O resultado das prévias nas eleições da Argentina, nas quais o presidente Mauricio Macri foi derrotado, provocou um complexo impasse para o candidato peronista Alberto Fernández, líder nas pesquisas. “Se Fernández diz que não há nenhuma continuidade, que tudo é ruptura, começa a gerar um nível de instabilidade que vai esperá-lo no fim do caminho”, analisou o historiador e jornalista Carlos Pagni, considerado na Argentina um analista de linha conservadora, em uma palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, ele traçou suas expectativas para a Argentina e o continente.
Para a América Latina, o que um eventual governo de centro-esquerda na Argentina, com Alberto Fernández, representa?
Fernández tentará alinhar-se provavelmente com o México e algum outro governo de centro-esquerda para constituir uma versão progressista que não seja ligada ao PT, ao (presidente da Venezuela, Nicolás) Maduro. Ele vai explorar esse caminho à medida que suas necessidades de financiamento permitam. Na Espanha, ele é (Pedro) Sánchez (primeiro-ministro espanhol, socialista) e não Podemos. E na América Latina não é bolivariano. Se aproxima de López Obrador e de outros partidos progressistas, como (o de Tabaré Vazquez, presidente do) Uruguai. Ele já disse isso.
Qual é o principal problema econômico da Argentina?
Quando Fernández diz “vamos impulsionar o crescimento pela via consumo”, sendo que 90% das coisas que se consomem na Argentina são compradas em dólares, não sei de onde ele vai tirar (mais) dólares. Este é o problema central para a economia argentina: seu problema de balança comercial e, no fundo, a deficiência da conta corrente. Macri nunca entendeu isso, e não sei se Fernández entendeu. Os diagnósticos de Macri e de Fernández são muito parecidos.
O que os diferencia?
Macri acredita que os países melhoram quando há comércio internacional e, na abertura comercial, qualquer custo é pouco para o benefício que traz. Fernández, a cada vez que fala de integração comercial, integração com a Europa e abertura comercial nas relações com o Brasil, é sempre de uma perspectiva muito preventiva. Fernández está ligado a setores protecionistas. O empresariado argentino festeja a derrota de Macri por causa da abertura que ele vinha ameaçando fazer. Macri fechou um acordo com a União Europeia, e depois disse que vinha costurando acordo com Brasil e EUA. Boa parte do setor industrial, que precisa de proteção, vê isso como uma ameaça enorme. Estão felizes com Fernández.
As declarações do presidente Jair Bolsonaro tiveram influência no clima político na Argentina?
Bolsonaro – em um momento em que Macri, por razões econômicas, não podia dizer “Fernández é Venezuela” – achou que dizer isso, ele mesmo, ajudava. É como se o papel de fazer a caracterização hiper negativa da chapa Fernández-Cristina fosse terceirizado para Bolsonaro e a outros dirigentes internacionais.
Como uma eleição de Fernández se refletiria no acordo entre Mercosul e União Europeia?
Precisamos ver o que se passa na Europa em relação ao acordo Mercosul-UE. Já temos problemas na Áustria, na França, na Irlanda. Mas suponhamos que os europeus aprovem o acordo com o Mercosul. Eu acredito que o Brasil está disposto e pode fazê-lo legalmente e institucionalmente. Então implementamos no Brasil e não implementamos na Argentina. Fernández está cercado de empresários que precisam de muita proteção. Creio que ele tem ideias mais liberais do que pode confessar. Mas se os que te sustentam e, mais do que isso, se os que te financiaram são prejudicados por essa ideia, é muito difícil colocá-la em prática. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.