Famílias que fogem dos modelos tradicionais

Jair Nunes, securitário, casado pela terceira vez, pai de dois filhos: uma menina – com mais de vinte anos e fruto do primeiro relacionamento – e um garoto de nove, da terceira mulher. Maria das Graças Kautikas, nutricionista, ex-esposa de Jair. Mãe de três filhas: Tatiane – também filha de Jair -, Maritsa e Kristina, ambas do segundo casamento. Mas os ex-cônjuges compartilham muito mais que uma filha. Dividem amizade e dedicação, em uma relação de respeito e confiança, aceita, segundo eles, pelos novos parceiros e por todos os filhos gerados desses relacionamentos.

Essencialmente, esse modelo nada tradicional de família demonstra que a estrutura familiar está cada vez mais condicionada a novos aspectos sociais e a novos tipos de aceitação. Na opinião do sociólogo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, é justamente na mudança de mentalidade que reside o fato de tanta gente, hoje, ter deixado para trás a noção que dita pai, mãe e filhos, todos em uma casa, vivendo sob as mesmas regras.

?Uma das grandes mudanças que atingem essa estrutura tradicional é uma diferença na cabeça das pessoas; a tal família tradicional é cada vez mais um ideal social, uma espécie de referência que muita gente usa como resistência para produzir discursos que relacionem os problemas do mundo à destruição da família?, acredita. Ele usa como exemplo os casais separados. ?Podem não estar juntos, mas atualmente se aceita a idéia de que é melhor que estejam assim do que mantenham um relacionamento desestruturado.?

Essa alteração na mentalidade, explica, partiu de certos elementos históricos, relacionados principalmente ao questionamento feminino sobre seu papel no mundo. ?Entre essas mudanças, destaco dois grandes movimentos: a saída da mulher para o mercado de trabalho e o controle da concepção. Ambos deram à mulher um papel diferente daquele que tradicionalmente era atribuído a ela. Isso começou a se desenrolar há cerca de 50 anos e, de lá para cá, outras mudanças foram acontecendo.?

As conseqüências desse novo papel na família e no mundo resultaram em uma multiplicação dos tipos familiares, subsidiados pelas novas relações mantidas entre pai, mãe e filhos. ?Hoje as pessoas se casam mais tarde, têm filhos mais tarde e, com isso, passam a ficar com os pais por mais tempo ou então a fazer parte das crescentes estatísticas daqueles que estão indo morar sozinhos?, exemplifica. Afora a grande quantidade de mães solteiras, casais separados em que um membro detém a guarda dos filhos, crianças que são cuidadas por avós ou tios em decorrência do pouco tempo de que dispõem os pais. ?E ainda há outro elemento, não do ponto de vista estatístico, mas simbólico, que são os casais homossexuais lutando para ter os mesmos direitos de serem pais ou mães, tal como os heterossexuais.?

O modelo tradicional de família – mais relacionado à função biológica, segundo Bodê -ainda é bastante comum, mas não único. ?No entanto, a grande questão é onde está localizada a capacidade daquele grupamento em dar bons exemplos e estabelecer limites?, destaca. As famílias de Jair e Maria das Graças concordam. Ele foi padrinho da filha mais nova dela; ela, mesmo depois da separação, ainda ficou morando com os pais dele. O bom relacionamento hoje é mantido, segundo eles, por um quesito: respeito. ?Na nossa árvore genealógica, os galhos cresceram cada um para o lado, mas o tronco permaneceu o mesmo?, define o securitário, orgulhoso em compartilhar toda a família com a ex-esposa. Ela, por sua vez, acredita que é não dar bola para as convenções a maneira de manter o bom relacionamento. ?Não é por ser tradicional que necessariamente vai dar certo. E muitas famílias convencionais talvez não conseguiriam manter esse vínculo depois da separação?, equipara, satisfeita por compartilhar com Jair, literalmente, uma incomum e grande família.

Pai e tia educam sob o mesmo teto

Foto: Cíciro Back/O Estado

João, Maria, Tiago e Marina: pai
e tia dividem contas e educação.

Dois filhos, o pai e uma tia. Todos em uma mesma casa. Qual a diferença de uma família que vive assim para outra que ainda se encaixa no modelo dito tradicional? O analista de sistemas João Carlos Cattaneo, divorciado há seis anos e há quatro responsável pelos filhos Tiago e Mariana, diz que muda muita coisa, mas nem por isso a convivência deixa de ser extremamente prazerosa e a educação, eficiente.

Depois da separação, a ex-esposa foi morar em Londrina, norte do estado, com os filhos, e ele continuou em Curitiba. Dois anos depois, as crianças passaram a viver com o pai. ?Morávamos em um apartamento no mesmo prédio que a minha mãe e minha irmã, até para facilitar os cuidados?, relembra. O objetivo era estimular o convívio familiar com o sobe e desce. Os laços estreitos resultaram em confiança mútua e, no ano passado, quando a avó de Tiago e Mariana faleceu, foi a vez de a tia, Maria do Carmo, ir morar com o irmão e os sobrinhos.

?Sempre fui muito ligada a eles. Mas sei que sou tia e, por isso, ajo com mais flexibilidade. Entre nós existe um canal aberto de comunicação, tratamos de todos os assunto, seja religião, política, sexo, de forma natural?, explica a tia, que trabalha muito e, mesmo morando sob o mesmo teto, convive com os sobrinhos mais aos finais de semana. Até por isso, ela acredita, as brigas são raridade nessa família. ?E o melhor é que não criamos muita dependência. Eles são mais aptos a tomar decisões sozinhos, quando necessário?, explica.

A despesas são divididas entre João Carlos e Maria do Carmo, assim como boa parte das responsabilidades, que, apesar de às vezes sobrecarregarem, nunca foram problema para este pai. ?Sempre levantei de madrugada e dei banho neles. Mas sinto que a presença feminina é importante. Não que o fato de Maria do Carmo estar conosco substitua o papel da mãe, mas ela sabe lidar com assuntos que nem sempre eu conseguiria.? Um exemplo foi a primeira menstruação de Mariana, notícia dada exclusivamente à tia. ?E é importante também por causa da organização, higiene, limpeza?, ressalta Maria do Carmo, logo confirmada pelo irmão: ?Eu não teria mesmo tempo de pensar em tudo isso?, diverte-se.

Quanto aos filhos, estão satisfeitos com a família que têm. ?A única diferença é que a gente leva menos bronca?, diz Tiago. Ao que completa a irmã: ?E se o pai quiser casar de novo, vou aceitar na boa?. (LM)

Escola adota Dia da Família

O colégio Nossa Senhora de Sion, em Curitiba, decidiu suspender as comemorações dos tradicionais dias das mães e dos pais para dar lugar ao Dia da Família. O motivo, explica a psicóloga e educadora da instituição, Maria Cristina Montingelli, era evitar que crianças se sentissem deslocadas com as comemorações se o pai ou a mãe não estivessem presentes. ?Notávamos constrangimento de muitas delas por percebermos que a família nem sempre tem o perfil tradicional de pai, mãe e filhos. Cada vez mais entram tios e avós exercendo até mesmo os papéis parentais?, diz.

A iniciativa, para satisfação dos educadores, foi um sucesso: ?Conseguimos trazer um maior número de pessoas e agradar mais que nas comemorações tradicionais?, garante a psicóloga. Ela explica que o objetivo era ressaltar o papel da família, independente da estrutura em que se encontra. ?Valorizamos a família, mas sabemos que hoje nem todas seguem o mesmo padrão. Se falta a figura do pai ou da mãe, tentamos ensinar a criança a lidar com a situação.?

A educadora afirma que os diferentes modelos de família que permeiam hoje a vida das crianças são percebidos no dia-a-dia da escola. É o caso das brincadeiras. ?Se não tem um menino para representar o pai, eles mesmos sugerem no jogo que o papel não existirá porque ele foi embora?, exemplifica.

O papel dos avós como responsáveis também é cada vez mais nítido. ?Em muitos casos eles é que levam as crianças à escola. E justamente por passarem muito tempo com elas é que têm aderido cada vez mais à responsabilidade de educá-las?, diz, fazendo referência ao famoso chavão que dá a aos pais o papel de educar e, aos avós, o de deseducar. Tanto que a escola chegou a convocá-los para uma reunião: ?Eles confessam que têm vontade de mimá-los o tempo todo, mas estão cada vez mais cientes do papel importante que exercem quando os pais não estão presentes?. (LM)

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