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Extremistas sentem gosto da segregação nos Estados Unidos

Percy tem pouco mais de 20 anos, estuda na Universidade de Auburn, no Alabama, e sonha com a criação de um Estado de brancos que professem os ideias da “alt-right”, termo que tenta dar uma nova roupagem a extremistas de direita americanos que vão de neonazistas a defensores da supremacia branca.

Segundo o estudante, defender ideias como as suas ficou mais difícil depois da marcha de supremacistas brancos em Charlottesville, na Virginia, em agosto. Maior manifestação do tipo nos Estados Unidos nas últimas décadas, o evento reuniu cerca de 1.000 pessoas e foi marcado pela violência e o assassinato de uma ativista que se opunha à presença dos extremistas na cidade.

“Nós estamos sendo caluniados pela imprensa local e até o Reddit tem deletado meus comentários”, se queixou, fazendo referência à plataforma de discussão online conhecida por sua tolerância à retórica extremista. Seu pequeno grupo vive uma crise de liderança e reflete sobre sua forma de atuação.

O microcosmo de Percy reflete o cerco mais amplo a grupos extremistas após a marcha de Charlottesville, em Virgínia, que deu fôlego à reação de organizações de esquerda conhecidas como “antifa” (de antifascista) e forçou as empresas de tecnologia a agir contra a disseminação de posições extremistas em suas plataformas.

Depois da euforia com a vitória de Donald Trump na eleição de 2016, a alt-right passou para a defensiva. Twitter e Facebook bloquearam contas de grupos e de líderes do movimento, enquanto o YouTube passou a deletar vídeos extremistas, sob o argumento de que eram ofensivos. Até sites de relacionamento, como o OKCupid, expulsaram usuários ligados à alt-right.

“Há muito tempo, alertávamos as empresas de tecnologia sobre a disseminação do ódio e de ideias de supremacia branca online, mas elas mal atendiam nossos telefonemas. Depois de Charlottesville, as empresas nos procuraram e perguntaram o que poderiam fazer”, disse ao Estado Lecia Brooks, diretora do Southern Poverty Law Center (SPLC), principal organização que monitora a ação de grupos de ódio nos Estados Unidos.

O PayPal deixou de prestar serviços a muitos dos grupos extremistas que dependem de financiamento de seus seguidores e da receita de propaganda criada pelo fluxo de usuários online. Diante da dificuldade de captar recursos, alguns começaram a pedir doações em bitcoins, mas a forte desvalorização da moeda virtual desde dezembro reduziu sua atratividade.

Verniz intelectual

Vestido com camisa em tons rosa, calça cáqui, cinto e mocassim, Percy tenta dar um verniz intelectual a suas posições racistas e antissemitas, com referências a autores e estudos que supostamente apontam para os males do multiculturalismo e a influência nefasta dos judeus na sociedade americana.

O grupo que ele ajudou a criar há quase um ano funciona de maneira totalmente clandestina e tem apenas dez membros, em uma instituição de ensino que possui 27 mil alunos. Na entrevista ao Estado, Percy disse que não gostaria de ser identificado nem por seu pseudônimo. Teme que “comunistas” descubram quem ele é.

A ofensiva foi acompanhada pelo aumento da agressividade do movimento antifascista. Há um mês, Richard Spencer, principal face do extremismo americano, decidiu cancelar a série de palestras que realizava em universidades americanas em razão dos protestos de seus opositores.

“Os antifas estão ganhando”, declarou ele, em vídeo, a seus seguidores. O recuo, contudo, não significou rendição. Spencer atribuiu a decisão de suspender suas palestras à “violência” dos ativistas de esquerda e disse que é preciso “repensar” a estratégia de divulgação de suas ideias.

Autor do livro Antifa: The Anti-Fascist Handbook (Antifa: O Manual do Antifascista), Mark Bray avaliou que a capacidade dos grupos da alt-right de se expandir foi interrompida com o impacto negativo da marcha em Charlottesville. “Eles voltaram a ser o que eram antes: grupos marginais, sem capacidade de influenciar a sociedade como um todo”, afirmou Bray, professor de história da Universidade Dartmouth.

Alguns grupos extremistas americanos também estaão sendo afetados por divisões e problemas internos. O evento em Charlottesville foi chamado de “marcha da unidade”, mas as cisões ficaram evidentes desde então. O grupo neonazista Traditionalist Worker Party implodiu no mês passado depois da descoberta de que seu criador, Matthew Heimbach, tinha um caso extraconjugal com a mulher de seu porta-voz.

Percy diz que é crítico de Andrew Anglin, fundador do site neonazista Daily Stormer, um dos mais populares dos Estados Unidos. Ele também acredita que Spencer prejudicou a imagem da alt-right ao celebrar a vitória de Trump com a saudação nazista e o grito “Hail, Trump!”.

Perseguição no local de trabalho

Andrew Murphy Harkins, de 33 anos, participou da “marcha da unidade”, realizada no dia 12 de agosto por supremacistas brancos em Charlottesville, na Virgínia. Sete meses mais tarde, ele foi demitido do banco Wells Fargo, onde trabalhava desde 2012, no Estado de Washington.

A empresa tomou a decisão depois que grupos de esquerda antifascistas revelaram a presença de Harkins na manifestação, documentada com foto na qual ele aparecia carregando uma tocha. Entre as palavras de ordem repetidas na marcha estavam: “Judeus não vão tomar o nosso lugar”.

Chamada de “doxing”, a exposição de defensores da supremacia branca a seus empregadores, parentes e vizinhos é uma das armas mais eficazes usadas por seus opositores, na opinião de Mark Bray, autor do livro Antifa: The Anti-Fascist Handbook (Antifa: O Manual do Antifascista).

A estratégia já levou a identificação de pelo menos uma pessoa que não tinha relação com facções da alt-right. No entanto, Bray a defende, sob o argumento de que é necessário combater ideias perigosas e mostrar que há um custo a ser pago por quem adota o extremismo. “A mensagem é que se você é um neonazista, sua vida não será a mesma”, disse Bray. “Se você quiser ter essas posições, você tem de defendê-las publicamente e sofrer as consequências.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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