Às vésperas das eleições, a Espanha vive um momento delicado em relação à independência da Catalunha. A questão é crucial para definir a votação do dia 10. Desde o início dos protestos em Barcelona – após a condenação de nove líderes separatistas por uma fracassada tentativa de secessão em 2017 – o primeiro-ministro socialista Pedro Sánchez tem adotado uma estratégia cautelosa.
Na semana passada, Sánchez fez uma aparição-relâmpago em Barcelona para visitar os policiais feridos em confrontos contra manifestantes. O tão esperado encontro com Quim Torra, presidente regional da Catalunha, não ocorreu.
Na quinta-feira, no entanto, Sánchez mudou o discurso e foi mais contundente. “Assistimos hoje ao fracasso do movimento independentista do ponto de vista político. A Catalunha não tem uma lei eleitoral própria e não possui maioria absoluta para modificá-la. Eles querem perpetuar a crise, mas somos mais persistentes. Radicais e violentos não transformarão Barcelona no palco da barbárie”, declarou o premiê.
O outro candidato da esquerda, Pablo Iglesias, do Partido Podemos, fez duras críticas à posição de Sánchez e disse acreditar que o Partido Socialista (PSOE) deve estar mais aberto a dialogar com os independentistas. Iglesias propôs um pacto entre a Catalunha e o governo espanhol e disse que é favorável a indultos para os nove condenados pelo Tribunal Supremo da Espanha. “A situação dos presos políticos não ajuda em nada a sairmos do conflito que foi instalado na região”, afirmou.
Em setembro, após um longo período de negociações, Sánchez e Iglesias não chegaram a um acordo para formar um governo e a Espanha foi obrigada a convocar a quarta eleição em quatro anos. Segundo analistas ouvidos pelo jornal O Estado de São Paulo, embora o PSOE lidere as pesquisas, a esquerda chega fragilizada às eleições.
“O problema do PSOE é que o partido não tem uma estratégia para o que está ocorrendo na Catalunha. Sánchez busca apenas um acordo de médio prazo com os independentistas e propõe um novo estatuto. Mas Iglesias quer dialogar, como já afirmou em várias oportunidades. Tal descompasso, somado ao fato de os dois partidos não terem conseguido chegar a um acordo para formar um governo, mostra que a esquerda está fragmentada e pouco coesa”, afirma o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Nacional de Madri, Jaime Pastor Verdú.
Enquanto a esquerda patina, a direita tenta se reestruturar para se apresentar com mais força. Depois de obter o pior desempenho desde a redemocratização da Espanha – a partir de novembro de 1975 -, elegendo apenas 66 deputados nas eleições de 28 de abril, o Partido Popular (PP), de Pablo Casado, optou por discursos mais duros contra a situação política na Catalunha.
Casado exigiu que Sánchez corte o diálogo com os separatistas e pediu que o governo acione a lei de segurança nacional para conter as violentas manifestações em Barcelona, que deixaram mais de 600 feridos. “Se Sánchez quer ter alguma credibilidade na sociedade espanhola e contar com o apoio do PP, precisa romper com a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e outros partidos independentistas”, disse o líder conservador.
Já o partido de extrema direita Vox, liderado por Santiago Abascal, foi ainda mais incisivo. Ele defendeu que Sánchez acione o estado de exceção para controlar os atos de violência em Barcelona. Abascal também quer que os líderes catalães tenham penas mais duras. “Torra não quis condenar a violência dos protestos e também deveria ser preso”, afirmou.
O discurso anti-independentista parece ter surtido efeito imediato. Segundo a última pesquisa da empresa Sigma Dos, uma das mais importantes da Espanha, publicada na quinta-feira pelo jornal El Mundo, o PP deve aumentar sua bancada de 66 para 94 deputados.
O Vox, que na votação de abril conquistou 24 cadeiras, poderia obter 44 no dia 10. O PSOE, de Sánchez, seguiria na liderança com 120 assentos, 3 a menos do que nas últimas eleições. Já o Podemos elegeria 42 deputados – 6 a menos.
O centrista Partido Ciudadanos, de Albert Rivera, seria o que mais perderia assentos, baixando de 57 para 16. Muito desta queda tem relação direta com o posicionamento pouco expressivo do partido sobre a questão da Catalunha, explica o professor de Ciências Políticas e Sociais da Universidade de Santiago de Compostela, Miguel Anxo Bastos.
“Os eleitores do Ciudadanos certamente transferiram seus votos para o PP ou para o Vox. Rivera, no início, preferiu usar a mesma estratégia de Sánchez, de ficar em cima do muro, e acabou perdendo a confiança do eleitor. Está claro que os espanhóis não votam somente pensando na Catalunha. Mas hoje a questão da independência tem um peso muito maior e reflete diretamente na decisão de cada um.”
Ainda segundo a pesquisa, a centro-direita (PP, Vox e Ciudadanos) estaria tecnicamente empatada com a centro-esquerda (PSOE, Podemos e Más País) na soma dos dois blocos mais importantes. Seriam, 159 votos para a esquerda e 154 para a direita. Para governar, é preciso ter 176 cadeiras de um total de 350.
O desempate está nas mãos dos 34% de eleitores que podem mudar de opinião. “É nítido que a direita avançou em razão da posição mais agressiva sobre a Catalunha. O Vox, por exemplo, pode ter um aumento expressivo no Congresso. O discurso extremista conseguiu persuadir muita gente”, diz Bastos.