Tomar um gole de Águila Light, a reverenciada e insossa cerveja servida no Catatumbo, região cocaleira na fronteira colombiana com a Venezuela, tornou-se mais perigoso desde o fim das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ficou também mais caro. São efeitos da luta entre as guerrilhas remanescentes para assumir um negócio tão ou mais cobiçado que o narcotráfico: a cobrança de “imposto” sobre a venda de cerveja.

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A guerra aberta entre dois bandos armados que cobiçam o mercado abandonado pelas Farc leva hoje terror a quase 300 mil moradores, obrigados a ficar em casa durante os chamados “paros armados” impostos pelos combatentes. Nestes períodos, os habitantes são proibidos de sair de casa, o comércio fecha, as escolas também. Ver em bares os jogos de ligas europeias, hábito comum na região, já que poucas casas têm TV a cabo, é impossível.

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O pior e mais recente toque de recolher ocorreu em março, quando o Exército Popular de Libertação (EPL) ordenou uma paralisação de 8 dias. Houve pelo menos 6 mortes. O EPL quer tirar do negócio o Exército de Libertação Nacional (ELN), hoje o principal grupo armado do país, herdeiro natural do espólio das Farc.

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Sobre cada caixa com 16 garrafas de 600 ml, o ELN cobra 10 mil pesos colombianos (R$ 13) das duas grandes distribuidoras da região. Os guerrilheiros rivais querem pelo menos dividir os frutos da extorsão, afirma Richard Claro, promotor de Tibú, cidade de 46 mil habitantes, uma das principais do Catatumbo. “O imposto sobre a cerveja começou a ser cobrado pelas Farc e passou naturalmente ao ELN. Hoje, é um negócio mais cobiçado que a coca. Isso porque a guerrilha não precisa ir de fazenda em fazenda para coletar sua parte”, diz Claro, em entrevista na varanda de sua casa em Tibú, onde há quatro anos vive com escolta.

No período em que este mercado esteve sob domínio das Farc, não havia disputa de território. A violência aumentou quando a maior guerrilha do continente abandonou as armas, no ano passado.

Enquanto não consegue sua parcela no negócio, o EPL considera alvo militar os caminhões que levam cerveja a Tibú. O produto provém da maior cidade da região, Cúcuta, a 117 quilômetros ou três horas de viagem em uma precária estrada asfaltada, vigiada por tanques do Exército.

O abastecimento da bebida na região é inconstante há três meses. Com a cerveja mais escassa, o preço disparou. Uma garrafa que em Cúcuta é vendida por 3,5 mil pesos colombiano (R$ 4,5) custa 6 mil (R$ 7,80) em Tibú.

“Toda cerveja que circula no Catatumbo paga o ‘imposto'”, reforça o padre Victor Hugo Peña, que comanda a Pastoral das Vítimas da guerrilha no Catatumbo. Ele é um dos maiores conhecedores do conflito na região, dominada desde 1972 por diferentes grupos armados. Segundo ele, entre os 46 mil habitantes de Tibú estão registradas 18.764 vítimas dos grupos armados. Entre os crimes mais comuns praticados nas últimas décadas estão assassinatos, estupros, sequestros, extorsões e desapropriações.

O mecanismo de exploração da cerveja repete o aplicado sobre a produção da folha da coca, transformada na região em cocaína. A guerrilha cobra porcentuais sobre a produção da droga, escoada facilmente para a Venezuela. Segundo Peña, os combatentes não produzem a coca, mas se beneficiam da taxação sobre ela. “Eles deixam passar coca para a Venezuela, de onde vêm as armas.” O estímulo à produção da coca é feito por traficantes que adiantam até 10 milhões de pesos (US$ 3,5 mil) aos agricultores, que depois “pagam” o empréstimo em folhas de coca.

Apenas em Tibú, há 17 “trochas”, nome dado a caminhos abertos na mata, pelos quais entra e sai qualquer coisa. Da Venezuela para a Colômbia passam imigrantes, armas (principalmente fuzis americanos AR-15) e gasolina. O combustível, que o chavismo na prática distribui grátis a seus cidadãos, entra na Colômbia em caminhões, ou mesmo em motos nas quais mal se vê o piloto, rodeado por galões de gasolina amarrados entre si por cordas.

“Quem domina certo território, cobra o imposto sobre armas, gado, medicamentos e até o fruto da palma (transformado em óleo na Colômbia). Essa guerra é por terreno, não por atividade econômica”, afirma Peña, que não se viu afetado pela disparada no preço da cerveja. E não porque só consuma vinho. “Bebo só uísque, e de vez em quando.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.