História de menina com fitas

As fitas agitavam-se silenciosamente quando ela se movia. Saíam coloridas e borboleteantes de todos os bolsos, do cabelo, do colo, dos punhos. Exibiam um colorido vibrante que se multiplicava no ar, quando, em diálogo intenso, se tocavam e entrelaçavam numa palheta movediça e mutável. Elisa não sabia explicar que sedução interior a movia para que, à vista de qualquer pedaço de fita, seu coração pedisse a posse e o lugar para exibi-lo. A mão obediente seguia esse desejo, e logo a fita entrevista vinha somar-se a dezenas de outras num painel de muitos traços e tons.

A menina insistia com a mãe: nada de trajes sem bolsos, botoeiras, ganchos, presilhas e botões. Queria muitos e em todos os espaços da roupa. Neles prendia suas fitas, incansavelmente. E se expunha, feliz, aos olhares de curiosidade e inveja.

As fitas, como que se sentindo amadas, moviam-se à vontade, presas apenas por uma das pontas, gozando a amplitude da exposição ao sol e à luz, que a menina oferecia com carinho. Elisa andando era a infância da cor, o movimento serpenteante, o indescritível ondear multicor, estendendo em todas as direções os leves tentáculos que a anunciavam e identificavam.

Alheia à surpresa dos transeuntes, vai lampeira e sedutora a caminho da escola. Leva entre os pensamentos que voam e ramificam, como suas fitas, a pergunta sempre repetida da mãe, a quem acabara de deixar à porta da casa: – Elisa, por que as fitas?

A verdade é que, mesmo sem resposta, a interrogação paira no ar. Mas na medida que a menina caminha, o ponto de interrogação desenrola, ganha retidão, transformando-se em fita sonora, pregada à orelha de Elisa. A pergunta se fez resposta.

Na escola, entre risos e movimentos, ninguém lembra, ou quer saber, de bisbilhotar, de questionar aquela diferença. Aceitam e compartilham sua alegria Nos olhares, os reflexos em cores das fitas a dançar. Entre os amigos, Elisa e suas fitas ajudam a compor uma rara imagem de felicidade colorida.

Sentada em sua carteira na sala de aula, as fitas adormecidas salpicando de cor a roupa, Elisa se aquieta em silêncio de aprendizagem.

Como que despertadas pelo necessário e rotineiro sinal do intervalo, saltam as fitas e a menina em busca do reencontro com o ar, com o sol, na ânsia da brincadeira. No pátio repleto de aves ruidosas, destaca-se a plumagem multicolorida da alegre Elisa.

Mal sabem, os que de fitas não entendem, que à noite ou em dias de chuva, aqueles pedaços coloridos de alegria desprendem-se por si e buscam lugares alheios e secretos. Mal sabem, os que de infância não entendem, que a menina sonha as fitas enquanto elas, molecas, brincam em assoalhos e tetos, vãos e paredes, desvãos e degraus, viajando no planeta casa sem rumo nem bússola. Sonhando as fitas, a menina as encontra facilmente quando delas sente saudade. Então, rapidamente as traz ao aconchego do corpo.

Descobre uma delas sob o tapete da sala por causa da pontinha mal escondida. Retira detrás da estante a fita que a olha desafiadora pela fresta aberta entre a parede e a madeira. Tira fitas de dentro de sapatos, encolhidas entre os talheres, disfarçadas entre papéis e barbantes.

As mais difíceis de localizar são as que amam os livros. Nas estantes habitadas por dezenas de volumes, como descobrir entre as páginas pedaços de tecido colorido, finos como asas de borboleta, leves como beija-flores?

Com o passar do tempo, Elisa aprendeu a ler as pistas, a descobrir os rastros, a chegar aos esconderijos. É seguindo palavras e figuras, títulos e imagens, memória de narrativas e pensamentos que a menina encontra, submersas em letras escuras, as fitas coloridas.

Pela estante imóvel e quieta, os dedos pequenos e ágeis correm os títulos e param em Menina bonita do laço de fita. Entre as páginas, aconchegadas, duas pequenas fitas pretas. Seguindo os volumes, mais um livro se abre e no meio dele a menina pesca uma dezena de cores em forma de fitas, muito coladas às imagens de Exercícios de ser criança.

O tempo escoa rapidamente, e nem o olhar nem a mão conseguem encontrar aquela fita, cuidadosamente guardada no bolso sobre o coração. Os livros são retirados com pressa, abertos com ansiedade, folheados com sofreguidão. Nada. A noite se faz mais densa, o coração não descansa, e as mãos continuam na perseguição. Até que os olhos se arregalam e a boca se abre num sorriso de vitória. Envolta na música de Fita verde no cabelo repousa a desaparecida.

De volta a seu lugar, a fita tranqüiliza a menina, que dorme, sonhando em cores o dia de amanhã.

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