Quando decidiram ter um filho, Valéria Guimarães e Ricardo Colombo não imaginavam que a ?gestação? poderia ser tão curta. Em apenas dois meses, a criança, ou melhor, as crianças chegaram. Renata estava com três anos e Daniela com um ano e oito meses. A adoção foi o caminho encontrado pelo casal, que há sete anos tentava, sem sucesso, ter um filho biológico. O processo até a chegada das crianças foi tão rápido e natural porque os pais estavam desprovidos de preconceitos e tinham como propósito maior a vontade de ter um filho.
Mas, para a maioria dos pais que entram com o processo de adoção na Vara da Infância e Juventude, a demora pode levar meses e até anos devido às exigências que eles mesmos fazem. As crianças recém-nascidas ou com até três anos de idade, de pele e olhos claros e do sexo feminino são as mais procuradas. Porém, os candidatos com este perfil estão cada vez mais difíceis. ?Temos mais de 400 pessoas e casais habilitados para adotar uma criança e temos, paradoxalmente, cerca de 300 crianças prontas para adoção imediata que ninguém quer (maiores de cinco anos)?, revela o juiz Fabian Schweitzer, da Vara da Infância e Juventude, de Curitiba, acrescentando que há uma disponibilidade média de apenas 25 crianças recém-nascidas ou com idade até cinco anos.
A conselheira do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente (CEDCA) e presidente da ong Recriar, Eliana Arantes Bueno Salcedo, destaca que uma pesquisa realizada em 2006, com o objetivo de diagnosticar a situação dos abrigos de crianças e adolescentes no Estado, apontou uma realidade diferente da desejada pelos candidatos a adoção.
Das cerca de 3,8 mil crianças e adolescentes que estão em abrigos, 55% são do sexo masculino, 60% têm idade entre 7 e 15 anos e apenas 7% têm até um ano de idade. Do total de abrigados, 93% moram no local, e 40,7% deles ficam no abrigo de dois a cinco anos. Somente 9,2% das crianças e adolescentes foram adotados. Eliana defende que os pais precisam ser mais trabalhados para entender que o objetivo da adoção é que as crianças tenham uma família e não o inverso. Além disso, é necessário agilizar a destituição do poder familiar para aumentar as chances da criança ser adotada.
A coordenadora técnica-administrativa da Comissão Estadual Judiciária de Adoção, Jane Pereira Prestes, afirma que a demora na destituição do poder familiar ocorre por cautela, já que a família biológica precisa ter todas as chances de ficar com a criança. Ela também ressalta que a adoção é um processo simples e que a demora está na exigência dos adotantes. Prova disso são as adoções internacionais, para as quais praticamente não há filas de espera.
Em 2006, o Paraná realizou 39 adoções internacionais de 93 crianças. ?Na maioria, são grupos de irmãos que encontram na adoção internacional a última oportunidade de ter uma família. Um exemplo foi um casal americano que adotou sete irmãos?, comentou Jane. Segundo ela, entre os países que mais adotam estão Itália, Estados Unidos, Holanda e França.
Preconceito e burocracia
?Existem três grandes determinantes para que haja tantas crianças espera de uma adoção: preconceitos, exigências e burocracia?, afirma a psicóloga, mestre e doutora em Psicologia Comportamental e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Lídia Dobrianskyj Weber. Autora de seis livros que falam sobre o tema, Lídia fez uma pesquisa com 400 pessoas (pais adotivos, filhos adotivos e filhos biológicos com irmão adotado) em 105 cidades de 17 estados brasileiros.
Segundo ela, os preconceitos que envolvem a adoção vão desde social, cultural até religioso. Além disso, a exigência dos adotantes também pesa muito nesse processo, pois além de desejarem bebês recém nascidos, muitos ainda não entendem a necessidade de adoção legal, já que a pesquisa demonstrou que 48% das adoções no Brasil são informais, ou seja, não passam pelo sistema judiciário. ?Encontra-se uma mulher doadora e registra-se a criança como filho legítimo, isso é ilegal e crime previsto em código penal?, alerta.
A psicóloga também critica a burocracia do Judiciário e Ministério Público no que se refere à destituição do poder familiar dos pais das crianças institucionalizadas. ?Não se ajuda a família de origem e nem se decide liberar a criança para adoção; quando ela fica mais velha, o sistema afirma que são somente os candidatos que são preconceituosos.?