O juiz espanhol Baltasar Garzón foi condenado nesta quinta-feira por abuso das suas funções em uma investigação sobre corrupção nas administrações públicas de Madri e Valência e recebeu uma sentença de suspensão e afastamento da sua carreira jurídica pelos próximos 11 anos, o que representou a queda em desgraça da figura mais famosa do mundo jurídico espanhol. Em uma sentença de 70 páginas, da qual não é possível apelar, a Suprema Corte da Espanha praticamente sepultou o futuro profissional do homem que levou aos tribunais o ditador chileno Augusto Pinochet e os repressores da ditadura militar argentina (1976-1983).
O governo espanhol, atualmente sob o comando do Partido Popular (PP), de centro-direita, evitou fazer uma avaliação sobre o veredicto dado a Garzón e afirmou ter o máximo respeito pelo judiciário. “Se trata do cumprimento do Estado de Direito”, disse o ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón.
Garzón, de 56 anos, foi culpado pelo delito de prevaricação – ditar uma resolução injusta – por seu envolvimento no caso “Gürtel”, que trouxe à tona uma trama de corrupção nas administrações públicas municipais de Madri e Valência, então governadas pelo Partido Popular.
Em 2009, Garzón ordenou o grampo telefônico das chamadas de funcionários públicos que estavam presos e dos advogados dos acusados na prisão. A legislação espanhola permite que sejam feitos grampos telefônicos em casos de terrorismo, mas é vaga a respeito de gravações de chamadas telefônicas envolvendo outros tipos de delitos.
A sentença dos sete magistrados que julgaram Garzón considerou que sua decisão foi “injusta” ao “restringir arbitrariamente” o direito de defesa dos acusados de corrupção, que estavam encarcerados quando os grampos foram feitos.
Segundo a Suprema Corte espanhola, esse tipo de grampo telefônico “só se encontra nos regimes totalitários em que tudo é considerado válido para obter a informação que interessa, ou que se supõe interessar ao Estado, prescindindo das garantias mínimas para os cidadãos”.
A acusação pedia que Garzón fosse suspenso por 17 anos. Mas a Suprema Corte deixou a sentença em 11 anos. Além do caso “Gürtel” Garzón é julgado em outro suposto caso de prevaricação e aguarda a sentença. Nesse outro caso, um grupo da ultradireita espanhola, o Manos Limpias, acusou o juiz de subverter a Lei da Anistia de 1977, ao ter aberto uma investigação judicial sobre os desaparecimentos de republicanos durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39) e durante a longa ditadura de Francisco Franco, que durou até 1975. Garzón afirma que 114 mil espanhóis desapareceram durante esse período, vítimas da ditadura. Também nesse caso Garzón é acusado de prevaricação e pode receber outra sentença de suspensão, em um máximo de 20 anos.
A sentença dada hoje bane Garzón do sistema judiciário espanhol por 11 anos. Após cumprir a pena, ele poderá pedir a reintegração à Audiência Nacional da Espanha.
Durante os 22 anos em que esteve à frente do Juizado de Instrução número 5 da Audiência, Garzón perseguiu o narcotráfico, o grupo separatista basco ETA (Pátria Basca e Liberdade) e os Grupos Antiterroristas de Libertação (GAL), uma força paramilitar de esquerda criada pelo ex-premiê socialista Felipe González para combater a ETA entre 1982 e 1996.
Garzón também investigou as violações contra os direitos humanos cometidas durante a ditadura de Pinochet no Chile (1973-1990) e a ditadura militar argentina (1976-1983), o que ajudou o juiz a alcançar uma fama mundial, sobretudo na América Latina. Enquanto o número de seus admiradores crescia ao redor da Europa e das Américas, Garzón via seus inimigos se multiplicarem na Espanha, principalmente entre a direita, mas também entre os bascos e setores da extrema-esquerda, que ele atacou ao perseguir o GAL.
“É fato conhecido que setores muito amplos da direita e também da esquerda na Espanha consideram Garzón um homem condenado, um juiz injusto; ele é considerado um juiz estrela, que sempre gosta de aparecer”, disse Gonzalo Martínez-Fresneda, advogado defensor de Garzón no processo sobre o franquismo.
Após ter sido suspenso em 2010, Garzón trabalhou vários meses em Haia como ajudante da promotoria do Tribunal Penal Internacional (TPI), comandado pelo argentino Luiz Moreno-Ocampo. Atualmente, Garzón trabalha como assessor da missão de apoio ao processo de paz na Colômbia, conduzido pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
As informações são da Associated Press.