Com o resultado previsto para as eleições presidenciais na Argentina, a grande interrogação no país é sobre o estilo de governo que vai prevalecer nos próximos quatro anos de mandato de Cristina Kirchner. Entre os analistas, há dúvidas e poucos arriscam a dar uma opinião firme sobre o que a presidente pretende fazer com tanto poder político. “Antes da morte do marido (Néstor Kirchner), havia pistas do que pensava fazer, mas agora existe um hermetismo absoluto e não há o menor sinal sobre as medidas que pode tomar”, disse a analista Mariel Fornoni, diretora da consultoria Managment & Fit. A presidente não deixou escapar nenhuma informação sobre como vai compor o novo governo, e não apresentou nenhum plano de gestão.
Na Câmara, dos 257 deputados, 130 serão renovados. A bancada governista da Frente pela Vitória (FPV) será a que mais renovará. “55% dos deputados da FPV serão renovados e, provavelmente serão eleitos 10 mais, chegando a uma bancada de 100 deputados, e, somando com os aliados, chegaria a 129, número suficiente para dar quórum e votar qualquer matéria”, explicou o sociólogo Artemio López, da consultoria Equis.
No entanto, ele ponderou que essa maioria não seria própria do governo e os aliados são circunstanciais e nem sempre estão de acordo. “A metafísica do aliado que se comporta sempre da mesma maneira não responde a um padrão histórico imediato. Isso significa que, embora o governo tenha certo domínio na Câmara, não será hegemônico”, argumentou. Os analistas consideram, no entanto, que o Executivo não terá nenhum tipo de problema para aprovar matérias de seu interesse, nem na Câmara, nem no Senado, onde as forças estão mais equilibradas. A bancada governista no Senado tem 37 dos 72 senadores, e apenas 24 cadeiras serão renovadas. Se o resultado das eleições primárias for replicado, os aliados somariam 38.
Para o professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, Ricardo Sidicaro, a reeleição de Cristina inaugura a era do “cristinismo”, que consolida seu próprio poder e liderança, convertendo os “kirchneristas”, seguidores de seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, morto no ano passado. Também deu um banho nos peronistas. “Cristina tem as duas coisas necessárias para liderar os caciques peronistas: dinheiro e voto”, disse ele. Com capital político próprio, Cristina não precisou da ajuda de prefeitos e governadores para ser a preferida do eleitorado. Eles, no entanto, a apoiam fortemente porque o Executivo “tem certa capacidade de organizar a política através de fundos que disciplinam governadores e prefeitos”, criticou o acadêmico.
A referência diz respeito à faculdade de transferência de recursos do Orçamento da administração federal para governos municipais e provinciais sem aprovação do Congresso, de maneira discricionária. Sidicaro disse que a “ideia de instituições não está presente na lógica da política argentina”. “Isso é uma natureza permanente da política argentina nos 200 anos de existência.”
O sociólogo opinou que o peronismo não tem muitas chances de sobreviver no atual cenário. Os peronistas tendem a alinhar-se ao novo perfil do governo, que está desenhando um mapa cristinista, uma evolução do kirchnerismo. Neste novo espaço, que vem sendo construído há um ano, desde que ficou viúva, Cristina mostrou-se firmeza diante da perda do marido, e teve muita autonomia e audácia para decidir as listas de candidatos, terminando com a prática de negociações do governo com as lideranças. Além disso, começou a interagir com a sociedade de maneira menos confrontante.
Com a economia crescendo 9%, os planos sociais reduzindo o desemprego e a pobreza, os aumentos de salários e inclusão de novos aposentados e pensionistas no sistema, o marketing oficial e o luto rigoroso acompanhado por palavras entrecortadas por lágrimas comovedoras compuseram o coquetel de sucesso da campanha de Cristina. A fórmula contou com um ingrediente adicional importante: a incompetência dos candidatos da oposição. É neste cenário que o sociólogo prevê o fim do peronismo, movimento político criado pelo ex-presidente Juan Domingo Perón.
Para Sidicaro, o crescimento dos simpatizantes e seguidores de Cristina Kirchner aparece mais como resposta daqueles que têm interesse na manutenção do governo, do projeto, do emprego, e de interesses e ideias que, hoje, se sentem ameaçadas pelo peronismo tradicional. “O verdadeiro conflito que existe não é com a fragmentada oposição, mas do cristinismo com os partidos peronistas, os governadores que não querem apoiar a continuidade eterna dela no poder”, observou.
Se eleita hoje, Cristina estará no terceiro mandato consecutivo, contando com a gestão do marido, que assumiu o governo em maio de 2003, e foi sucedido pela esposa, em dezembro de 2007. Nos bastidores da política, alguns cristinistas já estariam articulando uma reforma constitucional para permitir a reeleição dela em 2015.