Os exames que avaliam a qualidade do ensino revelam uma realidade caótica. O último deles, feito em 2003 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), mostrou que praticamente a metade dos estudantes do ensino básico estão entre o estágio crítico e muito crítico, no que diz respeito ao domínio do pensamento matemático e da língua portuguesa. Mas o que pode estar por trás de tanta dificuldade de aprendizagem? Vários profissionais da área de educação apontam possíveis causas e saídas para o problema.
A professora, Vera Baena, com 20 anos de atuação na rede estadual dando aula para alunos da 5.ª série até o ensino médio, não esconde a frustração com a baixa qualidade do ensino e afirma que o seu sentimento é partilhado por vários professores. As notas dão uma dimensão do problema. Há turmas com 35 alunos e apenas 15 conseguiram ficar acima da média neste início de ano. Para a professora uma das causas desta situação é a falta de participação dos pais. ?Eles estão perdidos e não sabem como cobrar que os filhos estudem?, comenta.
Desenvolver o gosto pela leitura sempre foi uma das metas da educação. Mas Vera comenta que a escola não consegue sem a colaboração dos pais. ?Eles levam para casa toda semana um livro escolhido por eles. Muitos nem abrem e os pais nem tomam conhecimento da situação?, ilustra. Segundo ela, falta cobrança, exemplo e incentivo.
Segundo Vera, a falta de acompanhamento da vida escolar dos filhos normalmente é justificada pela falta de tempo, devido ao trabalho. Outro problema são os lares desestruturados. ?Muitos casais se separaram e esquecem que deixaram apenas de ser marido e mulher. Mas continuam sendo pais e mães?, exemplifica.
Para a professora, seria importante que houvesse uma ?escolinha? de pais. ?Eles seriam orientados a saber como agir para cobrar o estudo dos filhos. Parece que muitos nem conhecem como é a fase da adolescência. Agem como se toda criança de 12 anos tivesse autonomia para estudar?, fala. A professora revela também que muitos preferem evitar o conflito já que passam pouco tempo juntos. ?Mas os pais não sabem que não tomar nenhuma atitude?, afirma.
A psicopedagoga do Colégio Dom Bosco, Angela Cristina Candeo, comenta que o processo de aprendizagem depende da relação direta entre o aluno, escola e a família. Para ela, a criança reflete no colégio a realidade que vive em casa. ?Pais que valorizam a leitura incentivam os filhos a se tornarem leitores?, exemplifica.
Angela também destaca a importância de se criar um hábito de estudo. ?A aprendizagem inicia na sala de aula, mas tem continuidade em casa?, ressalta. Explica que a criança precisa ter um ambiente adequado para rever o que aprendeu na escola. ?Pode ser em qualquer lugar da casa, mas não pode ter barulho de televisão, rádio ou algo que tire a atenção?, destaca.
Angela também concorda que alguns pais têm dificuldade em impor limites aos filhos. ?Mas as crianças e adolescentes precisam disto. É o que dá estabilidade a eles?, explica. No entanto, lembra que além da cobrança os jovens também precisam de incentivo.
A psicopedagoga reconhece ainda que os pais trabalham muito e o tempo para dar atenção aos filhos é escasso. ?Mas o importante é a qualidade do tempo que passam juntos?, fala. Para incentivar os pais a participarem mais da vida escolar, o Colégio realiza, entre outras atividades, o Dia da Família. Profissionais de diversas áreas abordam temas relacionados ao assunto.
Temas devem ser abordados corretamente
O diretor do Colégio e Faculdades Martinus, o psicopedagogo Marcos Meir, comenta que o problema também pode estar relacionado à forma como o conhecimento tem sido abordado nas escolas. Segundo ele, a leitura e a escrita precisam ter uma função prática na vida da criança. ?Precisa ter um significado?, comenta.
Para ele, os alunos também devem ter liberdade na hora de escolher o que ler. ?Harry Potter traz uma linguagem pobre, mas pode ser o início do desenvolvimento do gosto pela leitura?, fala. Explica que os professores não devem deixar de lado os clássicos, mas também devem perguntar aos alunos que livros teriam interesse em estudar. Neste ponto, Marcos também comenta a importância do incentivo dos pais. ?Os pais precisam ler em casa, comentar e mostrar empolgação?, fala.
Outro problema levantado por ele é a forma como a interdisciplinaridade de conteúdos foi abordada em algumas escolas. Em alguns casos, o professor queria fazer a relação entre as áreas do conhecimento e acabava forçando a barra. Ele lembra uma situação-problema criada por um professor, citada em um livro sobre o assunto: ?Jesus Cristo foi à feira e comprou três ovos de dinossauros…? O psicopedagogo comenta que a situação pretendia envolver a religião, história, geografia e o cálculo matemático, mas estava totalmente descontextualizada.
Outro erro muito comum é a educação bancária. O professor vai depositando os conteúdos e depois de certo tempo espera o rendimento. ?Eles devem fazer questionamentos e incentivar os alunos a irem atrás das respostas?, fala.
A psicóloga e assessora pedagógica do Colégio Marista Santa Maria, Daniele Barriquelo, reforça a idéia de Meir. Segundo ela, quando os conteúdos têm algum significado prático, a aprendizagem ocorre de forma mais intensa. ?Por trás de uma dificuldade existe, talvez, uma falha do como se ensina?, fala.
Daniele também reforça a importância do incentivo dos pais. ?Discutir os fatos que aconteceram na escola, por exemplo, ajuda muito. A escola é como se fosse o trabalho das crianças e tem uma importância muito grande, como o trabalho tem no mundo dos adultos?.
A psicóloga também fala que a escola deve encontrar uma forma de fazer com que os pais participem mais da vida escolar. O Santa Maria promove o ?Escola Aberta? onde eles vivenciam situações de aprendizagem com os filhos. (EW)
Falta de investimentos
A chefe do departamento de Ensino Fundamental da Secretaria Estadual de Educação (SEED), Fátima Yokohama, explica que a baixa qualidade do ensino é resultado da falta de investimentos na formação continuada dos professores nos últimos anos. Os dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica feito pelo Inep, em 2003, revelaram que, 49,1% dos alunos estavam num estágio crítico e muito crítico em relação à língua portuguesa. Em matemática a situação era um pouco melhor, 45%.
Para atender os alunos que estão com mais dificuldades a SEED criou no ano passado nas escolas que apresentam mais problemas as salas de apoio. Elas funcionam no contraturno do aluno. ?Mas não queremos que a medida tenha continuidade. Estamos trabalhando para melhorar a qualidade do ensino?, observa Fátima. Segundo ela, a SEED está discutindo as diretrizes curriculares e a proposta pedagógica do estado. Os secretários municipais de educação já participaram de oficinas para ficar por dentro da nova política educacional e conhecer a realidade que precisam enfrentar. ?Não adianta só construir escolas e dar acesso a educação. É preciso oferecer uma escola de qualidade?, destaca.
Fátima também explica que o Estado está investindo na qualificação dos docentes através de cursos e distribuição de materiais de apoio. Além disso, as bibliotecas vão ser revitalizadas. Para Fátima, o professor sozinho não pode ser responsabilizado pelo déficit de aprendizagem. O processo exige também um envolvimento dos pais. Para concretizar esta aproximação, os diretores de escolas participaram de oficinas sobre o assunto. Mas, além da aproximação dos pais, Fátima enfoca, principalmente, a necessidade da implantação de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade. (EW)
Professores atualizados
A coordenadora do Centro Interdisciplinar de Formação Continuada de Professores do Departamento de Teoria e Prática de Ensino do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ettiene Guérios, também aponta a falta de investimentos em capacitação continuada como responsável pela crise no ensino. ?Hoje a evolução é rápida. As crianças recebem muita informação e as suas expectativas são outras. Exigem professores atualizados?, fala.
Segundo ela, até agora a capacitação acontecia de forma pontual, não havia uma política governamental. Mas a situação está mudando. No ano passado, o governo federal estruturou uma rede nacional envolvendo 19 centros de capacitação e cada um deve produzir material pedagógico relacionado a assuntos específicos. No Paraná, o centro está instalado na UFPR e a instituição está elaborando material sobre a avaliação da aprendizagem e gestão. Segundo ela, em quatro anos espera-se capacitar 400 mil professores em todo o país.
Mas além da falta de formação continuada, a professora elenca ainda a condição social dos docentes como um problema. ?É uma classe que trabalha muito e ganha pouco. Trabalham em média 60 horas por semana?, fala. Segundo ela, falta tempo para a atualização, os professores não conseguem comprar com facilidade um livro, nem participar de congressos. Todos esses fatores atrapalham a qualidade do ensino.
A professora também vê problemas na formação acadêmica dos professores. Os que atuam de 1.ª a 4.ª séries não têm conhecimentos sobre o desenvolvimento dos alunos no próximo nível de ensino e o mesmo acontece com os professores de 5.ª a 8.ª séries que não sabem como é o trabalho realizado na fase anterior.