A eleição parlamentar de hoje em Portugal não definirá apenas a nova correlação de forças entre socialistas e social-democratas, ela será também definitiva para a afirmação da própria identidade portuguesa em relação à vizinha Espanha e ao restante da Europa. O líder nas pesquisas, o atual premiê socialista, José Sócrates, de 52 anos, defende a integração cada vez maior entre Portugal e o restante do continente, especialmente com os espanhóis.
Uma de suas principais bandeiras de campanha é estender até o território português a circulação de um moderno sistema ferroviário conhecido como Alta Velocidade Espanhola (AVE), que cobriria a distância entre Madri e Porto, no litoral norte de Portugal, em menos de 3 horas. Para que os portugueses possam viajar a mais de 300 quilômetros por hora nestes modernos vagões, o governo teria de desembolsar mais de 9 bilhões em obras de infraestrutura – um investimento gigantesco para a economia mais pobre da Europa Ocidental.
Mas o projeto ameaça emperrar, caso a vencedora nas urnas seja a principal rival de Sócrates, a social-democrata Manuela Ferreira Leite, de 68 anos. Conhecida como a dama de ferro portuguesa por sua sisudez e austeridade, ela acusa o governo de querer transformar Portugal “numa província espanhola”. Para Manuela, as obras do AVE provocariam um “endividamento insuportável” e reforçariam a percepção cada vez mais comum na Europa de que Portugal só avança a reboque do desenvolvimento da Espanha – um complexo difícil de ser superado por um país que, no passado, colonizou terras na América, na Ásia e na África.
A Espanha é hoje o primeiro destino das exportações portuguesas e supera com folga a soma dos dois segundos colocados, Alemanha e França. “Muitos portugueses têm um forte desejo de integração com a Europa, mas, ao mesmo tempo, rechaçam a ideia de aumentar a integração com seu vizinho imediato, a Espanha”, disse ao Estado Marina Costa Lobo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “Alguns políticos se aproveitam disso e constroem um discurso populista sobre a relação entre Portugal e Espanha, mas sabem que esta integração é boa para ambos os países.”
O Partido Socialista, de Sócrates, reúne 38% de intenções de voto. O Partido Social-Democrata, de Manuela, vem logo em seguida, com 30%. Para prevenir-se das dificuldades de uma maioria apertada no Parlamento, os socialistas estudam propor aliança ao terceiro colocado nas pesquisas, o Bloco de Esquerda (11% das intenções de voto), formado por partidos comunistas menores, de correntes marxistas e trotskistas, ou à Coligação Democrática Unitária (CDU), composta pelo Partido Verde e o tradicional Partido Comunista Português.