O comunicado final da reunião de cúpula dos países da América do Sul e da África, que se realiza neste fim de semana na Ilha de Margarita, deve incluir o apoio ao presidente deposto de Honduras e um protesto contra a “agressão” à Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde Manuel Zelaya está abrigado desde segunda. Foi o que adiantou ontem o anfitrião da cúpula, o presidente Hugo Chávez. “Em todas as partes aonde formos, temos de rejeitar com muita força (a deposição de Zelaya) e a agressão ao Brasil, lançando gases tóxicos contra a embaixada”, disse Chávez a jornalistas brasileiros em referência a um suposto ataque contra a missão diplomática brasileira na sexta-feira. “Você se dá conta de até onde chega a loucura?” O comunicado será firmado hoje pelos governantes e representantes dos 65 países participantes, que devem realizar a próxima cúpula em 2011, na Líbia do coronel Muamar Kadafi.
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, também protestou contra as ações do governo de facto hondurenho contra a embaixada, que foi cercada pelas forças de segurança e teve o fornecimento de água, eletricidade e comida cortado em alguns momentos. “Nem durante a ditadura do (general Jorge) Videla na Argentina nem a do (general Augusto) Pinochet no Chile se viu um nível de agressão como o que há contra a Embaixada do Brasil”, disse ela.
Terceiro a discursar ontem, depois de Chávez e de Kadafi, Lula juntou-se aos outros líderes na retórica terceiro-mundista e anticapitalista que domina a reunião. “Demorou muito para que nos déssemos conta de que podemos criar mais oportunidades para nós do que os países ricos”, lamentou Lula. “Não há melhor resposta à crise que a integração.” Ele salientou que os países aqui reunidos representam a maioria nos organismos multilaterais, mas não conseguem fazer prevalecer sua vontade. O presidente brasileiro foi o coordenador da cúpula do lado sul-americano e Kadafi, do africano.
Lula disse que no encontro do G-20, do qual participou na sexta-feira em Pittsburg (EUA), ele, Cristina Kirchner e o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, insistiram que “a prioridade não deve ser salvar bancos quebrados, mas oferecer respostas aos milhões que perderam seus empregos”. E postulou: “A mão invisível do Estado deve ocupar o vazio especulativo deixado pela mão invisível do mercado.” O governo brasileiro distribuiu entre os chefes de Estado o livro América do Sul e África – Um Olhar Próprio, editado pela Fundação Alexandre Gusmão, com perfis dos países africanos e sul-americanos. Lula está acompanhado de seu assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurelio Garcia. O chanceler Celso Amorim cancelou sua participação e voou de Nova York para o Rio por causa da morte de sua sogra.
Kadafi, que completa 40 anos à frente do regime líbio, propôs a criação de uma “Organização do Tratado do Atlântico Sul”, em contraposição à Otan, a aliança do Atlântico Norte. O ditador líbio, que visita a América Latina pela primeira vez, sacou um mapa do mundo e argumentou que o Atlântico Norte está “integrado”, enquanto no Sul há um “vazio”. Ele deu conotação mais econômica que militar à aliança: “Temos de criar uma continuidade entre nós, fazer uma aliança para garantir ações históricas e estratégicas que redundem em benefícios turísticos, comunicação marítima e aérea, gasodutos e oleodutos.”
“Ninguém de fora é clemente conosco”, queixou-se o líder líbio, cujo regime se vem reabilitando perante o Ocidente, depois de décadas de isolamento. “Quando tiveram a possibilidade de nos ajudar, trataram-nos como animais, destruíram nossas terras”, continuou Kadafi. “Temos de lutar com nossas forças. O colonialismo roubou nossas riquezas, humilhou-nos e insultou-nos.”
“Somos escravos de cinco países do Conselho de Segurança”, observou Kadafi, referindo-se aos EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China, que têm poder de veto no organismo. A reforma do Conselho e a obtenção de um assento permanente nele é um dos objetivos do Brasil ao mobilizar blocos como esse. Sempre informal, Chávez propôs “desenhar uma agenda estratégica 2010-2020”, assumindo a tarefa para si. O presidente venezuelano queria reunir-se hoje com Lula, que, cansado de uma sequência de viagens, esquivou-se. O encontro ficou para meados de outubro. Lula, que firmaria ontem à noite o documento de criação do Banco do Sul, desejava voltar para o Brasil logo depois da assinatura do comunicado final da cúpula, na tarde de hoje.