A admissão de culpa pelo disparo que derrubou um Boeing 737 em Teerã criou uma onda de protestos contra o regime teocrático do Irã. Para Mohamed Marandi, professor da Universidade de Teerã, os protestos podem ter repercussões profundas sobre os aiatolás, porque a população está insatisfeita com a crise econômica. A seguir, trechos da conversa de Marandi com o jornal O Estado de S. Paulo.

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Por que os protestos se intensificaram agora?

Porque há alguns anos a população está irritada com o regime, em razão das dificuldades econômicas. Por causa do caldeirão social formado pela economia em frangalhos e uma juventude sem emprego e sem perspectiva, o acidente pode ter repercussões profundas. Dias antes da tragédia, o Irã demonstrou um nível de unidade e apoio popular, quando milhões de pessoas encheram as ruas para participar de cortejos fúnebres em homenagem a (Qassim) Suleimani. As manifestações pareciam indicar que, diante de ameaças militares externas, iranianos de diferentes grupos econômicos e políticos têm a capacidade de se unir e deixar as diferenças de lado. Mas a queda do avião e os efeitos da morte de dezenas de iranianos por um erro militar podem levar ao ressurgimento dessas divisões, tornando-as ainda mais profundas.

Qual o papel da crise econômica na política do Irã?

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A grave situação econômica é um fardo para a maioria dos iranianos. Há dez anos, quando a economia ia bem, o regime não via tanta resistência. Agora, a situação é diferente. Muitos entendem que o governo desperdiçou a chance que teve com o acordo nuclear de impulsionar a economia. Em novembro, o aumento no preço dos combustíveis provocou grandes manifestações que resultaram em confrontos e a morte de 300 pessoas.

As novas sanções dos EUA podem piorar a crise?

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Não há mais nada para os americanos sancionarem. As novas sanções são apenas uma repetição das antigas. As sanções prejudicaram a economia. Mas agora, depois de um ano e meio, a economia iraniana começa a crescer novamente. E essa guerra econômica desumana que os americanos impuseram às mulheres e crianças iranianas não terá êxito. O Irã ainda tem muitos aliados, China e Rússia, principalmente. E o Irã ainda está cumprindo a parte mais importante do acordo nuclear, o acesso da Agência Internacional de Energia Atômica ao programa nuclear do Irã. Portanto, a China pode ignorar os EUA, não se curvar à pressão americana e continuar importando petróleo do Irã, para que os EUA saibam que não podem intimidar um país independente.

Quais os riscos destes protestos para o regime do Irã?

Os protestos serão absorvidos pela teocracia e não chegarão nem perto das últimas manifestações, em 2009, após uma eleição contestada, quando 72 pessoas morreram. Mas o governo terá de lidar com a insatisfação popular por um longo período, ainda mais em função da crise econômica. Este é um momento de fraqueza para (o aiatolá Ali) Khamenei, que não apenas perdeu seu principal estrategista, mas pela oportunidade dada aos opositores do regime de atacar sua credibilidade. A onda de manifestações e o clima de luto serão determinantes para medir a unidade dos iranianos e a intensidade dos pedidos pela saída do aiatolá. Mas é preciso ficar claro que, ao mesmo tempo em que estão com raiva de Khamenei, os iranianos também odeiam os EUA e a presença americana no Oriente Médio. E a imposição de novas sanções econômicas só faz este sentimento piorar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.