De Marcelinho Carioca a Zidane: ?Foi o instinto?

As imagens ainda estão bem vivas em nossa memória. Nem tanto porque as vimos não faz dois meses, mas principalmente pelo inesperado e inusitado da cena. O craque do selecionado francês Zinedine Zidane, que fazia sua despedida dos campos de futebol naquela final de Copa do Mundo contra a Itália, atinge o zagueiro adversário com uma cabeçada e em seguida é expulso. Câmeras e leitura labial denunciam o conteúdo de baixaria que tirou do sério o gentleman e expõe ao público um lado pouco conhecido de sua personalidade.

Em maio de 2001, em jogo válido pelo campeonato brasileiro, Marcelinho Carioca, então defendendo o Corinthians – tal como agora -, não satisfeito de ter cometido um pênalti que o juiz não marcou contra o seu time, ainda chuta, propositadamente, o rosto do atleticano Fabiano que sangra e tem que levar pontos devido ao corte.

Os esportes, numa Olimpíada, por exemplo, nos oferecem lições de dedicação, força de vontade, superação de limites, de união e amizade, de idealismo e por aí afora. Porém, no caso específico de Marcelinho Carioca, o aspecto que desejamos ressaltar é outro. Com o lance, o árbitro justamente expulsou-o de campo e ele foi duramente criticado, inclusive pelo seu treinador, Wanderlei Luxemburgo. Um ou dois dias depois, pela televisão, Marcelinho que faz parte do grupo ?Atletas de Cristo? deu uma demonstração inequívoca de arrependimento e humildade ao admitir que errara, atingindo gravemente um companheiro de profissão, prejudicando a sua equipe devido à expulsão e a si mesmo pelos reflexos negativos à sua imagem em decorrência da repercussão do incidente na mídia.

Zidane também pediu desculpas pelo mau exemplo principalmente às crianças e, talvez porque suas razões tenham sido de ordem moral, disse não estar arrependido em relação ao italiano. Deixando de lado o incidente, a Fifa elegeu o francês como o melhor jogador da competição.

Mas o que mais nos chamou a atenção, no caso de Marcelinho, foram as suas palavras admitindo que na hora faltara-lhe mais controle emocional, que em vez de usar a razão, deixara-se levar pelo instinto. ?Mais uma vez?, disse ele, pois que de fato, já em outras ocasiões, o mesmo jogador protagonizara cenas de desrespeito, agressão verbal e mesmo física contra adversários, técnico, juiz e torcedores.

Eis o reconhecimento de um homem que se curva diante da incapacidade de dominar seus maus instintos. É comum este comportamento de agressividade em atletas, principalmente em esportes em que o contato físico constante favorece ao desentendimento. Conhecemos pessoalmente ou por depoimentos casos em que, fora do campo, são pessoas tranqüilas, controladas, ?gente boa?, como se diz. Porém, no calor de uma disputa, ainda que de caráter amistoso, ?numa pelada? entre amigos, transformam-se em verdadeiras feras.

É o efeito da adrenalina, mexendo com o humor, despertando e fazendo emergir do inconsciente os monstros da violência, da raiva, do desejo de destruição do homem primitivo e que estavam sufocados pelo verniz social. Instintos ainda não sublimados em virtudes conscientes, não lapidados para servirem utilmente ao homem do presente e do futuro. Alguns deles tiveram serventia há milhares de anos atrás, garantindo a sobrevivência e subsistência, a defesa de território, da prole, etc. Mas apesar de todo o avanço intelectual e tecnológico, a moralidade avançou pouco. Seguimos nos comportando de modo agressivo, egoísta nos caprichos, com sede de subjugação de nossos semelhantes, vistos sempre como rivais. Daí o quadro atual que presenciamos em sociedade. A brutalidade chocante dos crimes hediondos, a frieza cínica dos traficantes que enriquecem às custas das desgraças de famílias inteiras, a ganância mesquinha e desenfreada, o salto no abismo dos abusos sexuais e outros tantos.

O intercâmbio com os espíritos revela nas questões 907 e 908 de O livro dos espíritos que ?a paixão está no excesso provocado pela vontade, pois o princípio foi dado ao homem para o Bem e as paixões podem conduzi-lo a grandes coisas?. Grandes obras artísticas (Aleijadinho, Mozart), descobertas científicas (Santos Dumont, Galileu, Sabin), missões humanitárias (Gandhi, Madre Tereza) proezas esportivas (Para-Olimpíadas para deficientes, ginástica rítmica, a glória de um maratonista, etc). E continuam os Mentores: ?O abuso a que ele (o homem) se entrega é que causa o mal. As paixões são como um cavalo que é útil quando se governa e perigoso quando governa?.

O instinto a que se referiu Marcelinho e que ele diz vir tentando dominar é o princípio da inteligência e não é mau em si mesmo. O atleta poderia tê-lo usado e o faz com freqüência para ser útil à equipe. É o instinto laborado em talento que lhe permite cobrar faltas com perfeição, que lhe dá vontade, estimula-o às conquistas, a vibrar com a torcida e agradecer a Deus, como já o vimos fazer várias vezes, por um gol marcado. Mas, vez por outra, há as recaídas. Todos nós as temos. Faz parte do esforço empreendido em melhorar por quem se reconhece necessitado dela.

Os indiferentes e preguiçosos e os que se negam em olhar-se no espelho da alma para detectar os defeitos que precisam ser extirpados, seguem muito bem carregando as imperfeições, acomodados, acumpliciados, mas também esmagados por elas. E é porque falhamos que ainda estamos neste mundo de provas e expiações. Caso contrário, estaríamos em lugar melhor ou este lugar seria melhor e só haveria pessoas de bem. É por necessitarmos e só merecermos estar aqui que temos que aprender a nos tolerar mutuamente. Compreender e perdoar as fraquezas e erros alheios para que os outros também aceitem e desculpem as nossas.

Zidane afirmou que as ofensas do italiano atingiram-no muito mais intensamente do que uma bofetada no rosto. Como reagiríamos se estivéssemos em seu lugar? Mas seria melhor se tivesse se contido. Se Fabiano, ao ser atingido pela chuteira do adversário, tivesse revidado, poderia haver uma escalada de violência dentro de campo. Se nós devolvermos a agressão recebida, estaremos remontando aos nossos ancestrais das cavernas e adeus fraternidade!

Coluna da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Paraná – ADE-PR

www.adepr.com.br

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