Dos filhos que a pátria viu partir ao exílio, nos idos das décadas de 60 e 70, alguns ela ainda não viu retornar – e talvez nunca mais os veja. É o que acreditam ex-exilados políticos e seus familiares, paranaenses ávidos pela causa democrática que, em alguns casos, ainda continuam fora do Brasil. Há quem pretenda que o País levante o número dos que permanecem por lá e pague-lhes as indenizações devidas; outros ex-refugiados, porém, preferem esquecer o passado e exigir do Brasil apenas pensar para frente.
O fato é que, mais de vinte anos depois do fim da ditadura, os sobreviventes parecem não se arrepender de sua luta e das experiências que marcaram suas vidas e o sistema político brasileiro. O assunto veio à tona este mês, quando o delegado do trabalho no Paraná, Geraldo Serathiuk, solicitou ao ministro do Trabalho e Emprego (MET), Carlos Lupi, um levantamento dos exilados políticos que até hoje permanecem longe daqui. Segundo Serathiuk – que teve experiência pessoal no caso, com dois irmãos exilados – ainda existem refugiados em países da Europa e América Latina, muitos, inclusive, vivendo em situação precária.
Para o delegado, nem todos os que saíram daqui conseguiram se inserir no mercado de trabalho nos locais que os acolheram. ?A maioria foi trabalhar em serviços braçais para sobreviver. Houve ajuda humanitária no início, mas depois acabaram permanecendo nos empregos de terceira categoria pela impossibilidade de aproveitar toda uma vida de estudos e trabalho que tiveram aqui?, acredita. ?As pessoas já tinham estabelecido trabalho, família, e, por tortura ou prisão, acabaram se prendendo naqueles países?, acrescenta.
Serathiuk atribui ainda a esses exilados a impossibilidade de terem sido ressarcidos até hoje dos dias de angústia que passaram. ?As pessoas que estavam aqui conseguiram indenizações ou algum tipo de ressarcimento material, mas nem todos tiveram ressarcimento do que significou aquilo na sua estrutura familiar. E não houve tentativa do governo de fazer inventário para encontrar essas pessoas.? Daí a proposta apresentada ao MTE, sob a meta de conseguir informações sobre os ex-exilados e oferecer-lhes ajuda.
Deixar ou não o exílio é pessoal
Foto: Átila Alberti |
Milton Ivan: lei de anistia acobertou os torturadores. |
O jornalista Milton Ivan Heller, autor do livro Resistência democrática: a repressão no Paraná, acredita que o não incentivo à volta de alguns exilados esteja relacionado a uma lei de anistia ?pela metade?, como ele considera. ?Os que perderam o emprego nunca foram reintegrados; a lei de anistia brasileira (de 1979) foi mais voltada ao acobertamento dos torturadores, diferente do que aconteceu na Argentina e no Chile, onde até hoje estes respondem pelos crimes hediondos que cometeram?, compara.
No entanto, o sofrimento dos membros dessa resistência, vítimas de torturas e prisões injustificadas, não se equipararia à situação em que colocou-se todo o País, opina o escritor. ?Claro que o tempo que essas pessoas perderam de suas vidas não se traz de volta, mas, de uma forma ou de outra, elas acabaram se recuperando. A questão é o Brasil ter chegado a um ponto em que foi totalmente proscrito do rol das nações civilizadas.?
Foto: Ciciro Back |
Teresa Urban: oportunidade de reconstruir a vida. |
A ambientalista Teresa Urban, exilada no Chile por quase três anos, diz que o exílio foi visto como oportunidade para reconstruir a vida depois de ter a prisão decretada aqui no Brasil. ?Quando saí daqui, minha vida já estava desmontada. Só que, quando a situação lá ficou tensa (durante o golpe militar de 73), minha decisão foi voltar para cá. Tinha duas crianças e, aqui, mesmo presa, havia com quem deixá-las?, lembra.
Para a jornalista, a escolha de deixar ou não o exílio, independente das circunstâncias, é pessoal. ?Não foi fácil. Fiquei presa e depois tive de lutar na Justiça pelo direito de ter meu registro profissional, o que acabou me ajudando a entender um pouco mais este país?, afirma. ?Mas não me arrependo porque, de qualquer maneira, voltei para minha terra. E acho que não cabe indenização a quem por opção decidiu lutar contra a ditadura.?
Indenizações e ajuda a ex-presos políticos
Um dos irmãos de Geraldo Serathiuk, Nelson, ainda permanece na Suíça. Ele pretende ser ressarcido pelas diversas vezes que foi preso em Curitiba e pelos danos físicos e psicológicos acarretados nas torturas vividas no Brasil e no Chile – primeiro exílio, onde foi pego por policiais daquele país e torturado em seguida. ?Quero entrar com um pedido de indenização contra a União e o Estado chileno?, diz.
Nelson já foi vereador na cidade suíça de Lausanne e hoje atua na ajuda a exilados e ex-presos políticos, como o londrinense Samuel Baba, que depois de 35 anos longe do País, retornou pela primeira vez no final do ano passado. ?Outras pessoas se encontram na mesma situação e estou disposto a assinar uma procuração para quem queira me ajudar nesta luta?, convoca Serathiuk.
Baba, formado em Medicina pela Universidade de Brasília, tem 61 anos e conta que demorou a retornar por falta de documentos – um divórcio sem escritura no Chile, primeiro país de exílio, teria dado disparidade no cadastro das Nações Unidas e complicado a emissão do passaporte. ?Felizmente o Consulado-geral do Brasil em Genebra ajeitou a situação e vim para cá?, diz.
Samuel nunca esqueceu a terra natal, mesmo passando tempos difíceis lá fora. ?Comecei trabalhando como faxineiro de sanitários, fui lavador de pratos, mas acabei terminando minha especialização em pediatria e trabalhei no comitê olímpico internacional e para a Cruz Vermelha.? Isso sem falar nas seqüelas deixadas pelas torturas, que o acompanham até hoje – ele sofre de epilepsia e diabetes. ?Mas encaro isso como acidente de trabalho. Pessoalmente, não vou pedir nenhuma indenização ao governo brasileiro porque quem pagaria seria o povo. Eu estou partindo para outra briga, vou lutar pela nossa causa?, diz, orgulhoso dos companheiros paranaenses que deram a vida pela democracia.