Curitiba dos anos trinta e quarenta. Dos homens de terno de linho irlandês. Bem amassado (fica mais fresco). Dos chapéus palheta.

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Das chuvas torrenciais de fevereiro.

Dos pequenos comerciantes.

Das ruas ?dos turcos?? que ficava entre a Praça Tiradentes e a Rua Riachuelo. Que aliás, não era só dos ?turcos??, mas também dos judeus, numa convivência fraternal.

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Uma das grandes lojas de armarinho ficava na Rua Marechal Floriano quase na Tiradentes. (Era onde a minha mãe me mandava comprar, quase todos os dias redinha para os cabelos!) Era de dois irmãos libaneses (ou armênios?) muito gordos e tranqüilos. Eram tão tranqüilos que quando sentavam na cadeira do dentista, adormeciam em seguida.

Era só o trabalho de passar a broca e fazer o que fosse necessário.

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Eram ?de outro planeta??.

O terminal de bondes ficava na Praça Tiradentes, mais ou menos no meio da praça. Ali havia um quiosque de um senhor que se chamava Samuel Paciornik. Ele vendia balas e refrescos.

Eu, com 18 anos, casada com o David. Grávida e encabulada. Ganho um pacotinho de balas e no momento em que nos afastamos ?seu?? Samuel não teve dúvidas, gritou bem alto para que todos escutassem: – Como é David, você fez menino ou menina?…

O susto foi tão grande que esqueci de oferecer as balas ao David.

Curitiba das compras em caderno.

A cidade daquele menino que ficou órfão de pai e que fez um pacto com o fornecedor: ?- O senhor continua fornecendo no caderno, para nós (três irmãos e a mãe). Quando eu crescer, pago tudo …?

Cresceu e pagou!

Ninguém mais atira pedras nos lampiões das ruas para poder namorar apenas à luz dos pirilampos.

Ninguém mais sai às ruas nas madrugadas para fazer serenatas.

Acabou o romantismo, ficou só a insatisfação.

Agora a maior preocupação é ser visto, ouvido e falado. Não importa como. Cometendo estrepolias. Fazendo algazarra nas ruas.

Vejam estou aqui. Eu existo!

Às vezes o barulho é tanto que não se consegue nem ?tirar uma modorna??. As janelas abertas, para que as asas da noite entrem, balançando as cortinas, como que acariciando o ambiente, trazem apenas o barulho das almas penadas? que não conseguem ficar a sós consigo mesmas.

Gostaria de ouvir o crepitar das ?chamas da purificação?? destas almas penadas e ver o seu renascer, como mosquitos. Que viessem cantar em meus ouvidos, para que eu pudesse esmagá-los com o chinelo contra a parede.

Ah! Aqueles tempos românticos das serenatas…

Saudade da ?minha?? Curitiba.

Saudade das retretas na Praça Osório, com o maestro Antonelo.

Saudade do ?café sentado??, com as suas cadeiras nas calçadas onde alguns tinham o seu ?escritório?? ali mesmo.

Saudade de mim mesma. Dos sonhos e esperanças.

Do desejo de ser feliz.

Dos bailes nos diretórios estudantis, que quase sempre acabavam em pancadaria, mas que eram muito animados…

Margarita Wasserman – Escritora e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.