A clonagem de animais, bastante debatida pela comunidade científica mundial, ainda é um assunto que gera muita polêmica e diversos questionamentos. O tema foi abordado recentemente em Curitiba, durante o primeiro Seminário das Comissões Técnicas do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná (CRMV-PR), realizado no último mês.
Caracterizada pela reprodução não sexuada (que acontece sem óvulo e sem espermatozóide), a clonagem é feita por transferência nuclear. Os pesquisadores pegam uma célula somática, retiram o núcleo, colocam outro núcleo e reprogramam a célula para fazer o clone. Este é uma cópia idêntica de outro ser no que diz respeito ao patrimônio genético.
?Deve ficar claro que os clones são diferentes de gêmeos. Na clonagem, o descendente é igual ao ascendente. Já os gêmeos são iguais entre si, mas diferentes do ascendente?, explica o médico veterinário Sílvio Valle, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), localizada no Rio de Janeiro. Ele foi um dos participantes do evento promovido pelo CRMV-PR.
Embora existam diversos casos bem sucedidos, a clonagem ainda é considerada uma técnica de baixíssima eficiência. Isto deve ir se resolvendo ao longo dos anos, com o desenvolvimento de novas pesquisas e os avanços da ciência. Porém, por enquanto, os pesquisadores precisam fazer diversas tentativas para conseguir que um único animal clonado nasça. Quando se consegue o nascimento, o clone obtido pode ser portador de uma série de problemas de saúde.
É comprovado, por exemplo, que os animais clonados podem apresentar sinais de envelhecimento precoce. Isso, de acordo com Valle, ocorre em função do cromossomo telômero, que está ligado à idade da célula. Com o tempo, o telômero vai diminuindo. O que foi verificado é que alguns clones já nascem com o cromossomo menor do que o correspondente a suas idades.
Na maioria das vezes, a clonagem tem como objetivo reproduzir o padrão genético de animais considerados de altíssima performance, seja na produção de leite, na produção de carne ou mesmo em alguma competição esportiva (como, por exemplo, no caso de eqüinos). No que diz respeito a possíveis riscos da clonagem de animais aos seres humanos, o pesquisador da Fiocruz informa que existe apenas um relatório dos Estados Unidos, de 2006, que afirma que não são identificados riscos no consumo por pessoas da carne ou do leite de animais clonados.
Dolly morreu antes dos sete anos
O primeiro mamífero do mundo a ser clonado com sucesso a partir de uma célula adulta foi a ovelha Dolly, nascida em julho de 1996, mas só mostrada ao mundo em 1997. O animal foi criado por pesquisadores do Instituto Roslin, na Escócia, e morreu em fevereiro de 2003, vítima de uma doença pulmonar progressiva e incurável.
Clonada a partir de células mamárias de uma ovelha de seis anos de idade, Dolly começou a demonstrar sinais de envelhecimento precoce a partir dos três anos de vida. Ela teve artrite e viveu bem menos do que uma ovelha comum, que pode atingir a idade de doze anos. O corpo de Dolly foi empalhado e exposto no Royal Museum of Scotland, em Edimburgo. (CV)
No Brasil, bezerra foi primeira experiência
No Brasil, a clonagem de animais foi iniciada em março de 2001, quando integrantes da equipe do médico veterinário e pesquisador Rodolfo Rumpf, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) do Distrito Federal, obteve o clone de uma bezerra da raça simental, de origem Suíça. O animal, batizado de Vitória, foi clonado para fins voltados à produtividade agropecuária.
De acordo com o médico veterinário Sílvio Valle, a área de reprodução animal é muito desenvolvida no País. Prova disso, é que existem equipes lidando com clonagem e transgenia em diversos estados, como por exemplo São Paulo, Ceará, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal. Porém, ainda não há em território nacional um programa de biossegurança que dê tranqüilidade aos pesquisadores no uso da engenharia genética.
?Falta segurança jurídica para que os pesquisadores desenvolvam seus trabalhos. É necessário que os órgãos de ciência e tecnologia, os conselhos de medicina veterinária e o governo discutam questões ligadas à clonagem e à transgenia com ética e racionalidade científica, sem se mostrarem contra ou a favor?, afirma.
Valle diz que a existência de um programa de biossegurança é importante para que pesquisas possam ser implantadas sem gerar riscos à sociedade e para que os detentores das tecnologias possam ser responsabilizados caso surjam problemas. Ele destaca que o avanço da ciência no Brasil deve ser ligado aos interesses do País. (CV)
Cuidado com seres transgênicos
Foto: Lucimar do Carmo |
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Sílvio Valle: é muito difícil fazer o ?recall? desses genes. |
Embora exista um relatório norte-americano que comprove a segurança no consumo de produtos derivados de animais clonados, o mesmo não acontece em relação a seres transgênicos. Estes são animais que, em laboratório, receberam um gene exótico à espécie.
?Um animal transgênico pode ser, por exemplo, uma cabra que foi manipulada geneticamente para produzir em seu organismo um medicamento ao ser humano ou um peixe manipulado para obter ganho de peso bem acima ao ganho dos demais representantes de sua espécie?, diz o pesquisador Sílvio Valle, da Fiocruz.
Além dos riscos ao consumo humano, a transgenia envolve riscos ambientais. Quando se faz um animal trangênico, deve-se ter muito cuidado para que o gene do mesmo não seja incorporado pelos animais que estão na natureza. Isto é, o patrimônio genético dos transgênicos não pode ser cruzado com o de bichos de uso alimentar. Neste caso, haveria risco, por exemplo, de uma pessoa saudável acabar consumindo um medicamento não necessário através de leite de cabra ou de qualquer outro produto derivado de animal.
?Quando se libera genes no patrimônio genético da natureza, é muito difícil fazer o ?recall? desses genes. Desta forma, se algum problema aparecer em função da liberação, vai ser muito difícil encontrar uma solução. Deve haver um cuidado bastante grande com a contenção de animais transgênicos?, comenta Valle.
A transgenia pode ser feita por reprodução sexuada ou por modificação genética antes da clonagem, mas nem todo clone é transgênico.
