Cozinhas viram áreas de lazer

Na Idade Média, as cozinhas chegavam a ter 26 cômodos e as posses de um homem eram medidas pela quantidade de chaminés em sua cozinha. Ao longo do século XX, com a proliferação dos prédios, o espaço foi reduzido e em 2002 a cozinha tinha, em média, oito metros quadrados.

Os hábitos mudaram, estamos em plena onda gourmet e o mercado imobiliário está se adaptando. As cozinhas estão integradas à sala e ganharam o status de área de lazer. Para o diretor de comunicação da Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário, Fernando Antônio Thá, dois fatores determinaram essa tendência: o crescimento
da violência nas cidades e a tecnologia dos novos utensílios domésticos.

?Não foram as construtoras que criaram a moda, foram os consumidores que passaram a valorizar a cozinha e a exigir mais espaço?, analisa. Na prática, as cozinhas estão aumentando, mas não os apartamentos. Dilema que os arquitetos precisam enfrentar na hora de projetar as casas. O jeito é ?roubar? espaço de outras peças.

?Os moradores querem um espaço de estar com cozinha ampla, mesa para refeição e home teather. Há uma opção clara pela área de convívio comum. Eles preferem que os quartos dos filhos sejam menores para que a gente coloque a churrasqueira na cozinha?, explica a arquiteta Mônica Thá.

Depois de 73 prédios, em 14 anos de profissão, ela estréia na nova tendência projetando um prédio onde os apartamentos terão dezoito metros quadrados de cozinha, 10% da área útil. Uma enormidade, se comparada ao padrões em 2002 revelados pela Universidade de São Paulo (veja matéria Casas foram "encolhendo").

Mais que moda, investir em cozinhas amplas que propiciam ao convívio social é um reflexo da mudança cultural. A opinião do diretor-comercial do grupo LN, Luiz Rodrigo Santos, é embasada na experiência diária com a venda de condomínios fechados e nos encontros mensais com os amigos.

?Meu pai era médico e recebia as pessoas na sala de casa para um whisky. Hoje eu convido para cozinhar?. Além do hábito de cozinhar para os amigos, em casa, Santos tem um clube gourmet que se reúne num restaurante no dia em que ele não abre para o público. Fazem comida, batem papo, experimentam vinhos, mas mulher não entra.

O clube e o espaço

O clube é restrito, bem diferente da proposta do espaço gourmet, normalmente democrático, instalado na área de lazer dos prédios e condomínios fechados.

?O espaço gourmet é uma cozinha aberta que também tem forno de pizza, churrasqueira e balcão para acomodar convidados. É própria para reunir bastante gente e é onde o dono da festa faz questão de mostrar suas habilidades?, explica a arquiteta Sabrina Slompo. Especializada em condomínios fechados ela conta que alguns empreendimentos entregam a área com enxoval: copos, pratos, faqueiros e até toalhas com o logotipo do prédio.

Espaço Prive

Cozinhas espaçosas com mais de 17 metros quadrados, com churrasqueira, integradas à sala, com mesa para mais de seis pessoas e preparação para instalar fogão ?em ilha?. Exatamente o sonho de um gourmet. Foi isso que fez dos prédios da Giacomazzi um sucesso de vendas.

?Quando entregamos o primeiro assim, em dezembro de 2004, não imaginava que faria tanto sucesso. Viramos especialistas a partir daí. Hoje tem até uma arquiteta só para projetar a cozinha dos apartamentos e personalizar de acordo com o sonho dos clientes?, explica Andrei Giacomazzi, sócio da construtora.

Casas foram "encolhendo"

O estudo divulgado em 2002 mostra que os apartamentos se compartimentaram, alguns cômodos sumiram – como a sala de costura – e outros surgiram, como os closets e banheiros privativos.

Nos anos 50, os ?trêsdormitórios? tinham 140 m2: quartos com 18,80 m2,; cozinhas com 10,44 m2 e salas com 36,78 m2. As medidas mudaram, nos anos 70, para 12,78 m2, 9,55 m2 e 19,68 m2, respectivamente; e a área caiu para 110 m2. Em 2002 o quarto tinha com 9,35 m2, a cozinha 8,10 m2 e a sala com 22,86 m2.

Fogão pode ficar na sala e embelezar o ambiente

?Não tenha medo de quebrar as paredes da sala e colocar o fogão ali?. A dica do decorador Lupércio Manoel e Souza é para quem pretende criar um espaço gourmet em casa. Ele projetou a cozinha gourmet da Casa Cor Paraná deste ano (só inaugura dia 19 de maio) e garante que a cozinha integrada à sala é o primeiro passo de quem está interessado em gastronomia como hobby.

O espaço é propício à presença de amigos e reuni-los semanalmente é hábito para o decorador. Na segunda feira o cardápio do jantar foi polenta cremosa (feita com catupiry e azeite de oliva) com molho tomate, salame hamburguês, cebola e champignon. Tudo feito na presença dos convidados.

?A idéia não é simplesmente fazer comida, mas cozinhar junto com os amigos. Assim, cozinhar vira uma terapia e um lazer?, explica Lupércio. Na casa dele, há quatro anos, as paredes da sala deram lugar ao fogão italiano. Depois disso vieram as panelas -de tamanhos e formas variadas – e os acessórios especiais, facas e pegadores, que sofisticam o trivial ato de cozinhar.

Canto personalizado

Mesmo aumentando os espaços das cozinhas os apartamentos não ganham todos os gourmets. Para os mais apaixonados pela arte de receber e cozinhar, a casa só tem valor pela cozinha e ela não pode ser impessoal, tampouco igual a outras. É um lugar único.

?A minha casa é a cozinha e algumas peças agregadas. A cozinha eu mesmo projetei, nos mínimos detalhes. O resto deixei para o arquiteto?, resume o somellier André Porto. Dos R$ 150 mil que a casa está custando, R$ 50 mil estão reservados para a cozinha.

Ele tem experiência nesse orçamento. Quando reformou a casa que serve de escritório, gastou mais na cozinha – em fogão e forno industriais, louças, copos e panelas – do que no mobiliário comercial.

Pelo menos uma vez por semana ele pode ser visto na cozinha do escritório, cozinhando para os amigos. Adora massas e as combinações com frutos do mar, molho de tomate e champagne.

O canto de Tânia Galvão também é a cozinha, não a de Curitiba, onde ela fica três dias por semana e de tão impessoal prefere não usar. Ela se sente em casa na cozinha da chácara, em Colombo. Tem fogão à lenha e panela de ferro, mas também tem o moderno fogão italiano a gás e tudo que há de mais moderno em utensílios e louças. Para os amigos tem poltronas e banquetas perto do balcão.

?É para lá que eu levo os meus amigos e invento minhas combinações. Quando estou sozinha faço geléias, ambrosia, manteigas clarificadas. Quando tem mais gente, capricho para agradar. E é sempre muito divertido?, conta.

Semana passada ela assou pernil de leitão, fez purê de batata doce com baunilha, ameixa e licor de chocolate, farofa de milho e ovo, salada, arroz branco. De sobremesa fez sorvete de acerola. Foram convidadas 21 pessoas, chegaram ao meio-dia e se divertiram até as 18h.

André e Tânia não se conhecem, nem são chefs. Eles têm prazer em receber e cozinhar. Juntam bons ingredientes para fazer boa comida e bons amigos para passar o tempo. As conversas não têm fim, nem a criatividade das suas receitas.

Tem, à venda, geladeira de até US$ 25 mil!

As cozinhas modernas estão abandonando o estilo europeu e, cada vez mais, se parecem com as americanas, que têm fogão em ilha no centro e peças em aço inox ou alumínio.

Forno e fogão estão separados. Geladeira e freezer ficam juntos, no sistema side by side. Os painéis digitais e as linhas arredondadas completam os elementos de modernidade, beleza e sofisticação que o consumidor procura, segundo Valdemar Pardal, da Via Mundi.

A loja, que começou vendendo acessórios importados para chefs, entrou no mercado de cozinhas planejadas. É uma das poucas na cidade a oferecer – e vender – geladeiras de US$ 25 mil.

?Não é a mais procurada, mas vende porque as pessoas hoje dão para a cozinha a mesma importância que a sala tinha antigamente?, resume Pardal. Pelos cálculos do empresário a cozinha é responsável por 40% do valor de uma obra e responde por mais da metade do gasto em decoração.

A obra gasta com as instalações elétricas e hidráulicas, que na cozinha são muitas, mas o custo com decoração é influenciado diretamente pela moda de deixar acessórios à mostra.

As panelas e os copos não ficam mais escondidos. Armários abertos ou com portas de vidro deixam os utensílios e os objetos de design em exposição. Era para ser prático mas virou sinônimo de beleza e ter objetos de grife é uma mania entre os gourmets e um toque de sofisticação para os modernos.

Essa tendência trouxe para o Brasil panelas, talheres e copos de marcas italianas, francesas, americanas e alemãs. São as mais cobiçadas e também as que oferecem os produtos mais exóticos.

Entre os muitos itens da loja, Pardal selecionou alguns dos mais curiosos: alicate para lagosta (R$ 70,00), garfo para lagosta (R$ 63,00), fatiador de trufas (R$ 178,40), garfos para pegar spaguetti em cozimento (R$ 64,80).

Dá para aprender até pela TV

Na Inglaterra chamam de foodie quem não é profissional da área de gastronomia, mas gosta de comida, conversa sobre comida, tem prazer em comprar ingredientes e se dedica a aprender novas receitas em sites, programas de TV e publicações especializadas.

Aqui, a gente não tem uma palavra que defina esse público, mas ele existe e está cada vez mais exigente. Há 20 anos, os programas que faziam sucesso na TV eram comandados por Etty Fraser e Ofélia Anunziatto. Elas ofereciam receitas simples e baratas para as donas de casa.

Esse formato ainda resiste na programação de todas as emissoras e somados aos programas das TVs por assinatura, que misturam receitas sofisticadas e viagens, pode-se dizer que a gastronomia na TV já saiu do prato: virou entretenimento.

A quantidade de programas especializados reflete as transformações no perfil do público, cada vez mais interessado não só em comer bem, mas também em se informar sobre os demais prazeres que acompanham o paladar. E nesse clima descontraído conquistam o público, lançam moda e até vendem produtos, em forma de merchandising.

TV aberta

Todas as emissoras têm quadros de culinária nas programações locais, mas são as produções nacionais que têm os cenários mais elaborados e o maior número de patrocinadores fazendo, muitas vezes, com que o apresentador pare a receita para falar de uma marca de ingrediente.

A Globo tem Ana Maria Braga; a Band tem Daniel Bork; a Record tem Eduardo Guedes nas manhãs e Olivier Anquier, nos domingos. ó o Hoje em Dia, da Record, recebe uma média de um milhão e 300 mil e-mails por mês pedindo informações e dando dicas sobre receitas.

TV por assinatura

Temas como viagens, comportamento e lazer se fundem com cada vez mais freqüência em programas comandados por reconhecidos chefs de cozinha em TVs por assinatura. Nestes, o merchandising é mais discreto: os produtos aparecem sem que o apresentador pare a receita para citá-los. É o caso de marcas de panelas, fornos e fogões.

A chef Roberta Sudbrack comanda o programa Boca-a-boca, no Multishow. Flávia Quaresma e Alex Atala apresentam o Mesa Para Dois, no GNT. O chef Felipe Bronze é um dos poucos que não apresenta seu programa, o Tá na Época, do GNT, com roupa de chef.

O jornalista e enólogo Renato Machado apresenta com o chef Claude Troigros o programa Menu Confiança, no GNT.

Comida bonita enche os olhos e a boca

Tem coisa que todo mundo sabe: a beleza põe a mesa e a gente come com os olhos. O visual serve de estímulo e interfere no apetite das pessoas. Dá para perder a fome só de olhar uma refeição típica – com arroz, feijão, carne e salada – toda misturada e disforme. Também dá para seduzir o paladar com uma salada de vegetais coloridos e bem cortados.

Na culinária tailandesa, a atenção à estética é essencial. Na maioria dos pratos, há esculturas feitas com legumes ou folhas. As cozinhas japonesa e chinesa preocupam-se principalmente com a harmonia de cores e com as texturas.

No Ocidente, a cozinha francesa é uma das que mais valoriza os detalhes de apresentação. Já na segunda metade do século 20, o movimento nouvelle cuisine mostrou ao mundo a importância da harmonia entre as cores dos pratos e do equilíbrio na apresentação.

Hoje é consenso que a apresentação é primordial para o sucesso da refeição, mas ninguém precisa de muita experiência para aguçar o paladar alheio. É só prestar atenção em alguns detalhes.

– Sirva o feijão separado do arroz para evitar que se misturem e fiquem com cara de papa. Isso vale também para aquecimentos no microondas.

– Não alise o purê de batatas, só decore com cubinhos de tomate ou folhas de manjericão e salsinha. É possível colorir o purê, acrescentando caldo de beterraba ou cenoura durante a preparação.

– A melhor maneira de preservar a consistência dos legumes é cozinhá-los no vapor sem acrescentar água. Faça porções pequenas para consumir no mesmo dia.

– Variar os ingredientes é a chave para estimular a família a comer saladas. Experimente formas diferentes: cenoura em palito em um dia, em rodelas no outro.

– O molho deve vir sempre separado. Isso serve tanto para saladas, porque as folhas murcham quando temperadas com antecedência, como massas.

Entre temperos e orações

Cozinhar é preciso, cozinhar bem é outra história. Não é exigido no dia a dia a não ser de profissionais. O que dá uma certa liberdade aos candidatos a gourmet, mas até eles, os amadores, estão buscando mais conhecimento.

Mais da metade dos alunos do curso de chef do Centro Europeu tem profissão – e não é a de restauranteur. O caso de um médico que trocou de profissão depois do curso era o mais curioso até chegar Marli Stroka.

Na aula de molhos, a freira do Sagrado Coração de Jesus está aprendendo os truques da cozinha clássica. Sem revelar muita ambição, ela diz que tem liberdade para estudar e ganhou apoio das colegas de convento que gostam de experimentar as lições de casa. 

?Elas dizem que meu tempero é bom. Ainda não sei se vou fazer estágio em algum restaurante, mas estou estudando para virar profissional, ser realmente boa nessa arte?, conta Marli, que sobrepõe o avental ao hábito e permanece atenta entre os alunos.

Arqueólogos descobrem cozinha de 3.200 anos

Uma das cozinhas mais antigas do mundo foi revelada há menos de um mês. Uma equipe de arqueólogos franceses e egípcios descobriu vestígios de cozinhas públicas com mais de 3.200 anos, na cidade de Luxor, cerca de 720 quilômetros ao sul do Cairo, no Egito.

O comunicado oficial do Ministério da Cultura do Egito, do dia 25 de abril, conta que nas instalações os egípcios preparavam pratos à base de produtos agrícolas, pão e carne para os trabalhadores dos monumentos faraônicos.

As cozinhas ficavam à margem do Nilo, junto ao templo funerário dedicado ao faraó Ramsés II (1304-1237 a.C.). É um dos monumentos mais visitados pelos turistas, que se encantam com os desenhos que retratam o faraó em várias batalhas, a principal delas contra os hititas.

As casas diminuíram ao longo do século XX. De acordo com o Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida, da USP (Universidade de São Paulo), o espaço do quarto teve sua área reduzida em 50,26%; a sala, em 37,80%, e a cozinha, em 13,46%.

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