Com a saída de cena do presidente do Egito, Hosni Mubarak, de 82 anos, os Estados Unidos e Israel perdem um dos seus mais ferrenhos aliados no Oriente Médio e na África. Mubarak, que sucedeu a Anwar el-Sadat em 1981, logo após o líder ter sido assassinado por integristas islâmicos infiltrados no exército, apoiou o tratado de paz firmado entre Egito e Israel em 1979, sob o patrocínio do então presidente norte-americano Jimmy Carter.
Mubarak governou o Egito com mão-de-ferro, lançando ondas sistemáticas de repressão contra a Irmandade Muçulmana, grupo fundamentalista que reúne milhares de adeptos no Egito e tem ramificações na Faixa de Gaza, com o Hamas, e com um grupo menos radical na Jordânia. O Egito tem 80 milhões de habitantes. Sua política influencia não só o mundo árabe (a sede da Liga Árabe é no Cairo), como também a África. Só Nigéria e Etiópia, no continente africano, são países com populações tão grandes e influências regionais de vulto. A África do Sul tem hegemonia na parte austral do continente.
Vice de Sadat, Mubarak estava ao lado do presidente egípcio em 6 de outubro de 1981, minutos antes de um soldado islamita esvaziar o pente da sua metralhadora no palco onde estavam as autoridades durante um desfile militar. Mubarak escapou e virou presidente. Ele assumiu formalmente o cargo em 14 de outubro, com o país e o mundo árabe ainda em choque após a morte de Sadat.
Nascido em 1928, Mubarak estudou na Academia Militar Egípcia, montada pelos britânicos no Cairo – uma das poucas chances de carreira para egípcios pobres na época, seguindo os passos de outros colegas nacionalistas, como Gamal Abdel Nasser e o próprio Anwar el-Sadat. Um dos primeiros pilotos do país, Mubarak entrou para a recém-formada Força Aérea Egípcia em 1949, logo após o trauma árabe da independência de Israel e da guerra de 1947-1948.
Mubarak virou instrutor na Academia da Força Aérea nos anos 1950, e mais tarde, quando o Egito entrou para a órbita da União Soviética, recebeu treinamento para pilotar caças Ilyushin e o bombardeiro Tupolev 16 em Bishkek, hoje na república do Quirguistão, que na época fazia parte da URSS. Uma matéria recente da ABC News indicou que parte da fortuna da família Mubarak começou a ser formada naquela época, quando como comandante da Força Aérea, ele era intermediário de contratos vantajosos com fornecedores de peças e armamentos para aviões militares. A ABC estimou a fortuna da família entre US$ 40 bilhões e US$ 70 bilhões.
A escalada de Mubarak para o círculo restrito de poder no Egito ocorreu em 1975, quando seu ex-colega de armas Sadat, então presidente, o nomeou seu vice. Mubarak teve um papel importante em implementar as políticas de Sadat, que após a derrota de 1973 para Israel na guerra do Yom Kippur eram de afastamento do Estado judaico e da União Soviética, ao mesmo tempo que o Egito se aproximava dos Estados Unidos.
O momento de Mubarak chegou em 6 de outubro de 1981, quando ele escapou do ataque dos oficiais islamitas descontentes com o acordo de paz com Israel. Nomeado presidente pelo partido único do país, o Nacional Democrático, Mubarak passou a governar com uma política que externamente foi pautada pela paz com Israel, respeitada escrupulosamente; pelo auxílio crescente que o Egito recebeu dos EUA (só a ajuda militar é de US$ 2 bilhões por ano) e por um papel de liderança também no cenário africano, onde o Egito tem certa influência sobre o que acontece no Sudão, na Líbia, na Eritreia e em outros países do leste do continente.
A política interna no regime de Mubarak foi marcada por fortes subsídios ao trigo (40% dos egípcios ganham menos de US$ 2 por dia), cereal que forma a alimentação básica da população, e por uma forte repressão política, tanto contra partidos laicos quanto contra a Irmandade Muçulmana. Milhares de pessoas foram presas, torturadas e mortas pelo Estado nas últimas décadas. Nas eleições, o Partido Nacional Democrático sempre vencia. Apenas no sufrágio de 2005 a Irmandade Muçulmana ameaçou uma vitória, conquistando 20% das 508 cadeiras do Parlamento. Logo depois, o grupo foi considerado ilegal e caiu na clandestinidade.
Mubarak governava com um pequeno grupo leal de empresários, militares e familiares, como seu filho Gamal, marcado para sucedê-lo. O ditador sobreviveu a seis tentativas de assassinato. A mais grave aconteceu em 1995, quando ele visitava Adis-Abeba, capital da Etiópia, onde assistiria a uma reunião de cúpula da União Africana (UA). Ele foi salvo quando o serviço secreto egípcio trocou o carro onde o presidente iria do aeroporto à sede da UA. O carro onde a Jihad Islâmica Egípcia pensava que estava Mubarak foi totalmente destruído por um disparo de foguete. Quando voltou ao Cairo, Mubarak ordenou a detenção de mais de 15 mil islamitas.
Na década de 2000, Mubarak foi um sólido aliado das políticas de George W. Bush. Ele apoiou a invasão do Iraque em 2003, que derrubou seu ex-colega nacionalista árabe Saddam Hussein (morto em 2006); ordenou várias vezes o fechamento da fronteira do Egito com a Faixa de Gaza, após o Hamas tomar o controle do território palestino em 2007; e sugeriu, em um telegrama diplomático vazado recentemente pelo site WikiLeaks, que os EUA ou Israel bombardeassem o Irã, antes que o país construísse sua bomba atômica. Com sua fortuna, o ditador poderá partir para um exílio confortável, ou morrer na terra do Nilo, como manifestou no seu discurso da noite de ontem.