Em tempos de excesso de informações e estresse ocasionado pelo trabalho extenuante, você deve estar se perguntando o que gostaria mesmo de fazer com este jornal nas mãos. Ah, sim. Acaba de lembrar. Ler algo sobre a memória. Pois saiba que, se essa cena é comum no seu dia-a-dia, vale a pena verificar se as palavras da primeira frase se aplicam ao que tem vivido. Hoje, sabe-se que a memória é tremendamente afetada pelas condições psicológicas, sendo o estresse e a depressão alguns dos principais causadores daquelas famosas ?falhas? que todos nós, vez ou outra, temos. Tratar desses fatores, entretanto, é possível – bem como exercitar a memória desde cedo para garantir que ela funcionará melhor pelo resto da vida.
O psicólogo Naim Akel Filho, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e especialista em neurociências, diz que a memória está relacionada a fatores como a boa saúde mental e, claro, aos estímulos dados ao longo dos anos para que ela opere bem. ?A memória depende da estrutura cerebral chamada hipocampo e das sinapses feitas no cérebro, ou ligações das células nervosas. Todo ser humano tem centenas de bilhões de células nervosas, o que varia é a quantidade de ligações que essas células fazem entre si. Dependendo do treino, do exercício e da aprendizagem, algumas pessoas estabelecem mais sinapses do que outras. São elas que dão a qualidade dos nossos processos mentais?, explica.
Só que esse condicionamento está sujeito ao que é feito com o cérebro logo na infância, período em que há maior plasticidade – ou capacidade dos neurônios de formar novas conexões a cada momento. ?O que a gente faz com os processos mentais durante essa fase está diretamente relacionado à qualidade deles depois, na idade adulta.? Daí a necessidade de tirar vantagem dessa facilidade desde cedo, aprimorando nas crianças e adolescentes as oportunidades de aprendizado, com exercícios que estimulem a reflexão, associação e compreensão.
Nesse sentido, a leitura é atividade recomendada, já que ajuda a estimular os órgãos sensoriais e a levar as mensagens para o cérebro interpretar e armazenar. Aliás, qualquer coisa que use atenção e raciocínio estimula a memória, conforme complementa a neuropsicóloga Maria Joana Mader. ?Assistir a um filme, ler um jornal, fazer palavras cruzadas são alguns exemplos?, cita.
Pessoa ativa sofre menos
De nada adianta uma vida inteira de estímulo à memória se, mais tarde, os transtornos sofridos pelo cérebro acabarem com todos os benefícios desse exercício. ?O maior desses danos é o estresse, que propicia liberação de determinados hormônios lesivos ao sistema nervoso central?, cita o professor Naim Akel Filho. Claro que a idade propicia que a memória seja perdida de forma gradual pela morte natural das células, mas a normalidade desse processo deve ser observada dentro de certos limites. ?A idade pode propiciar perda de agilidade da memória, mas esquecer nomes, não reconhecer pessoas, isso tem a ver com transtornos provocados por problemas como o não-desenvolvimento adequado do cérebro, uso de substâncias psicoativas, estresse crônico ou até problemas vasculares.? Ou seja, é absolutamente normal esquecer, por exemplo, onde você deixou a chave – mas não para que ela serve. ?Boa saúde física e emoções em ordem são grandes aliados da boa memória. A pessoa em plena atividade é mais animada e atenta que aquela que pára suas atividades?, diz a neuropsicóloga Maria Joana Mader.
Mistérios não desvendados
O professor do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Cláudio da Cunha, explica que hoje já se conhece em parte o funcionamento básico da memória. Muitas questões, entretanto, ainda estão por ser respondidas. Entre elas, por que a memória é tão diferente de pessoa para pessoa. Há dois tipos de memória já bastante estudados: a episódica, referente à lembrança de fatos recentes, e a procedural, referente aos procedimentos que nos acostumamos a executar e se tornam hábito. ?O que estamos descobrindo é que, além desses dois tipos, a entidade memória não é uma unidade no cérebro. Além da memória episódica, tem memória para reconhecimento de faces, que não necessariamente se encaixa nesse parâmetro, ou outra que guarda por um curto período de tempo números de telefones, por exemplo. Cada uma dessas memórias é processada em diversas áreas do cérebro.? Resumindo: ?Estamos tentando descobrir o que em cada parte do cérebro contribui para cada tipo de memória?. No dia em que isso for desvendado, acredita o professor, será mais fácil explicar por que alguns guardam bem a fisionomia das pessoas enquanto outros têm mais facilidade para lembrar dos nomes.