Cirurgia de Cristina expõe gravidade do caso

A decisão tomada hoje pelos médicos da Fundação Favaloro de operar a presidente Cristina Kirchner amanhã cedo revelou que o caso de saúde da presidente é mais grave do que se pensava e definiu a modalidade pela qual o vice-presidente, Amado Boudou, assume a presidência interina. Boudou assumiu formalmente a presidência da Argentina, mediante assinatura de ata junto a um escrivão público.

A ideia inicial da presidente apontava Boudou somente para representá-la em atos públicos. Cristina pretendia manter o comando total do governo, sem passar o cargo formalmente a Boudou, durante o cumprimento do repouso de 30 dias.

O repouso tinha sido recomendado pelos médicos que atenderam a presidente no sábado e diagnosticaram um “hematoma subdural crônico”, ou seja: acumulação de sangue junto à meninge dura-máter, entre o crânio e o cérebro. Cristina procurou o hospital da Fundação Favaloro, o de maior prestígio em doenças do coração e neurológicas no país, porque sentia arritmia cardíaca e fortes dores de cabeça.

Apenas 24 horas depois do diagnóstico, a presidente foi internada novamente com novos sintomas que incluíram “formigamento e perda de força muscular no braço esquerdo”. A cirurgia para drenagem do sangue acumulado foi marcada para amanhã às 8 horas. Em princípio, a intervenção será simples e deve durar cerca de 45 minutos. Porém, as dúvidas sobre o real estado de saúde da presidente persistem, especialmente sobre as circunstâncias em que ocorreu o golpe em sua cabeça.

Até o momento, a única nota da presidência sobre o assunto foi a que o porta-voz, Alfredo Scoccimarro, leu no sábado à noite, a qual revelou que a presidente caiu no dia 12 de agosto e bateu a cabeça. Na ocasião, ela submeteu-se a uma tomografia que deu normal, segundo a nota. Não há nenhum detalhe sobre como e onde a presidente teria caído. Muitos médicos especialistas na Argentina opinaram que o repouso de 30 dias foi um erro de cálculo e que o tratamento indicado para o caso, desde o início, é mesmo a cirurgia.

As dúvidas sobre a saúde da presidente são decorrentes de um caso anterior, em dezembro de 2011, quando o porta-voz anunciou, também em nota dos médicos da unidade presidencial, que Cristina Kirchner tinha um câncer na tireoide. Em janeiro, após a cirurgia que extraiu a glândula da presidente, os médicos disseram que não era câncer e que um exame de resultado “falso-positivo”.

Campanha – O afastamento de Cristina faltando apenas 20 dias para as eleições parlamentares que vão decidir o futuro político dela pode beneficiar sua imagem, mas não necessariamente o seu candidato, segundo opinião do analista político Carlos Fara, da consultoria homônima.

As pesquisas apontam que o kirchnerismo sofrerá a pior derrota em dez anos. Afastada, ela teria uma desculpa para o fraco desempenho. “O episódio vai incidir positivamente sobre a imagem da presidente, a exemplo do que ocorreu por ocasião da cirurgia da tireoide e da morte de Néstor Kirchner”, disse Fara. No entanto, “não há certeza de que isso possa ser traduzido em votos aos candidatos governistas”, completou.

Para o analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nueva Mayoria, “o novo problema de saúde da presidente Cristina Kirchner aparece como um imponderável na política argentina e, como tal, pode alterar o atual cenário”. Trata-se, explicou ele, destes fatores ou situações imprevisíveis que surgem inesperadamente na política. Fraga lembrou que isso sucedeu, por exemplo, no primeiro mandato de Cristina, quando o conflito contra o setor agropecuário, em 2008, e a recessão precipitada pela crise global no ano seguinte, determinaram sua derrota nas eleições parlamentares de 2009.

Naquela ocasião, todos os analistas decretaram a “morte do kirchnerismo”, como o fazem agora no atual pleito, cujas eleições primárias apontaram para uma derrota dos candidatos oficiais em 16 dos 24 distritos eleitorais. Posteriormente ao resultado negativo de 2009, Cristina recuperou-se politicamente com a morte do ex-presidente Raul Alfonsín, que desmobilizou a oposição, e com a morte do marido, o ex-presidente Néstor Kirchner.

“Em princípio, a doença da presidente tem mais possibilidades de beneficiá-la do que prejudicá-la, mas o fato de o vice-presidente substituí-la é um ponto débil para o governo porque é uma figura desprestigiada”, afirmou Fraga.

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