Do nada permitido ao tudo liberado

Quando Pietro, um adolescente de 16 anos, quis ir para a praia com amigos, seus pais, Vera Lúcia da Silva e Pedro José da Silva Neto, perguntaram se algum adulto os acompanharia. "Ele disse que não. Então o proibimos de ir", conta a mãe. "Por mais que ele protestasse, ao mesmo tempo que dissemos não, procuramos fazer com que ele entendesse nossa decisão, principalmente baseada nos riscos que essa viagem pode oferecer", acrescenta o pai. Para a psicóloga Paula Inês Cunha Gomide, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esse tipo de atitude dos pais está cada vez mais raro. "Não saber impor limites aos filhos é o grande mal da educação hoje. E isso deixa os pais confusos", explica.

Autora do livro Pais Presentes, Pais Ausentes: Regras e Limites (Editora Vozes), a psicóloga conta que os padrões na educação mudaram a partir dos anos 50s, através da revolução sexual e nos costumes. "Foi do extremo de não se poder fazer nada para o poder fazer tudo", afirma. Para Paula, o ideal é fazer como Pedro e Vera: impor os limites, de maneira clara, mas ao mesmo tempo posicionar a limitação na realidade da criança. "As regras devem ser claras e entendidas pelas crianças. Não adianta gritar e impor." Segundo a mãe, Pietro entendeu a decisão dos pais. "Procuramos ser o mais abertos possível com nossos filhos desde pequenos. Somos amigos, mas não perdemos a autoridade", diz.

Para a psicóloga, os pais devem ser fonte de informação e controle das crianças desde os primeiros anos de vida. "Nenhuma pessoa vai conseguir impor limites para os filhos quando estes chegarem à adolescência. Deve-se começar cedo". Uma grande dificuldade apontada pela especialista é que muitos pais têm receio de ser rígidos demais e acabam perdendo o controle. "O que acaba acontecendo é que, em vez de serem amigos, os pais acabam virando cúmplices. É preciso ser carinhoso, mas ao mesmo tempo seguro e firme", explica.

Pedro conta que sempre procura mostrar aos filhos as conseqüências envolvidas nos seus atos, mas que não dispensa um castigo mais severo caso acredite ser necessário. Para Paula, regras pesadas não são eficazes na educação das crianças. "Os castigos devem existir. Mas devem ser curtos e leves. A preocupação principal é que os filhos entendam o porquê daquilo. Assim eles vão desenvolver a noção de que para cada ação, há uma reação", explica. "Procuramos dosar as coisas, mas não cortamos a liberdade de nossos filhos.?

Drogas

A psicóloga alerta que ter pais ausentes é um dos maiores motivadores para o abuso de drogas na adolescência. "Esses jovens, que desde pequenos aprenderam que podem tudo, não vêem os riscos como perigosos", diz. "E além das drogas, claro, aparece junto uma infinidade de problemas. Paula explica que é muito difícil tomar as rédeas da educação dos filhos a essa altura. "Esses pais acreditam que podem negociar os limites e, na verdade, não podem", afirma. Tentando encontrar uma saída, muitas vezes não apenas as crianças precisam de tratamento terapêutico, mas os pais também. "Muita gente precisa aprender no consultório de um especialista como educar o filho", aponta.

Falta de limites dificulta vivência da criança

A psicóloga Paula Inês Cunha Gomide diz que muitas crianças determinam nas famílias o que se pode ou não fazer. "São elas que escolhem a hora de dormir, o que comer e o que ver na TV", exemplifica. E na hora que devem conviver em outros ambientes, lembra, é que os problemas começam. "Quando essa criança vai para a escola, uma instituição que tem limites, ela fica totalmente desorientada", conta. A psicóloga explica que, como está acostumada a ser o centro das atenções, a criança acaba se sentindo rejeitada. "Então começa a fazer de tudo para chamar a atenção. É desobediente e muitas vezes agressiva. Por isso é muito importante que ela veja claramente a diferença entra prazer e necessidade."

O doutor em didática pela Universidade de São Paulo (USP), Celso Vasconcellos, aponta que a reação a falta de limites das crianças está motivando um fenômeno perigoso, principalmente nas escolas. "Estamos vivendo uma forte onda neoconservadora." Ele vê nessa discussão o risco de enquadramento e não de superação. "Precisamos de valores, não no discurso, mas na vivência", defende. Vasconcellos, que dá palestras sobre o assunto, aponta que é preciso trabalhar tanto os limites quanto as possibilidades. "Não se pode querer que as crianças vivam através de valores antigos que não existem mais", enfatiza. Para ele, é necessário que as famílias e escolas criem um novo quadro de valores.

Para o educador, os adultos de modo geral estão desnorteados. "Muitos professores têm dúvidas sobre a profissão. É necessário que eles definam um sentido novo para a escola. Impor a educação de nossos avós não vai fazer das crianças pessoas melhores". Ele diz que mesmo a função da escola não é mais a mesma. "Acabou aquele mito da ascensão social e não se colocou nada no lugar. A escola hoje deve ser um lugar para a criança compreender o mundo, saber usufrui-lo e transformá-lo." Para isso, Vasconcellos defende uma separação entre família e escola. "São instâncias diferentes. A família deve mostrar os limites na esfera privada, e a escola, na esfera pública."

Valores

O sociólogo Rafael Ginane Bezerra explica que a idéia de limites está intrinsecamente ligada aos valores. "Uma das características do mundo moderno é que os valores são mutáveis", diz. Essa inconstância, para o estudioso, faz com que estabelecer limites seja uma tarefa extremamente difícil. "Coisas como religião, família e moral não são mais absolutas", aponta. Por isso, o que determina o que se pode ou não fazer deve estar calcado em outros apoios.

Para o sociólogo, o desafio é educar as crianças para conviver com a diferença e aceitar os valores dos outros. "Existem os limites impostos pela vida em sociedade, mas hoje muitos deles são individuais." Bezerra também acredita que movimentos reacionários, principalmente nas escolas, são perigosos. "Resgatar o passado é incompatível com o que deve ser a educação moderna", acredita. "Não dá mais para educar na base da palmatória", afirma. "Mesmo o papel social de quem é pai, filho e educador não são mais como numa sociedade tradicional." (DD)

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