No Brasil há dois esportes, o futebol e os outros. Não há como negar a supremacia que a prática deste esporte tem em relação às outras modalidades. Pode até ser que os ?atletas? pratiquem outros esportes diferentes do futebol, mas muitos deles são unidos em torno de algo em comum, o futebol.
A tamanha supremacia é um dos fatores que pode explicar o que temos visto nestes tempos por todos os cantos. Há, não só da mídia, uma formatação e uma massificação absoluta em torno do tema. Gente que nunca colocou uma camisa verde e amarela com duas ou três penduradas no guarda-roupa para serem usadas no dia dos jogos da Copa. Escolas já se preparam para suspender as aulas e o assunto é um só, quem vai ganhar?
Tanto alarde, tanta fumaça e muito dinheiro envolvido.
Se ele tem, por parte da mídia e do comércio, tanta matéria-prima a ser explorada, é por conta de haver na outra ponta um consumidor ávido para degustar o produto. Somos todos tomados por nacionalismo utópico e por catarse coletiva, o que torna quase impossível não ser envolvido pelo meio.
É uma relação de co-dependência: a mídia alimenta o craque do momento, o comércio cria produtos para consumo e juntos, constroem e destroem qual quer um. E nós, acatamos, mesmo sem muitos critérios para nos posicionar diante de fato, as revelações.
Sempre haverá alguns a dizerem: futebol-arte era aquele do meu tempo. Tinha fulano que passeava com a bola, tinha sicrano que dançava com a redondinha e, é claro, tinha beltrano que fazia com ela o que bem queria. Para esse grupo, futebol era o de antigamente. Não havia a violência que há hoje, tampouco o marketing em torno como há hoje, e talvez, o jogador da seleção brasileira fosse realmente um grande jogador de futebol. Saudosismos à parte, o que teria mudado então?
Não dá pra generalizar, tampouco quantificar o que houve e se ontem era melhor ou pior que hoje, mas uma coisa é certa, nós precisamos, enquanto comunidades afeto-virtuais (todos os comungam do mesmo pão, ou bola), pontuarmos o que estamos fazendo com esta prática esportiva (ou explorativa), sob o risco de mais tarde não termos mais futebol pra apreciar, mas uma luta incomensurável de poderes: mercadológicos, coorporativos, etc., etc., etc.
Fumaça e cheiro de putrefação já emanam desses ambientes e nos mostram o que estamos pretendendo para o amanhã. Recentemente no Brasil ficou muito claro como são tratados os profissionais envolvidos neste esporte. Depois de errar na marcação de regras durante uma partida de futebol, 3 juízes foram, segundo palavras textuais dos legisladores, ?colocados na geladeira para descansar um pouquinho e …? . Também é possível perceber, nos anúncios de televisão, uma pseudo-rivalidade alimentada, ou construída pelas mídias para o consumo das comunidades afeto-virtuais. Brasil e Argentina são, para eles, inimigos eternos. É como se não tivéssemos nenhum pouco de civilidade para fazermos parte de uma competição honesta ou saudável. Só podemos brigar, trapacear, ludibriar e falcatruar perante o adversário (chamado sempre de inimigo) para vencê-lo. Assim, em quase todas as peças publicitárias veiculadas há sempre alguém usando da pilantragem para levar vantagem no resultado final da partida. Pilantragem é a palavra que já não aceitamos mais. Não dá mais, chega!
Quando alguém precisa mudar constantemente as traves do lugar para que a bola do ?inimigo? não adentre e a minha sim, o que isto nos ensina? Quando alguém precisa vestir o ?inimigo? com o uniforme do opositor para provocá-lo, do que isso nos faz lembrar? Quando fazemos de tudo para ridicularizar o outro e jamais reconhecemos o seu valor, não é esquisito demais?
Será que somos bons em tudo, perfeitos em tudo e capazes de tudo? E se o Brasil perder a Copa do Mundo de 2006? Será culpa dos jogadores que não são bons? Será culpa do técnico que é ruim? Será culpa da falta de dinheiro para investimentos? Será culpa da falta de tempo para treinamento? Qual será a discussão posterior?
É neste espaço de tempo que eu gostaria de me situar. Quando Daiane dos Santos perdeu a medalha de ouro nas Olimpíadas houve quem desqualificasse, por completo, o trabalho da atleta. Quando Popó perdeu uma luta, idem. A partir do momento que Guga deixou de vencer torneios mundiais e despencou das listas de melhores do mundo, deixamos de pensar nele, de admirá-lo e ele sumiu da televisão. As crianças, que deixavam seus cabelos crescerem para parecer o ídolo hoje sequer o conhecem mais como antes. Resultado: será que o profissionalismo de um atleta só pode ser medido pelo número de vitórias e primeiros lugares que ele conquista?
Se a resposta for afirmativa, pergunto – E por que continuamos repetindo que o importante é competir? Então somos hipócritas? Somos movidos por um desejo de vitória que precisa ser alimentado, e assim, seguimos matando uns quase-mitos e criando outros. Triste fim. Triste constatação! É muito preocupante tal comportamento porque acabaremos, por certo, retirando do futebol estas percepções e as adequando, sem perceber, em nossas vidas. E assim, aos poucos, colocaremos nossos filhos, nossas esposas, nossos maridos e nossos pais também na geladeira só porque eles falharam. E também, nossos entes só serão prósperos quando o topo for o lugar onde eles estiverem, caso contrário, não os aceitaremos. O problema é que há um só lugar no topo e quem não o conseguir, terá que viver todas as dores de não ter sido nada, porque ser algo é ser apenas o primeiro lugar, na visão destes. O resto não importa.
Precisamos repensar a situação para quando a seleção voltar da Alemanha. Caso na bagagem venha uma enorme taça de ouro, nossos sonhos renascerão e seremos felizes e não teremos problemas. Mas, se não vier? Não terá valido nada o trabalho?