O ocidente já aprendeu que, para lidar com as conseqüências do estilo de vida que preconiza, deve buscar o equilíbrio do outro lado do mundo. É de lá que provém uma série de técnicas e filosofias que, mais que prevenir e remediar os males alavancados pelo dia-a-dia, têm o poder de reequilibrar o organismo, as emoções, hábitos e atitudes. Estamos falando da terapia aiurvédica, atualmente mais conhecida entre nós, ocidentais, pelos benefícios que é capaz de proporcionar para aqueles que procuram autoconhecimento e controle interno. Por meio de diversas práticas – que incluem massagens, derramamento de óleos, fitoterapia e reeducação alimentar, além de exercícios físicos e meditação -os adeptos dessa medicina indiana garantem que existe mais eficiência em suas aplicações do que sonha nossa vã filosofia.
Maria França e João Guilherme Lourenço, especialistas na tereapia que procura o controle interno. |
A primeira característica da aiurveda é que se trata de uma medicina holística, integral. ?Não são apenas massagens ou chás, mas um estilo de vida, que trabalha o ser humano como um todo?, define a diretora do Centro de Formação Unipaz, que proporciona cursos na área, Janete Áurea Duprat. Dentro deste ínterim, a medicina oriental percebe o homem dentro de características próprias, partindo do princípio de que existem forças na natureza que, combinadas, dão origem aos três doshas: vata, pitta e kapha. ?Os doshas são formas de ser?, explica Janete. Ao que complementa a terapeuta aiurveda Maria Clarisse França, do Instituto Clarear, de Curitiba: ?Segundo os sábios indianos, todos somos compostos por estes elementos; o que nos diferencia é a forma como são combinados?. Os especialistas afirmam que temos a predominância de um ou dois doshas, mas que os três, de alguma forma, se manifestam em nós em determinadas circunstâncias ou momentos da vida.
Doshas
É a partir da delimitação do dosha de cada um que a terapia aiurvédica se aplica, sendo, portanto, um tratamento personalizado, subjetivo. Explica-se: pessoas vata (que têm predominância dos elementos ar e éter) prezam a força do movimento, sendo mais ágeis, leves, inconstantes. Fisicamente, tendem a ter pele mais seca e estrutura óssea menor. Já quem é pitta tem em si a energia da transformação, capacidade de gerir emoções, discerni-las e fazer julgamentos corretos. Nessas pessoas, o fogo é elemento dominante, tornando-as focadas no que fazem, realizadoras. É o perfil típico de atletas, dirigentes, empresários. Do ponto de vista físico, apresentam traços simétricos. Os kapha, no outro extremo de quem é vata, são pessoas mais lentas, rotineiras, calmas, amorosas, que tendem a ter estrutura física maior, tanto por acumular peso como emoções. Carregam em si a energia de coesão.
O especialista aiurveda João Guilherme Lourenço explica que os três doshas são indispensáveis para nosso funcionamento fisiológico, mas exigem, cada um, tratamentos diferenciados dentro do que cada um busca. ?Na aiurveda, não se trata a doença, mas a pessoa?, diferencia. Dessa forma, os óleos – que, usados tanto para a massagem como para derramamento no ponto entre as sobrancelhas, o que estimula glândulas cerebrais a produzirem uma série de substâncias que induzem corpo e mente ao relaxamento e equilíbrio – são diferentes para cada dosha. ?Vão sempre no oposto do que a pessoa é, proporcionando esse equilíbrio?, delimita Lourenço. Assim, pessoas vata, que são frias, precisam de óleos quentes, como de césamo e gergelim; já os pitta pedem óleo frios, como de coco ou girassol, enquanto os kapha precisam dos estimulantes, como de mostarda e amêndoas. De efeito terapêutico, aliados às massagens eles ajudam a eliminar toxinas e promovem o rejuvenescimento. Da mesma forma acontece com as ervas, usadas para confecção de chás e alimentos, havendo indicações específicas para cada tipo de indivíduo.
O tratamento aiurveda consiste ainda em mudar hábitos alimentares e rotineiros. Levantar e dormir cedo, proceder a rituais de agradecimento, independente da religião, meditação, yoga, exercícios (físicos e respiratórios) e limpeza – os indianos costumam limpar bem a língua pela manhã, pois nela acumulam-se toxinas -, além de não comer em excesso e dentro das combinações e nutrientes indicados para cada dosha, são procedimentos que fazem parte do dia-a-dia de quem adota esse estilo de vida. ?Em suma, ter regularidade e moderação em tudo que se faz. Isso nos proporciona voltar a ser quem somos, retornarmos ao padrão original, além de prevenir doenças, uma vez que a terapia aiurveda é um sistema de cura e bem-estar?, resume o especialista.
Massagem aiurveda serve para aliviar o stress
O professor especialista em massagem aiurveda Abhijat Voss explica que a prática é parte integrante da medicina aiurvédica e que, tal como seus outros aspectos, se caracteriza como excelente auxílio para aliviar o stress do dia-a- dia e promover o equilíbrio físico e emocional. ?Para quem olha, parece uma massagem comum, mas na aiurveda o toque, os movimentos das mãos, a maneira como se aplica a massagem são feitos de forma relacionada ao dosha de cada pessoa?, explica.
O massoterapeuta lembra que, no Brasil, a massagem aiurveda é aplicada de forma um pouco diferente que na Índia – lá, faz-se com os pés, aplicando muita força e, literalmente, pisando sobre o paciente. ?Por isso, adaptamos à nossa cultura, fazendo-a de forma mais moderada. Mesmo assim, ainda é pouco difundida, apesar de que qualquer pessoa que vive nos moldes de nossos tempos é candidata forte a uma massagem aiurveda?, traça o especialista.
O motivo é que, tal como todos os tratamentos que englobam a medicina aiurvédica, a massagem tem o poder de auxiliar no relaxamento profundo e responder à necessidade de cada pessoa, dentro de suas características delimitadas pelos doshas. ?O valor terapêutico começa com os óleos, mas envolve também o tipo do toque em cada paciente. Pessoas franzinas (vata) necessitam um toque que as fortaleça, mais paciente e profundo, mas sem agredir sua natureza tranqüila; já os kapha precisam de um toque que desbloqueie suas estagnações e os ative; os pitta, no meio-termo, devem começar sendo ativados para depois se eliminar os nódulos e bloqueios?, explica.
Abhijat explica que, na massagem aiurveda, dá-se importância ao estado mental e espiritual da pessoa, de tal forma que o terapeuta deve se incluir nesse objetivo. ?É uma forma de deixar a pessoa meditativa, por isso, é necessário também um ritmo interno do terapeuta, que acaba sendo passado à pessoa no toque, na respiração, na fala?, avalia. Dessa forma, ele garante, é possível induzir o paciente a um relaxamento profundo, promovendo o tão sonhado equilíbrio. ?Nosso organismo precisa desse estado para se auto-organizar; a massagem tem poder de facilitar o processo de cura ou a prevenção de doenças, além de aliviar a dor para pacientes que estão em tratamento?, garante. ?É capaz de relaxar, mas de forma a sentir no fundo da alma".
Usada para controlar doenças
A dona de casa Regina Maria do Nascimento desenvolveu há dez anos a síndrome do pânico, doença que jamais imaginou acometê-la por causa de sua personalidade otimista e de bem com a vida. O tratamento feito com medicina tradicional durou quatro anos, sob uso de muitos remédios e uma constatação: ?O meu dia não tinha 24 horas, mas 36. Eu vivia para o amanhã, e de forma tensa, ansiosa. Quando descobri, estava no fundo do poço, achava que ia morrer; minha energia estava completamente desequilibrada?, recorda.
Sob a iminência de voltar a ter os ataques de pânico, ela buscou na medicina oriental o remédio para não ter mais de viver o que nomeia como a pior situação de sua vida – e, assim, conheceu uma verdadeira transformação em seu estilo de vida. ?Fiz um curso de massagem aiurveda em São Paulo e passei a me tratar com um médico de lá. Me submeti à terapia também em Curitiba e, através dos tratamentos, leituras e da yoga, melhorei muito: hoje sou uma pessoa mais tranqüila e sei administrar minha ansiedade?, acredita.
O mesmo aconteceu com a empresária curitibana Márcia Cristina Deischl, que procurou a aiurveda por conta de uma depressão. ?Muitas pessoas em minha família apresentavam o problema e sempre trataram com alopatia. O problema é que os efeitos eram temporários. Foi quando pensei em me voltar para um tratamento alternativo?, lembra. Em uma viagem, conheceu o tratamento aiurveda em um spa e se interessou pelo tema. ?Descobri não apenas um tratamento, mas uma filosofia e um estilo de vida.? Os hábitos alimentares mudaram completamente para se aproximarem de suas necessidades e seu biotipo. ?Na aiurveda, aprendemos que 80% dos casos de depressão têm a ver com ajustes na alimentação. Incluí mais alimentos picantes em meu cardápio (Márcia é predominantemente kapha) e passei a fazer um yoga forte, com exercícios puxados. Foram pequenos detalhes que mudaram minha vida?. Agora, quando ela sente que uma crise se aproxima, sabe o que fazer: ?Busco um chá picante, uma alimentação quente, faço caminhadas e não deixo o sintoma progredir. Aprendi a me conhecer e me controlar melhor?.