Quando Fidel Castro, ao lado de Che Guevara e de poucos comandados, desceu a Sierra Maestra para derrubar o governo de Fulgencio Batista em 1959, certamente sabia que estaria fazendo história – era de seu perfil personalista. Mas não imaginava que seria o protagonista de um evento que dividiria a história contemporânea. Se hoje vivemos um momento de extremismo e revolta, muito tem a ver com a Revolulção Cubana e suas decorrências, que se transformaram num mar de intolerância que envolveu a década de 1960, refluiu em eras de mais prosperidade econômica e que voltam com tudo hoje.
A tomada de Havana é um dos acontecimentos mais espetaculares que se tem notícia. Fidel era minoria, tinha contra si o poder constituído de Batista e ainda a oposição dos Estados Unidos, e mesmo assim venceu uma longa batalha. Só por isso já poderia ser considerado um símbolo da luta armada. Mas “El Comandante” queria mais. Queria fazer da sua Cuba uma formadora de guerrilhas que tomariam de assalto tantos países quanto forem necessários (tinha feito isso na República Dominicana antes de tomar o poder, imagine depois). Virou ameaça – talvez até maior do que realmente fosse, porque o discurso é sempre mais radical que a ação.
Dessa vontade de Fidel Castro surge a primeira “era dos radicalismos”. Vêm a crise da Baía dos Porcos, as ameaças mútuas de ataque nuclear entre Estados Unidos e União Soviética, as guerrilhas de esquerda e as de direita na América do Sul, as tensões na África negra, os golpes militares. Qualquer ato do comandante cubano servia ou de motivo para a esquerda ou de pretexto para a direita. Recupere as declarações de Leonel Brizola e Carlos Lacerda, principais lideranças civis brasileiras antes da ditadura, e veja como “imperialismo”, “socialismo”, “comunismo” e “Cuba” aparecem a todo momento.
A cisão não fica apenas no poder político, chega também à opinião pública. Não é à toa que é John Kennedy, protóptipo democrata, pretenso símbolo da democracia e da compreensão dos opostos, quem decreta o embargo econômico a Cuba. Não se toma uma atitude dessa sem saber que a maioria da população aprovaria. E é também por isso que os militares tomam o poder no Brasil – havia uma grande parte da sociedade com medo de que o país se transformasse “numa Cuba gigante”. Fidel sempre foi o herói das esquerdas, mas também o inimigo número um da direita. Nunca foi analisado sem passionalismo.
É uma situação semelhante que vemos agora. É pelo declínio da esquerda que surge uma direita extrema, simbolizada pela eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. E isso acontece porque há uma demanda de posições como a dele, assim como sempre houve uma demanda de posições como as de Fidel Castro. E a polarização sempre foi marca de Cuba – há quem critique pelas execuções, mas há quem o defenda pela educação universal; há quem o critique pela derrocada econômica e pelo empobrecimento da população, mas há quem o defenda por melhorar o sistema de saúde. E não adianta, toda vez que algo for colocado a favor de Cuba, haverá quem encontre algo a criticar. E vice-versa.
Isto transformou Fidel em um personagem maior do que a pessoa. O que ele fez foi menor do que ele gerou. Ao tomar o poder, “El Comandante” virou um político como os outros – assim como no Brasil, em Portugal, na Argentina e na Rússia, Cuba sempre teve uma casta de privilégios. Com Fulgencio Batista era uma, com Fidel foi outra. Mas o legado dele foi maior pelas declarações que deu e pelas ameaças que fez.
Ao deixar o poder, ele era apenas uma sombra do que fora. Alquebrado, tomava atitudes desconexas, fazia de seu discurso um apoio para que o personagem sobrevivesse, mas sabia que Cuba estava entregue por conta do seu modelo econômico e pelo embargo norte-americano. Os 57 anos de poder de Fidel Castro sobre Cuba não fizeram o país melhorar ou piorar. Continua pobre como era em 1959. Mas o mundo se transformou definitivamente quando aqueles guerrilheiros desceram a Sierra Maestra e tomaram Havana.