O dalai-lama afirmou nesta terça-feira que renunciará ao posto de chefe do governo tibetano no exílio caso continuem os protestos violentos contra a presença chinesa em sua região natal, iniciados na semana passada. "A violência é contrária à natureza humana", afirmou ao religioso, depois de fazer um apelo pelo fim das demonstrações.
Horas antes de o dalai-lama dar essas declarações em Dharmsala, na Índia, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, o acusou de ser o responsável pelas manifestações que provocaram um número ainda desconhecidos de mortos na sexta-feira em Lhasa, capital do Tibete.
As autoridades tibetanas afirmaram hoje que cem pessoas que teriam participado das manifestações de sexta-feira já se entregaram à polícia. Não foi esclarecido se a rendição ocorreu antes ou depois do prazo de zero hora de hoje dado pelo governo chinês para os rebeldes se entregassem.
"Existem fatos e várias evidências que provam que esse incidente foi organizado, premeditado, concebido e incitado pela camarilha do dalai", declarou Wen em entrevista coletiva concedida depois do encerramento da reunião anual do Congresso Nacional do Povo.
O líder tibetano adotou um tom conciliador em relação à China. "Nós não devemos desenvolver sentimentos antichineses. Nós devemos viver lado a lado", disse. Ainda que renuncie à chefia do governo tibetano no exílio, o dalai-lama continuará a ser o líder espiritual dos tibetanos.
Ele é considerado a 14ª reencarnação do Buda da Compaixão, em uma linha sucessória que teve início no século 15. O próximo dalai-lama só será escolhido depois da sua morte e será uma nova reencarnação do mesmo buda.
Enquanto o dalai-lama apelava pelo fim dos protestos, o Centro Tibetano para Direitos Humanos e Democracia, sediado em Dharamsala, relatava a ocorrência de novas manifestações no Tibete e na província de Gansu.
Único encontro anual do primeiro-ministro com a imprensa, a entrevista de hoje surpreendeu pela abertura a temas considerados sensíveis pela China, entre os quais Tibete e violações de direitos humanos.
Cinco jornalistas – todos estrangeiros – questionaram Wen em relação aos confrontos no Tibete, que deixaram um número ainda incerto de mortos na sexta-feira. O governo chinês sustenta que houve 16 vítimas, enquanto os tibetanos no exílio falam em no mínimo 80.
Normalmente, o Ministério das Relações Exteriores telefona para alguns jornalistas e pede aos interessados em apresentar perguntas ao primeiro-ministro que enviem suas propostas para aprovação. O procedimento permite o controle dos temas que serão tratados e evita surpresas – além de passar uma falsa imagem de liberdade de imprensa. Na coletiva deste ano, não houve veto a temas, pelo que a Agência Estado apurou junto aos jornalistas que apresentaram perguntas.
Além do Tibete, outra jornalista estrangeira questionou Wen sobre o julgamento do dissidente Hu Jia, iniciado hoje, e visto como uma grave violação dos direitos humanos pela comunidade internacional.
O primeiro-ministro respondeu às perguntas durante duas horas e meia, ao lado de Li Keqiang, apontado como seu provável sucessor em 2013. Li será o número 1 entre os vice-primeiro-ministros.
Wen afirmou que o dalai-lama é hipócrita e refutou a acusação de que a China pratica "genocídio cultural" no Tibete. Segundo ele, os protestos da semana passada revelaram que a afirmação da "camarilha do dalai" de que busca diálogo pacífico, e não independência, não passa de "mentira".
O dalai-lama tem sustentado que não defende a independência do Tibete em relação à China, mas sim um maior grau de autonomia que garanta a sobrevivência das tradições culturais e religiosas dos tibetanos. Depois dos confrontos de sexta-feira, o dalai-lama também afirmou ser contrário ao boicote à Olimpíada de Pequim.
A China manterá sua oferta de manter diálogo com o governo tibetano no exílio desde que o dalai-lama abandone sua suposta pretensão de independência e reconheça que Taiwan – além do Tibete – é parte integrante do país.
Enquanto o primeiro-ministro parecia mais aberto ao questionamento da imprensa, a censura chinesa apertou o cerco aos sites na internet e bloqueou o acesso a vários deles.
O Youtube, que trouxe imagens dos confrontos do Tibete, saiu do ar no domingo e continuava bloqueado hoje. Como ocorre sempre, sites ligados a entidades de defesa de direitos humanos também não podiam ser abertos na China.