Ter braços torneados e fortes, tórax definido, ombros largos e a famosa barriga ?tanquinho?. Essas são algumas características físicas desejadas por muitos homens. Esse pacote inclui ainda a aprovação social e paz com o espelho. O problema é que, para ficarem sarados, alguns extrapolam o limite do próprio corpo, fazendo exercícios prolongados por horas. Outros ainda usam produtos químicos, como anabolizantes, para tentar acelerar o processo. O que esses homens ainda não perceberam é que eles estão sofrendo de um transtorno chamado vigorexia.
O problema, também conhecido como overtraining ou transtorno dismórfico muscular, está relacionado a outros distúrbios alimentares, como a anorexia nervosa. A diferença é que, enquanto o anoréxico quer estar cada vez mais magro, quem tem vigorexia busca mais massa muscular. ?Mas nos dois casos essas pessoas têm uma imagem distorcida de si mesmos e nunca estão contentes com o resultado de dietas e exercícios?, explica a psicóloga e professora de Educação Física Beatriz Lilian Dorigo, especializada em Psicologia do Esporte e Psicologia Clínica das faculdades Tuiuti e Uniandrade, de Curitiba. Segundo ela, a vigorexia é um problema que sempre existiu, mas que agora vem aumentando pela facilidade da aquisição dos produtos químicos e até mesmo pela influência da mídia. ?A mídia propicia isso, pois vende o culto ao corpo. Eles querem ficar bem, e acabam se espelhando nos outros, pois o rapaz fraquinho e esguio não faz sucesso com as mulheres?, comenta.
A vigorexia é muito mais comum nos homens que nas mulheres – atinge principalmente os que estão na fase da adolescência, entre 15 a 18 anos, e pode ocorrer até os 30 anos. De acordo com o professor de Psiquiatria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Roberto Ratzke, as mulheres buscam a magreza e os homens se preocupam com a forma muscular, por isso lideram os casos. Ratzke acrescenta que o distúrbio está intimamente ligado à baixa auto-estima e à vontade de ser aceito socialmente. A vigorexia geralmente vem acompanhada da depressão, o que, associado à ingestão de produtos químicos, pode aumentar o risco de suicídio.
Perigos
Foto: Aliocha Mauricio |
Ratzke: mulheres buscam magreza e homens, forma muscular. |
O uso indevido de anabolizantes para acelerar o processo e conseguir um aspecto de ?bombado? só potencializa o problema. Esses produtos – que são medicamentos à base de hormônio masculino (testosterona) com as características anabólicas (crescimento) e adrogênicas (caracteres sexuais masculino), tem indicação no tratamento de algumas doenças. Porém, quando usados indevidamente acarretam diversos problemas à saúde. Roberto Ratzke destaca que os principais são a diminuição do tamanho do pênis e testículos, câncer de fígado, tumores, retenção de líquidos, complicações cardíacas, distúrbios hormonais, psicoses, irritabilidade e agressividade. ?Hoje eu tenho um paciente internado com psicoses por causa dos anabolizantes. Mas já acompanhei um caso em que o jovem injetava testosterona de cavalo para conseguir hipertrofia muscular?, cita.
Já a psicóloga Beatriz Dorigo lembra que tratou um paciente de apenas 21 anos que acabou falecendo em função de câncer na próstata. Segundo ela, os pais sabiam que ele usava anabolizantes, mas como ele ficava grande, achavam que tudo era normal. A falta de informação dos pais também dificulta o diagnóstico, aponta a psicóloga. ?Eles acham que como os filhos vão para a academia são saudáveis, porém não sabem identificar o saudável do exagero?, fala. Ela comenta que fazer uma atividade física diariamente por cerca de uma hora é saudável, mas se isso ultrapassa duas a três horas é preciso ficar atento. ?Se o jovem começa a se preocupar muito com a aparência física, se olha muito no espelho, fica conferindo as medidas com freqüência, passa mais de três horas na academia e deixa de fazer outras atividades para malhar, é preciso ficar alerta, pois podem ser sinais do distúrbio?, alerta.
Orientação profissional ajuda a evitar os excessos
Foto: Chuniti Kawamura |
Severo: vício pela malhação também provoca problemas físicos. |
A atividade física para melhorar a qualidade de vida e manter a saúde é sempre indicada. Porém a saúde não combina com excesso. ?Tudo o que é em excesso não é normal?, alerta o gestor do Conselho Regional de Educação Física (CREF-9) do Paraná, André Leonardo Severo. Segundo ele, o vício pela malhação também pode provocar problemas físicos. Os ossos, tendões, músculos e articulações são os mais afetados. ?O compulsivo costuma pegar mais peso que seu corpo suporta. É preciso salientar que cada indivíduo tem seu limite?, pondera.
O papel do profissional de Educação Física nesses casos é muito importante, ressalta Severo, pois cabe a ele orientar o aluno das formas mais indicadas de exercício, assim como alertar sobre os riscos. ?Na academia, os professores devem orientar os alunos quanto ao peso ideal dos aparelhos e a quantidade necessária para cada tipo físico?, diz. E também é ele quem pode ajudar na identificação do distúrbio. Quando isso acontece, o ideal é indicar a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra para iniciar um tratamento.