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Guerra mais sangrenta da história faz 80 anos

Às 4h45 do dia 1º de setembro de 1939, o encouraçado alemão Schleswig-Holstein abriu fogo contra um depósito militar polonês em Danzig. O bombardeio marcou o início do conflito mais sangrento da história. Pela primeira vez, uma guerra generalizada envolvia todos os quatro cantos do mundo. Em seis anos, o surto de insanidade deixou mais de 60 milhões de mortos e terminou com duas bombas atômicas sendo lançadas sobre áreas civis.

Para muitos historiadores, a 2.ª Guerra é o desfecho de um período de instabilidade causado pela crise de 1929 e agravado pelo avanço agressivo do nacionalismo. Desde a crise econômica de 2008, que também foi seguida de uma onda nacionalista, tem sido tentador estabelecer um elo com o passado.

“O contexto da 2.ª Guerra começa em 1929. A incapacidade de superar a crise e o nacionalismo exacerbado, em detrimento do livre-comércio, foram fatores importantes. Hoje, temos uma situação parecida”, disse ao Estado Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da UERJ. “Após a crise de 2008, grandes potências, como os EUA, fugiram da globalização e deram preferência a acordos bilaterais. É a mesma coisa do protecionismo inglês e francês da década de 30.”

Para o historiador da USP, Marcos Napolitano, apesar de atualmente não haver “regimes abertamente totalitários”, como o nazismo, existe “um choque entre potências econômicas e governos de direita, mais preocupados com questões internas”. “Uma das consequências mais sérias disso é a guerra comercial entre China e EUA, que pode evoluir para um atrito mais sério em médio prazo”, afirmou.

O escritor Tim Lister também estabelece um elo. “Nos anos 30, de maneira semelhante, a crise econômica estimulou o protecionismo, a hostilidade contra minorias, provocou o colapso das instituições internacionais e uma sensação de que a democracia havia fracassado”, disse.

Para muitos, a comparação pode soar exagerada. Afinal, o rádio foi substituído pela internet e pelas redes sociais, grupos paramilitares não caçam dissidentes nas ruas, as instituições nacionais são mais fortes que nos anos 30 e o conceito de direitos humanos está mais enraizado. Mas se história nunca se repete, ela rima, segundo a lógica atribuída ao autor americano Mark Twain, que acreditava que os acontecimentos se reproduziam em outro contexto.

Segundo David Motadel, historiador da London School of Economics, o período mais autoritário da era moderna foi o entreguerras, fértil de autocratas da dimensão de Getúlio Vargas, Kemal Atatürk, Francisco Franco, Antônio Salazar, Mussolini, Hitler e Stalin. “Essa experiência autoritária resultou na maior tragédia da história humana”, disse Motadel, sobre o início da 2.ª Guerra.

A maior parte do conflito foi travada na Europa, embora tenha envolvido tropas do mundo todo. Os australianos lutaram do lado aliado no Mediterrâneo. Os indianos ajudaram a derrotar forças nazistas na África. O México apoiou o esforço de guerra americano e despachou um esquadrão de 300 pilotos para combater o Japão. O Brasil também teve um papel ativo, enviando uma força expedicionária para lutar na Itália, em 1944.

Entre os 25 mil brasileiros escalados para o combate estavam cerca de 60 judeus. Foi o caso do jornalista Jacob Gorender, do escritor Boris Schnaiderman e do dentista Israel Rosenthal. “Eu era oficial de infantaria. Mas, chegando ao acampamento, fui requisitado para trabalhar como dentista. Fui voluntário e sabia das perseguições aos judeus na Europa”, disse Rosenthal, de 99 anos.

A guerra que começou 80 anos atrás terminou com a certeza de que era preciso criar uma estrutura institucional para evitar que o mundo caísse na mesma armadilha do nacionalismo. Era o momento de apostar no multilateralismo e aumentar a interdependência entre as nações. Quanto mais os interesses nacionais estivessem emaranhados, menores as chances de um novo conflito.

Entre os pilares institucionais criados estão ONU, Otan, Banco Mundial, FMI e União Europeia. Ironicamente, é contra essa velha ordem multilateral que lutam novos autocratas como Viktor Orban, Matteo Salvini e Donald Trump. “Eles têm muito em comum: são centralizadores, nacionalistas e estão em guerra contra minorias”, afirma Motadel. “Hoje, eles são a maior ameaça à ordem liberal criada após a 2ª Guerra.”

Irmãos brasileiros em lados opostos

A cultura germânica é passada de geração em geração na família de Gerd Emil Brunckhorst, brasileiro com ascendência alemã. Do seu apartamento em São Paulo, ele e a esposa Margareth se comunicam com filhos e netos em alemão.

Suas origens são responsáveis, indiretamente, pela sua participação na Campanha da Itália (1943-1945), com a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que enviou soldados para 2.ª Guerra. Do lado oposto, seu irmão caçula, Paul Heinrich Brunckhorst, foi convocado para lutar no Exército de Hitler.

Paul se mudou para a Alemanha para morar com um tio um ano antes do início da guerra, em 1938. “Ele nunca tinha passado de 1,50 m. Um problema glandular. Mas pensamos, ‘quem sabe a mudança de clima ajuda’. Nunca ajudou”, lembra Gerd.

Por ser filho de alemães, o Terceiro Reich recrutou Paul para servir o país, aos 20 anos, em 1943. “Ele estava feliz, porque havia sido considerado apto para lutar”, conta Gerd. Após ser designado motorista, escreveu dizendo que havia sido destacado para a frente russa. E nunca mais deu notícias.

Já Gerd, no ano seguinte, foi para Nápoles no primeiro navio brasileiro, em 2 de julho de 1944, compondo o Batalhão de Engenharia do 6.º Regimento de Infantaria, de São Paulo. “Eu queria ir. Queria provar que sou brasileiro a todo custo. Fiz questão.”

A motivação de Gerd vinha da discriminação vivida no trabalho. A campanha antigermânica no governo de Getúlio Vargas fez com que ele fosse demitido da companhia de seguros onde trabalhava no Rio de Janeiro, no setor marítimo, com outros três alemães, por “ordens superiores”.

Intérprete

Nos quatro meses em que ficou na Itália, como cabo, acompanhou oficiais do Exército servindo de intérprete de inglês e alemão. Gerd era trilíngue, após ter completado os estudos na Deutsche Schule de São Paulo, atual Porto Seguro.

Ao ser afastado depois de um acidente enquanto montava o acampamento, com complicações no fêmur esquerdo, Gerd também serviu de intérprete nas bases hospitalares americanas onde ficou internado, antes de ser mandado de volta ao Brasil. “Uma enfermeira me levou até um soldado alemão machucado. ‘Vai lá, ele está tão sozinho’, ela me disse. Meus colegas brasileiros me incentivaram. Disseram que ele era um cara bacana.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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