Fogo aberto contra publicidade exclusiva

?Diga-me com o que andas, que te direi quem és?. A distorção do provérbio secular, que induzia o julgamento das pessoas pelas companhias ou grupo social a que pertenciam, foi usada em peças publicitárias e foram o ponto de partida para um estudo desenvolvido pela psicóloga Fátima Severiano, de Fortaleza (CE).

Ela desenvolveu uma tese de mestrado abrindo fogo contra a publicidade de automóveis, celulares e bancos, numa crítica ácida à exclusão social que ela provoca, especialmente entre os jovens. O trabalho recebeu o nome de ?Subjetividade da marca: (pseudo) individualização e homogeneização na cultura do consumo de jovens?.

?A publicidade reforça cada vez mais que é mais importante ter do que ser. Há uma personificação dos objetos e a objetivação das pessoas?, diz Fátima. Na prática, propulsionada pelo capitalismo, a publicidade transmite a idéia de que a partir do momento em que a pessoa adquire determinado produto, ela ganha o status suficiente para ser mais valorizada perante os pares sociais.

Entre os jovens, o trabalho fica ainda mais fácil, já que eles passam por um período de busca de identidade e aceitação social. ?Analisamos o consumo entre os jovens como o mito de Narciso, a onipresença da mídia publicitária, o protagonismo do mercado e a individualização em confronto com a homogeinização?. Em suma, o mecanismo funciona da seguinte maneira: há a provocação do ego do jovem com a projeção narcisista. A partir daí, vende-se a falsa idéia de que possuindo determinado produto, ele se torna especial. Entretanto, ele não será o único a adquirir aquele produto, resultando desta forma na homogeinização. Como arma, a publicidade, especialmente de serviços bancários, costuma se valer da palavra ?você? ou ?seu? para que o jovem consumidor sinta-se especial. ?Quem não se enquadra no processo, pode sentir-se excluído?. Só que a idéia vendida é falsa, é pura estratégia de marketing?. Como exemplo ela cita a propaganda de um banco que diz ?Seja você mesmo, seja único, seja diferente?. ?É óbvio que não será um serviço exclusivo, já que a peça publicitária é feita para atingir milhões. Mas o jovem acaba comprando essa idéia, para se identificar socialmente?.

Outro ponto ressaltado pela pesquisa é a força do nicho explorado pela publicidade entre os jovens. ?Geralmente eles veiculam propagandas de produtos que passem a idéia de liberdade, independência e inserção no mundo adulto, coisas que todo o jovem busca?.

A base teórica do estudo desenvolvido por Fátima Severiano veio do estudioso Adorno, que traduziu perfeitamente o termo ?indústria cultural?. Após a análise do trabalho, a pesquisadora e sua equipe passaram a colher peças publicitárias para análise e confirmaram a tese. ?É uma realidade atroz, mas cada vez mais forte no capitalismo. A questão não é apenas usar os jovens como consumidores em potencial. Pior que isso é criar um grupo de excluídos, resultando em um problema social de grandes  proporções?.

Jovens chegam a cometer delitos para adquirir status

O sentimento de exclusão provocado pela exploração da mídia jovem pode resultar em sérios problemas sociais. Nos grandes centros urbanos, jovens das camadas sociais mais baixas acabam cometendo delitos na tentativa de adquirir os produtos alardeados na mídia, já que mesmo as famílias mais simples possuem televisão.

?Esses jovens simplesmente não podem ter o que seria o passaporte para a aceitação social. Então, eles não se privam de cometer delitos para adquirir não o produto, mas o status conferido a ele?, diz Fátima. Antigamente, o símbolo de status eram os tênis de marca. Hoje, os celulares tomaram o lugar, já que a utilidade como telefone, propriamente dito, foi suplantada. O que mais importa é ter um celular top de linha.

Além de defender a tese de provocação à exclusão social como motivador de violência, a pesquisadora acredita que a exploração dos jovens pela mídia pode causar problemas psicológicos.

A psicóloga Ana Paola Lopes Lubi trabalhou com jovens que desenvolveram problemas em decorrência da impossibilidade de ter determinados produtos.

?Os sintomas geralmente são o isolamento social e baixa no rendimento escolar. Alguns desenvolveram agressividade importante?, diz.

A confusão se cria a partir da perda do limite entre o ter e o ser. Na busca de identidade com este ou aquele grupo, o jovem passa a desejar objetos e quando não consegue, perde o norte. ?O adolescente não se aceita e se afasta?.

Mais do que uma questão puramente capitalista, permeada pelo mercado publicitário, a psicóloga aponta a questão educacional como determinante para a existência do problema. ?Muitas vezes o exemplo vem de cima. Pesquisas comportamentais revelam que ninguém se endivida para comprar feijão. Se os pais já têm um comportamento questionável para adquirir determinados bens, os filhos geralmente pensam igual?.

Para Ana Paola, a saída para barrar a obsessão pelo ?ter?, que termina por suplantar as qualidades pessoais, é abrir o debate. ?Algumas escolas já têm feito isso e obtido bons resultados. Algumas restringem uso de determinados objetos de denotação de status. É um passo, mas a orientação ainda é a melhor estratégia?. (GR)

Publicitários não se consideram os vilões da história

Os publicitários saem em defesa da própria causa e não se consideram os vilões da história. Afinal de contas, eles estão inseridos no sistema capitalista, no qual o lucro é o objetivo e a frase mais conhecida de Maquiavel cabe como uma luva: ?Os fins justificam os meios?.

?Há uma linha tênue entre desejo e necessidade. Muitas vezes a pessoa quer, não necessariamente precisa daquele produto para viver?, explica o publicitário Marcelo Abílio Publi.

As empresas se valem desse desejo para vender e obter o lucro, mola-mestra do capitalismo. ?No mercado há uma concorrência atroz entre as empresas e quem fizer a melhor propaganda, na teoria, vai vender mais?, diz o publicitário. Na prática, porém, nem sempre isso acontece. ?As pessoas criticam a mídia mas nem sempre a propaganda nos veículos de comunicação é necessária. Um exemplo é a Hello Kitty. Não se vê propaganda da gatinha, mas ela virou febre entre as crianças?, diz Publi, que tem uma filha pequena aficcionada pela personagem infantil.

Em vez de classificar a mídia como instrumento de exclusão social, ele argumenta que na realidade, todo o ser humano busca uma identidade. ?É uma necessidade humana. A mídia oferece o direito de escolha e cada um se identifica com o que quer?.

O professor Luiz Afonso Caprinhoni Erbano, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, diz que há os dois lados da moeda. ?Não sou sectário. É bem verdade que muitas vezes há um uso indevido da mídia, mas ela é apenas uma arma. Quem a manuseia é que tem culpa de seu mau uso?, diz.

O fenômeno que resulta na aplicação da mídia para despertar o desejo de consumo nas pessoas é classificado por Erbano como ?miopia em marketing?. ?Nada mais é do que o desvio da necessidade para o desejo. A sociedade tem necessidade de consumo e a mídia é a arma capitalista para mexer com isso. Cabe aos consumidores o discernimento do que é verdadeiramente necessário?. (GR)

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