Estresse infantil pode virar depressão

Ela é uma menina de apenas 11 anos de idade, mas muito agressiva, ansiosa e que já passou por alguns traumas na vida, entre eles o fato de ser rejeitada pelos pais, primeiramente os pais biológicos e depois, os adotivos, e viver em um abrigo para crianças abandonadas. Ela também apresenta enurese noturna, uma doença que a faz urinar enquanto dorme, involuntariamente. Ele é um garoto de sete anos, filho adotivo de pais separados. Também é agressivo e seu sono é agitado. Estes são só alguns exemplos de crianças que estão fazendo tratamento psicológico por conta de um problema muito grave que, muitas vezes, pode passar despercebido pelos pais por pensarem se tratar de sintomas típicos da idade. Entretanto, o problema chama-se estresse infantil, e pode se tornar uma doença mais grave caso não seja tratado. 

Segundo especialistas, o estresse infantil, se não tratado, tem grandes chances de se transformar em uma depressão, uma doença muito grave quando ocorre em crianças. A psicóloga Alessandra Fendrich, que trabalha com crianças, explica que o estresse tem três fases: o leve (ou fase de alerta), quando a criança se torna agressiva e ansiosa; a fase intermediária, quando a insônia e a falta de apetite podem aparecer; e por último a fase da exaustão. ?Nesta fase, a criança já está muito abalada pelos sintomas do estresse e pode até adoecer?, afirma.

O mais preocupante, diz a psicóloga, é que em geral as crianças já chegam no consultório do especialista com o problema na fase da exaustão. ?Em geral, nas primeiras fases os pais vão deixando de lado até por desconhecimento, mas a tendência é sempre piorar?, alerta. Outro problema é que as crianças geralmente não sabem reclamar e detectar o problema, por isso a importância dos pais perceberem os sintomas e procurarem ajuda o quanto antes.

No caso das crianças citadas – cuja identidade foi preservada -, a rejeição por parte dos pais e os problemas de relacionamento entre o casal foram as causas do estresse desencadeado nos filhos. Porém, há outros fatores que também podem fazer com que a criança desenvolva o problema.

A psicóloga especialista no tratamento de crianças com estresse Márcia Maria Bignotto afirma que o fator mais preocupante é a pressão social. ?Hoje, os pais acham que seus filhos têm que agradar a todos, serem melhores em tudo. Os pais colocam na cabeça deles que eles têm que ser bonitos, inteligentes. É impossível a criança ser tudo isso?, analisa. Segundo Márcia, é importante para a criança ter diversas ocupações, mas sem exageros. ?A criança precisa ter tempo para brincar e ter um tempo maior de descanso do que o adulto. Ela deve ter apenas uma atividade física e uma intelectual?, recomenda.

A psicóloga Alessandra lembra também que a pressão que as crianças sofrem acaba sendo reflexo da ausência dos pais, que em geral não ficam em casa o dia todo e ainda são pressionados em seus ambientes de trabalho, tanto quanto pressionam seus filhos. Com isso, acabam transmitindo esses valores para seus filhos, mesmo que sem severidade. ?Muitas vezes os pais querem suprir essa falta e colocam as crianças em todos os tipos de curso, além da escola. Isso faz com elas fiquem estressadas?, diz Alessandra.

Entretanto, para a psicóloga, o relacionamento entre pai e mãe é o que mais pode causar estresse nas crianças. Segundo ela, a criança pode não demonstrar, mas percebe todo o seu contexto familiar. Ainda mais quando os pais não se relacionam bem. ?A criança não tem vida própria. Ela vê nos pais o que gostaria de ser. Por isso, os pais que brigam muito acabam afetando a criança e deixando-a estressada?, diz.

Para evitar problemas, atenção dos pais é essencial

O estresse em crianças é considerado pelos especialistas como mais grave do que o ocorrido em adultos, embora os sintomas sejam muito parecidos. Isto porque entre as causas do problema podem ser citados todos os acontecimentos da vida dela, desde uma mudança de casa ou de escola até o nascimento de um irmãozinho, a perda de um familiar ou mesmo de um animal de estimação.

A psicóloga especialista no tratamento de crianças com estresse Márcia Maria Bignotto diz que é importante que os pais fiquem atentos. Segundo ela, além da ansiedade, da insônia e da falta de apetite, há outros sinais que a criança apresenta quando está com estresse, como a desatenção na escola, o isolamento e até o comer em excesso, e outros distúrbios alimentares, como a bulimia, podem ser sintomas de estresse infantil.

Ela diz também que não há uma faixa etária específica em que os sintomas podem aparecer, mas em geral as crianças estressadas estão na fase da alfabetização, com seis ou sete anos de idade. ?Hoje em dia, há muita cobrança das crianças. Às vezes na fase pré-escolar elas já estão alfabetizadas. Só de ter que escrever uma letra cursiva já pode estressar uma criança?, comenta. Para ela, os professores também devem ficar atentos aos sintomas de estresse em crianças.

Márcia lembra ainda que é muito importante as pessoas fazerem uma boa distinção do que é estresse e o que não é. Segundo ela, o termo ?estresse? se tornou muito popular nos últimos anos, o que pode causar equívocos em seu diagnóstico. ?O estresse não é apenas um cansaço. Ele ocorre quando o organismo sofre desgastes que trazem prejuízos para a vida da pessoa?, alerta.

Pesquisa aponta números preocupantes

Foto: Aliocha Maurício/O Estado
Segundo o estudo, criança brasileira é muito estressada.

Uma pesquisa divulgada em novembro do ano passado revelou que a criança brasileira é a mais estressada entre representantes de 14 países (Argentina, China, Dinamarca, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Japão, México, África do Sul, Suécia, Inglaterra e Estados Unidos). A pesquisa foi feita pelo canal televisivo de entretenimento Nickelodeon, com 2.800 crianças, na faixa etária dos 8 aos 15 anos. A pesquisa foi chamada de ?Equilíbrio Emocional da Criança Brasileira: o que pensa, com que se preocupa, como age e o que espera do futuro.?

A pesquisa apontou que, além dos brasileirinhos serem os mais estressados entre as nacionalidades avaliadas, eles também são os que mais sofrem com os efeitos da globalização, o que os deixa inseguros. De acordo com a coordenadora de pesquisas da Nickelodeon, Beatriz Mello, o bombardeio de informações a que as crianças ficam expostas aliado à falta de diálogo com os pais fazem com que elas tenham cada vez mais estresse. ?A criança é uma esponja, o papel dos pais é ser o filtro. Muitas vezes ela vê uma guerra na TV que não está acontecendo próximo dela, mas ela pensa que está. Os pais precisam explicar isso para a criança. O que falta é o diálogo entre pais e filhos?, analisa.

A pesquisa da TV revelou outro importante fator do estresse nas crianças, segundo Beatriz: a questão da preocupação com o futuro. 96% das crianças afirmaram que conseguir um bom emprego é a principal dor de cabeça hoje para elas, seguido de fazer os pais felizes (95%) e tirar boas notas (88%). Para Beatriz, a resposta ?conseguir um bom emprego? está ligada à pressão que os pais fazem para que isso aconteça. ?Os pais fazem o culto ao vencedor, dizem que seus filhos têm que ser sempre os melhores. Isso acaba criando na criança uma pressão muito grande e a deixa estressada?, completa.

O canal Nickelodeon existe há 27 anos nos Estados Unidos e há dez no Brasil.

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