Cleptomania, transtorno raro e de difícil tratamento

Quando a personagem Haydée (Christiane Torloni) passou a mostrar sinais de cleptomania no roteiro da novela América, a opinião pública logo passou a dar mais importância para o problema. No Ambulatório dos Impulsos do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), apenas um paciente cleptomaníaco procurava ajuda por ano. Com a inclusão do assunto na trama de Glória Perez, o lugar já recebeu 10 pessoas para tratar o problema.

Mas, de acordo com a psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Marisa Schmidt Silva, o drama da milionária, perturbada pela cleptomania, é um comportamento muito raro. ?São poucas as pessoas que sofrem desse comportamento e muito menos são as que procuram ajuda?, revela. Haydée, assim como na vida real, faz o possível para esconder o transtorno de amigos e da família.

Arquivo / O Estado

A cleptomania é um distúrbio
obsessivo compulsivo, no qual
a pessoa furta por impulso.

Segundo a psicóloga, quando é surpreendida, a pessoa passa por surtos de nervosismo. Num dos capítulos de América, Haydée dispensou a companhia da filha (Mariana Ximenes) quando foi pega pela moça furtando um isqueiro. A filha nem sequer entendeu qual seria a utilidade daquele objeto para a mãe, que não fuma. ?O cleptomaníaco furta coisas sem valor para ele, nem monetário nem sentimental. São coisas que poderia perfeitamente comprar?, explica Marisa. Na maioria das vezes os joga fora ou os presenteia a alguém. ?Outras vezes fica acumulando um monte de objetos inúteis.?

Segundo a literatura médica, a cleptomania é um distúrbio obsessivo compulsivo, no qual a pessoa furta por impulso. O impulso de furtar é precedido por grande ansiedade e, posteriormente, um grande alívio. O cleptomaníaco não comete o roubo para expressar raiva ou vingança. ?É um comportamento inconsciente e está ligado a outras dificuldades, como a depressão e a ansiedade?, diz Marisa.

A psicóloga conta que a cleptomania não tem idade certa para começar. ?Normalmente quando ocorre em crianças e adolescentes, é uma maneira de chamar a atenção dos pais.? Mas isso não quer dizer que a pessoa sofrerá da doença pelo resto da vida. ?Como é um comportamento baseado na compulsividade, ele pode ser substituído por outras manias, como distúrbios alimentares ou jogadores compulsivos?, afirma Marisa.

Dificuldades

A psicóloga conta que o tratamento do cleptomaníaco é difícil, pois assim como um viciado em drogas, é comum negarem o problema. ?Além disso, a pessoa não procura ajuda por ela mesmo. Normalmente quando chega no consultório é porque foi pega e encaminhada pela família ou alguma autoridade.? Para a ?cura?, Marisa diz que não há medicação. O tratamento passa por aprender a controlar o impulso ou substituí-lo por outro comportamento não destrutivo.

De acordo com Marisa, é difícil que uma pessoa pobre sofra de cleptomania. ?Para quem não tem posses, dificilmente será possível classificar o furto como não sendo necessário.? Mas faz questão de desmistificar o conceito de que é desculpa para rico praticar crime. ?Seja rico ou pobre, se a pessoa premeditar, roubar dinheiro ou tiver um propósito para o objeto do furto, isso nada mais é do que desvio de caráter?.

Apenas um caso registrado no Tribunal de Justiça

Segundo o advogado criminalista Daniel Laufer, se no campo da psiquiatria o comportamento é difícil de acontecer, no criminal é ainda mais raro. ?Em uma pesquisa que fiz no Tribunal de Justiça do Paraná, encontrei apenas um caso relacionado a cleptomania?, revela. Porém admite que. por se tratar de pequenos furtos e de pessoas que normalmente têm dinheiro para pagar os objetos, dificilmente os casos têm encaminhamento penal.

?Caso haja um flagrante e a polícia seja chamada, vai haver um inquérito. Mas devido à falta de gravidade e de freqüência, dificilmente haverá denúncia ao Ministério Público.? Caso haja alguma complicação legal, o advogado explica que o cleptomaníaco, por ser doente, não receberá pena. ?Claro que é necessário confirmação da doença por um laudo médico, mas o cleptomaníaco é beneficiado pela diminuição da imputabilidade do acusado, ou seja, da pena que ele deve cumprir? Dependendo do grau da doença, a pessoa fica isenta de culpa e é encaminhado para tratamentos psiquiátricos.

Mesmo assim, Daniel diz que nunca teve que defender uma pessoa com a doença, e que se tivesse, provavelmente sua defesa teria outro argumento, pela dificuldade em comprovar a cleptomania. ?Aquela idéia de que pessoas usam isso como desculpa para escapar de penas por furto não é verdadeira.? Estudos feitos com ladrões de lojas sugerem que somente uma pequena parcela (de 1 a 8%) representam casos verdadeiros de cleptomania.

Foi o que aconteceu com a atriz norte-americana Winona Ryder, flagrada em 2001 roubando roupas. Seus advogados alegaram que ela era cleptomaníaca, mas a doença não foi confirmada pelos peritos e atriz foi condenada por roubo. (DD) 

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