Houve um tempo em que a oferta de um curso de extensão ou de um congresso trazia a marca da absoluta novidade, catalisando o interesse de professores e alunos. O entusiasmo vinha acompanhado da curiosidade que move o conhecimento. Poder freqüentar o evento, ouvir mais do que falar, abrir os poros, ouvidos e mente para absorver o saber que emanava os palestrantes eram atitudes demonstrativas da sede-desejo de aperfeiçoamento pessoal e profissional.
De fato, as cápsulas de informações e experiências docentes completavam boa parte das lacunas deixadas pelo curso de formação profissional. As discussões se acendiam, a disputa pelos textos e livros demonstrava o alto grau de interesse e o propósito de novos rumos no trabalho docente.
Atualmente, multiplicaram-se cursos e congressos porque se multiplicou a categoria docente. Vivemos, no melhor dos mundos da ciência e do magistério, pode-se pensar.
Dramático engano.
Os eventos esvaziam-se, a expressão dos participantes é de enfado, as reclamações por minúcias se avolumam, a entrega antecipada de certificados é toque de debandada.
Fica evidente, menos para o mais despreparado observador, que a presença obrigatória ou taxa mínima de comparecimento provoca um mal-estar geral. Além das habituais rodas de conversa no fundo dos auditórios, seres adormecidos largados nas poltronas, cabeceios de sono e tédio, olhares catatônicos. As palestras e conferências têm a incrível capacidade de funcionar como antídoto ao vírus do desejo de aprender. Por vezes, um vírus natimorto.
A visão do ambiente é desoladora. A movimentação descontrolada do entre-e-sai desrespeitoso só é vencida pelas garrafinhas de água e pelo troar dos celulares.
Tudo piora se o conferencista lê o texto escrito. A simples exposição das folhas de papel, mesmo em número reduzido, liga o sinal de alerta nos participantes, quando não impulsiona o corpo para cima e as pernas para o caminho da saída. Já presenciei excelentes pesquisadores fracassarem ao ler seu texto, e nulidades intelectuais se saírem bem à força de ditos graciosos e de retórica de programas televisivos.
Guy Debord, em A sociedade do espetáculo alerta que ?a dominação espetacular derrubou a árvore gigantesca do conhecimento científico, com a finalidade única de dela talhar uma matraca?.
Temos solene horror à escuta do texto lido em voz alta. Em oposição, amamos o desempenho jocoso, as piadas preconceituosas, o óbvio e o supérfluo ditos em formato de espetáculo circense. McLuhan, já em 1976, advertia que ?a pressão dos mass media conduz ao irracional?. Talvez seja essa mesma a sensação quando, diante de uma apresentação multimídia de alto rigor técnico, fique embotada a qualidade do conteúdo científico.
Não entenda com isso, caro leitor, que sou pessoa mais que antiga, antiquada. Também gosto de uma apresentação visual criativa, mas cobro das imagens que elas não iludam ou desvirtuem o que realmente importa numa palestra ou conferência: a qualidade, atualidade e pertinência das informações. Olhar a beleza é muito gratificante, mas ser estimulado a pensar é muito melhor.
O mais torturante numa palestra ou conferência, no entanto, é o momento das perguntas. Será mesmo preciso fazê-las? Se for por escrito, é melhor esquecer. Os participantes preferem expressá-las oralmente, ora num português estropiado, ora em perguntas ocas ou repetitivas, ora num discurso encachoeirado, confuso, exibicionista, desde que o microfone esteja sob o poder e domínio do perguntador, concedendo-lhe alguns minutos para sobressair à multidão.
Além do que, a maior parte das poucas perguntas começa por um ardoroso pedido de receitas: ?Como fazer para…?, ?como trabalhar o …?, ?como realizar atividades para…?, que demonstram com sobras que o público busca remédios para uma doença que desconhece, ou quer desconhecer. Quase sempre, a pergunta dá a perceber a recusa de pensar ou aprofundar a reflexão sobre a contraditória e múltipla realidade.
As honrosas exceções fazem sonhar com um público co-responsável, disposto a discordar, com bases sólidas e atualizadas de conhecimento, com o espírito aberto para aceitar críticas, com o desejo efetivo de mudar práticas sociais – ou de questioná-las e com a mente comprometida com o diálogo.
Para quem trabalha com os produtos do espírito humano, estar aberto ao trabalho, ao pensamento e à disposição de trocas com o outro é atitude saudável, que concretiza um debate científico válido e produtivo, que deveria ser o fim último de todo seminário, congresso, encontro…
Quando será o próximo congresso?