Em encíclica, papa defende economia pautada pela ética

Na terceira encíclica de seu papado, Bento XVI defendeu hoje uma nova ordem financeira internacional pautada pela ética e pela dignidade e guiada pela busca pelo bem comum. Na encíclica, intitulada “Caridade na Verdade”, o pontífice denunciou a mentalidade de lucro a qualquer custo da economia globalizada e lamentou que a ganância tenha provocado a pior crise econômica internacional desde a Grande Depressão. “O lucro é útil quando serve de meio para um fim”, escreveu ele. “Quando o lucro se torna o único objetivo, quando é gerado por meios impróprios, sem ter o bem comum como principal fim, corre-se o risco de destruir a riqueza e criar a pobreza.”

O documento de 144 páginas vem à tona um dia antes de os líderes do Grupo dos Oito (G-8, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) se reunirem em L’Aquila para coordenar os esforços a fim de lidar com a crise global. A encíclica tem o claro objetivo de dar aos líderes mundiais uma forte obrigação moral de corrigir erros do passado, “que produziram tal destruição na economia real”, e criar uma ordem financeira mundial mais socialmente justa e responsável. “A economia precisa de ética para que funcione corretamente, não qualquer ética, mas a ética na qual as pessoas sejam o centro”, escreveu o pontífice, de 82 anos.

O papa, nascido na Alemanha, tem falado frequentemente sobre o impacto da crise sobre os pobres, particularmente na África, que ele visitou no início deste ano. Mas a encíclica, que é um dos principais documentos emitidos por um papa, marca um novo nível de educação da igreja, ao ligar a doutrina do Vaticano de cuidar dos pobres com eventos atuais.

Embora reconheça que a economia globalizada “retirou bilhões de pessoas da miséria”, Bento XVI acusou o crescimento desordenado dos últimos anos como o causador desses problemas sem precedentes, citando os fluxos de migração em massa, degradação ambiental e a completa perda de confiança no mercado mundial. Ele pediu aos países mais ricos que aumentem a ajuda para auxiliar os países pobres a eliminar a fome no mundo, dizendo que a paz e a segurança dependem disso.

O papa também especificou que a ajuda deveria ser direcionada para o desenvolvimento da agricultura e para a melhoria da infraestrutura, sistemas de irrigação, transporte e o compartilhamento de tecnologia agrícola. Ao mesmo tempo, ele exigiu que os países industrializados reduzam seu consumo de energia, para que haja um melhor cuidado com o meio ambiente e para permitir que os mais pobres tenham acesso às fontes de energia.

Uso eficiente

“Um dos grandes desafios que a economia enfrenta é conquistar o uso mais eficiente – não o abuso – das fontes naturais, baseadas na conscientização de que a noção de ‘eficiência’ não é desprovida de valor”, escreveu ele. Ele disse que a aposta no trabalho terceirizado e barato colocou em risco os direitos dos trabalhadores. O papa exigiu ainda que os trabalhadores possam se organizar em sindicatos para proteger seus direitos e garantir empregos decentes.

Bento XVI pediu uma nova ordem financeira mundial total – “uma nova forma de entender os negócios” – que respeite a dignidade dos trabalhadores e olhe para o bem comum ao priorizar a ética e a responsabilidade social em vez dos retornos em dividendos.

Kirk Hanson, professor de ética empresarial na Universidade de Santa Clara, disse que a encíclica deve iniciar o debate sobre capitalismo e justiça social. “Quando um grupo de bispos católicos norte-americanos divulgou um comunicado similar durante o governo Reagan, o documento deu início a um debate nacional sobre a justiça de nosso sistema capitalista”, disse Hanson, que presidiu as audiências que levaram ao comunicado dos bispos. Bento XVI destacou que não se opõe à economia globalizada, dizendo que se ela for feita corretamente, tem um potencial sem precedentes de redistribuir a riqueza em todo o mundo.

Mas ele advertiu que, se for dirigida erroneamente e se os problemas não forem resolvidos, a globalização pode aumentar a pobreza e desigualdade e dar início ao tipo de crise pela qual passamos atualmente. O papa já havia escrito duas encíclicas em seus quatro anos de pontificado: “Deus é Amor”, em 2006, e “Salvo pela Esperança”, em 2007.

Finanças do Vaticano

O foco do documento nas finanças globais levantou questões sobre a condição financeira do próprio Vaticano. Nos anos 1980, o Vaticano foi implicado no colapso do Banco Ambrosiano, do qual o banco do Vaticano era um dos maiores acionistas. O Vaticano concordou em pagar US$ 250 milhões aos credores do Ambrosiano, mas negou ter cometido qualquer delito.

Em outubro, quando a crise ficou mais intensa, um representante do banco do Vaticano, disse que os depósitos do banco estavam seguros e que a instituição não tinha problemas de liquidez, afirmando que o banco não havia aplicado em derivativos – os instrumentos financeiros acusados por grande parte da crise.

Outros funcionários disseram que 80% dos investimentos do Vaticano são feitos em títulos de governo de baixa rentabilidade e 20% são em ações. O Vaticano também não investe em empresas que produzem armas ou contraceptivos. Em seu comunicado anual sobre suas finanças, divulgado no sábado, o Vaticano informou que teve déficit em 2008 pelo segundo ano consecutivo, com perdas de 900 mil euros (US$ 1,28 bilhão), comparados com déficit de 9,06 milhões de euros um ano antes.

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