Esses velhos-novos professores

Um professor que tenha se aposentado há 10 anos, que há muito não entra numa sala de aula, dificilmente se sentirá à vontade em frente aos alunos e às inovações do século XXI. Mesmo em colégios públicos, o ábaco, a "decoreba" dos atlas e enciclopédias, as cartilhas ideológicas e as punições deram espaço à internet, à interpretação e à discussão do mundo. Mas e os docentes e as próprias instituições, será que acompanharam as mudanças que o mundo impõe à escola tradicional?

A reportagem de O Estado entrevistou especialistas e professores em busca do perfil do educador dos novos tempos, e constatou que, enquanto alguns ainda parecem tatear em busca do que fazer com alunos irrequietos e computadores velozes, outros, como o professor Julio Cezar Winkler, estão bem à vontade. Além de ensinar Geografia no Colégio Anjo da Guarda, em Curitiba, para alunos de 5.ª série, Julio trabalha em uma empresa que desenvolve conteúdo de internet para escolas. "Não dá mais para obrigar os alunos a decorar assuntos que eles encontram facilmente em algum site de busca", diz.

O resultado de pedagogia antiga e opressora, relata o professor, são crianças desinteressadas e sobre as quais dificilmente o professor terá controle. "Os alunos às vezes têm mais informação do que o professor. Hoje é preciso estabelecer linhas críticas e com a realidade das crianças", diz. Para isso, Julio utiliza muito o computador, instrumento que considera lúdico. "Com um atlas interativo, por exemplo, o aluno aprende brincando, além de possibilitar a simulação de experiências em sala até então impossíveis".

Outro aspecto dos novos tempos na sala de aula, é a grande quantidade de informação que os alunos detém. "Semana passada eu falava sobre a revolução industrial inglesa e uma aluna levantou a mão e disse: ?eu já morei e estudei lá?. Ela me ajudou com exemplos e aspectos do tema sobre os quais nunca tinha ouvido falar". Se antes a sociedade considerava os jovens sacos vazios a serem preenchidos, hoje eles são co-autores da aula.

A velha Geografia

"Praticado assim pelo bordão da rotina, o ensino da Geografia é inútil, embrutecedor. Nulo como meio de cultura, incapaz mesmo de atuar duradouramente na memória, não faz senão oprimir, cansar e estupidificar a infância, em vez de esclarecê-la e educá-la." A citação acima é do livro Metodologia do ensino primário, do educador Afro do Amaral Fontoura e foi feita por Rui Barbosa em 1881, ao comentar o ensino da Geografia pelos métodos tradicionais de então.

O autor do livro, publicado em 1955, completa que "infelizmente até hoje ainda existem centenas de escolas que reduzem o ensino da Geografia a uma lista infindável de nomes de cidades, montanhas, rios, cabos e golfos, para a criança decorar!". Passados 50 anos, o pedagogo Luca Rischbieter acredita que, apesar de muitos avanços e bons exemplos nas escolas do País, o caso de Julio ainda é exceção. Para ele, o professor brasileiro, no que diz respeito ao comportamento e métodos, vive ainda no tempo de Rui Barbosa.

"O professor enfrenta diversos dilemas: perdeu o status e respeito que tinha na sociedade, perdeu o salário digno e tem cada vez mais dificuldade em fazer com que seus alunos fiquem quietos prestando atenção", aponta. Além disso, acredita que antes mesmos dos professores partirem para outro modelo de educação, é necessário que as próprias instituições o façam.

Julio conta que, na nova Geografia, é preciso falar de questões ambientais e do impacto do homem no meio, numa linha crítica, mas mesmo assim nem todos os aspectos das aulas clássicas estão esquecidos.

Clientes

Segundo Rischbieter, outro novo aspecto próprio das escolas particulares, é o "aluno-cliente". "Vendo dessa forma, fica difícil mesmo para o professor cobrar das crianças, já que ele acaba virando um prestador de serviços. Sei de gente que parou de dar aula por ser rígido no sentido de querer que o aluno aprenda", relata. Julio conta que já passou por esse tipo de situação, mas que procura estabelecer uma relação de cumplicidade com seus alunos, que impeça esse tipo de visão por eles. "Tem que haver respeito. O comportamento não pode atrapalhar no andamento da aula", explica. Já o pedagogo acredita que mesmo que algumas instituições se dêem bem com esse modelo, não se pode deixar o "clientelismo" passar por cima do aprendizado.

Realidade da escola pública também mudou

Nas escolas públicas, a realidade mudou para os professores, principalmente os mais antigos, ainda mais levando-se em conta que precisam lidar com limitações orçamentárias. Mas, segundo os professores ouvidos pela reportagem, muitos desafios são os mesmos nas instituições públicas e privadas. "Quando o professor da rede municipal não acompanha as evoluções, não é por falta de condições, mas sim por ser resistente mesmo", conta a professora Everly Marques Canto, responsável pelo Projeto Memória Docente da Secretaria de Educação Municipal de Curitiba, que vai contar a história dos 40 anos de educadores do órgão.

"Sou do tempo do quadro negro e giz, mas desde o início buscávamos aplicar novos conceitos que fizessem com que a criança evoluísse aprendendo", diz Everly, que é professora há mais de 30 anos. Mesmo com as inovações hoje terem atingido um status de importância, ela vê com ressalvas o papel que o professor desempenha nas mudanças. "O docente já foi visto como uma autoridade máxima, até para inauguração de rua a gente era convidado. Até o traje e o comportamento eram mais adequados. Usávamos tailleur para dar aula", lembra.

A professora Neiva Terezinha Piacentini de Andrade, que há 35 anos leciona Português para os alunos do Colégio Rio Branco, acredita que para o professor ?clássico? era mais fácil, quando ele só precisava "despejar o conteúdo". "Muitos colegas sentem extrema dificuldade em lidar e compreender como a tecnologia pode auxiliar uma aula. Eu sempre procurei renovar meus conhecimentos, e na verdade não vejo muita diferença em como um bom professor deve atuar. A maior mudança, para mim, diz respeito aos alunos."

Ela explica que mesmo os pais não colaboram para a mudança de realidade na escola. "Eles acham que é mais importante encher o quadro negro de matéria do que dar tempo para o aluno refletir."

Dentro da sala

Neiva, apesar de acreditar em mudanças positivas nessa relação, acredita que a escola está estagnada. "Quando evoluiu, foi de uma maneira equivocada. Veja o caso do sistema de ciclos, por exemplo. Se o aluno não reprova e não é cobrado, perde o respeito pelo professor, já que deduz que não precisa mais dele."

A diretora do Departamento de Educação Fundamental da Secretaria Municipal da Educação, Nara Salamunes, diz que não existe um modelo único de professor a se seguir. "Muitos acompanham as mudanças, outros precisam correr atrás. Mas o fato é que uma aula moderna não quer dizer computador, e sim, conteúdo moderno. Por vezes uma conversa esclarecedora é muito mais adequada do que horas em frente à internet", aponta. Para ela, as crianças hoje já nascem interagindo. "O bom professor hoje é aquele que entende como o aluno aprende, estabelecendo relações, refletindo sobre as informações, provocando a formação."

E o dinheiro?

Para o pedagogo Luca Rischbieter, se os professores não fossem tão mal pagos, a adaptação não seria tão difícil. "O magistrado não ensina nada sobre a realidade atual. Então o educador tem que ir atrás por conta própria, e não ter dinheiro é um grande fator de desmotivação". Para a professora Neiva, o fator salário faz com que o professor tenha que se desdobrar para completar a renda, muitas vezes barrando seu aperfeiçoamento.

Para a diretora da Secretaria, a escola não fica alheia às mudanças pelas quais passam a sociedade, mas, para os adultos, é preciso estar disposto para mudar. "E por isso os professores precisam estar motivados. E para isso eles precisam ganhar bem para que tenha não só oportunidade de se reciclar, mas também de viajar, conhecer outras realidades e ter acesso à tecnologia." (DD)

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo