas da tarde. Depois disso, quem quiser encontrá-lo precisa ter um cavalo. Baron é o chefe da tropa que passeia à noite por Curitiba.
Ele organiza as saídas, geralmente pelas trilhas da região de Colombo, mas experimentou duas vezes cavalgar pela cidade à noite e gostou.
?Encontrei um policial e perguntei se era permitido e ele me disse que se ele podia fazer o patrulhamento à cavalo eu também podia dar uma volta?, disse o empresário.
Satisfeito com a ?autorização?, Baron tratou de motivar os amigos a acompanhá-lo. Falou que era um passeio inédito, bonito, seguro, mas o argumento que convenceu a turma foi que só podia participar quem tivesse muita habilidade. ?Na cidade, o controle sobre o animal precisa ser absoluto para garantir a segurança dos cavaleiros e dos pedestres?, explicou.
A idéia era garantir a segurança, mas o que agradou a todos foi a oportunidade de exibir-se para um público pouco convencional. E assim, há uma semana Baron liderou uma marcha com 14 cavaleiros.
Saíram da Chácara da Roseira, em Colombo, em direção ao Largo da Ordem, que reúne as construções mais antigas de Curitiba. O bebedouro, que ainda funciona lá, é uma lembrança da época dos tropeiros, responsáveis pelo desenvolvimento da cidade.
E a exemplo dos antigos cavaleiros que passaram por ali, os atuais imaginavam que esse seria um bom lugar para terminar o passeio, reunidos num marco histórico.
Mas estava tão divertido que eles só pararam, duas horas depois, em frente a Universidade Federal, na Praça Santos Andrade. Ao todo a marcha durou cinco horas, sem contar o tempo de volta. Horas de diversão tanto para quem integrava a tropa como para quem os viu passar.
Rédeas nas mãos, prazer e parceria
Os ?tropeiros modernos? não fazem comércio nem usam seus cavalos para carregar mercadorias. Mas ainda guardam algumas semelhanças com aqueles personagens históricos. Amam seus animais e na companhia deles o tempo é prazeiroso. De certa forma, um depende do outro.
Os tropeiros sobreviviam do comércio oriundo das viagens. Os cavaleiros de fim de semana trabalham muito e precisam dos cavalos para relaxar. São empresários, vendedores, donas-de-casa. A maioria nem tem casa na Roseira. Apenas usa os serviços da cocheira, que fica lá, para guardar seus animais com a garantia de que eles estarão bem tratados e prontos para os passeios na próxima semana.
?Sou ansioso e muito nervoso. Só aprendi a relaxar quando descobri o prazer das cavalgadas?, resume o representante de vendas Nivaldo Moreira. No grupo ele é conhecido como ?Açougueiro? e na companhia do filho Guilherme, de 13 anos, e dos amigos era só alegria.
No passeio por Curitiba o adolescente estreava sua nova montaria, Aladar. O cavalo foi presente do pai. ?Ele é um cara difícil, mas nós dois gostamos muito de cavalo e isso faz a gente ficar mais perto?, explica Guilherme.
