Em favor da leitura e da educação

O estado lastimável da leitura no Brasil exige urgência e precisão no combate à ignorância imposta e auto-imposta. Uma das armas para o sucesso nessa luta é a leitura, sabemos todos. Não se trata apenas da leitura literária, como espíritos menos informados e até preconceituosos costumam supor ou alegar. Como pode alguém supor que o conhecimento, a compreensão dos fatos da vida, o auto-conhecimento podem provir apenas de um esforço pessoal ou de algumas idéias prontas introjetadas em nossa consciência? Todo estudo significativo é por natureza complexo, trabalhoso, demorado e exige persistência. Lançar olhos turísticos sobre papéis e textos, reservar os minutos antes da avaliação para tentar colocar na memória alguns macetes, considerar leitura uma perda de tempo e uma chatice, contentar-se com as informações condensadas e descomplicadas, enfim, mil e uma atitudes de fuga ou auto-ilusórias que não conseguem ocultar por muito tempo a natural ignorância.

Brasileiros bons de dribles e fintas naufragam no desempenho escolar. Quando as disputas por melhores cargos e salários se apóiam em QIs espúrios e condenáveis, em lugar de basear-se em efetivo conhecimento, o resultado não demora a aparecer nas manchetes e denúncias do jornalismo investigativo. Entre as diferentes crises do Brasil, a sociedade insiste em desconsiderar a crise do sistema escolar, superada pela corrupção no uso dos recursos da merenda, pela mudança nominal dos fundos de subvenção escolar, pelos propagandísticos números de aprovação automática, pela disputa de egos institucionais movidos a resultados do Enade ou de vestibulares virtuais, em alunos disputados em leilões de melhores ofertas e brindes.

São tantos os problemas contextuais a dificultar o trabalho produtivo na formação do leitor que somente o esforço coletivo de todos os cidadãos, independentemente de sua relação estreita com a escola, poderá trazer alguma solução.

A imprensa tem noticiado iniciativas louváveis de estímulo à leitura de parte de algumas poucas escolas e empresas, preservando no tempo cotidiano um intervalo para a alimentação do espírito: são interrompidos os habituais afazeres pedagógicos e didáticos por um curto período (de 15, 30, 40 minutos) para que todos leiam, o que quiserem e como quiserem. Diretores, coordenadores, serventes, porteiros, seguranças, professores, estudantes, merendeiros e cozinheiros, todos no exercício do olhar e do cérebro, batalhando com letras e imagens. Perde-se a produção? Não! Ganha-se cidadania : o direito ao lazer para adquirir instrumentos de resistência ao pensamento único.

Em artigo para a Folha de São Paulo, em 26 de março passado, Gilberto Dimenstein desafia a reflexão de cada brasileiro medianamente interessado no futuro do país: ?Se você acha que educação custa caro, tente calcular o preço da ignorância?. E exemplifica as conseqüências do descaso com a perda de jovens superdotados, com o desperdício de vidas por conta da violência, com a morte prematura de um possível futuro mais justo e digno.

A desvalorização do estudo e da escola nos arremessa de volta à barbárie. A apatia social, evidenciada pela sensação de que nada mais vale a pena, de que nada pode ser mudado para melhor, é resultado de uma conjugação de fatores de diferente ordem: moral, ética, familiar, econômica, de baixos índices de auto-estima. Nesse tecido de causas, um dos fios mais densos em vias de romper-se é a educação. Excetuando-se as exceções raríssimas de sempre, a rotina, essa imensa teia pegajosa e resistente, apanhou em sua armadilha as crianças e jovens do Brasil. No sinal vermelho da evasão escolar e do abandono em razão do vácuo de sentido experimentado pela multidão de jovens brasileiros desesperançados, pode-se constatar a queda vertiginosa dos níveis de confiança no sistema de educação do país.

Enquanto educar em sua etimologia recupera o sentido de ?conduzir para fora? de si, o verbo estudar traz de sua origem o sentido de ?aplicar-se a, ter gosto ou zelo?. Na escola de hoje, a aplicação, o gosto e o cuidado referem-se a objetos e aprendizagens que estão por toda a parte, menos no setor do conhecimento. Há o que Lima Duarte, em entrevista, qualificou de ?glamorização da ignorância?.

A indisciplina, os baixos índices de aproveitamento, o jogo da mediocridade envolvendo conteúdos, práticas pedagógicas e relação professor-aluno , a pesquisa-copiada-e-colada-diretamente-da-internet, o analfabetismo funcional, o desdém por diplomas e o silêncio conivente ante a ignorância tornam a escola refém do atraso.

Nenhuma etimologia salva o estudo (do latim studium, que significa ?trabalho, cuidado, zelo, empenho?). Estudar hoje não dá trabalho, isto é, não existe. Estudante hoje é canção antiga, bar, documento de identidade. Temos alunos. Melhor ainda, temos seres confinados e conformados. À espera do pássaro da liberdade, nascida do conhecimento, mas que escolheu montes inatingíveis para se abrigar.

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