Foto: Michel Willian/SMCS |
Após a pintura dos números das casas e dos nomes das ruas, as 150 famílias da Vila Autódromo 2, no Cajuru, aguardam para os próximos dias o recebimento do CEP. |
O aposentado José Rodrigues da Silva, 75 anos, conhece como poucos a região da Vila Autódromo II, no Cajuru, em Curitiba. Vindo do interior do Paraná, mora na vila, uma área de invasão, desde 1982. Há anos o aposentado e mais 150 famílias da Vila Autódromo esperam pela regularização dos lotes, que dará numeração às casas e nomes às ruas, junto com o Código de Endereçamento Postal (CEP). Com o processo de regularização da área iniciado pela Companhia de Habitação de Curitiba (Cohab), da Prefeitura de Curitiba, as famílias agora esperam a visita do carteiro.
"A pessoa precisa ter CPF, RG e título de eleitor e um endereço certo, com CEP, para se sentir realmente um cidadão. Quem não tem endereço vai dizer que vive onde?", pergunta o aposentado. A família de José Rodrigues é uma das beneficiadas pelo programa de regularização de lotes do município, que permite aos moradores ter um endereço oficial, entre outras melhorias. Depois das ações da Prefeitura de Curitiba, cabe aos Correios estabelecer o CEP das ruas. "Agora que nossas ruas têm nome e as casas numeração, só falta o CEP, tão esperado por todos os moradores da vila", diz José. Ele e os vizinhos aguardam para os próximos dias a entrega pelos Correios do número oficial de identificação das ruas onde moram. Com isso, poderão usar o endereçamento postal correto para recebimento de correspondências, cadastro em lojas, fichas de solicitação de emprego e outros documentos do cotidiano.
Morar em uma área de invasão, conta José Rodrigues, é para muitas famílias uma situação provisória, de emergência, "que acaba se estendendo por longos anos e virando opção de vida", confessa.
A Vila Autódromo mudou muito, segundo o aposentado José Rodrigues. "E para melhor", afirma. "Tudo em volta era só um grande capinzal, não tinha nada. As casas eram muito simples, não tinham água nem luz e, à noite, os moradores tinham que acender lampião de querosene. Não havia ruas e o pessoal andava a cavalo pela vizinhança. Para pegar o ônibus para o centro, era preciso andar um quilômetro a pé, em ruas de terra, enfrentando o pó ou a lama", conta.
Ele diz que foi necessário ter paciência e perseverança para permanecer na vila, onde criou cinco filhos. Os filhos casaram, constituíram novas famílias no local e lhe deram seis netos. "No começo, a vida foi muito difícil, mas hoje não troco a vila por nenhum outro lugar. Ainda mais agora que o documento acertando meu lote vai sair", diz ele. O que diferencia a Vila Autódromo de outras áreas irregulares da cidade é que o terreno pertence aos próprios moradores.
A área foi comprada pela Associação de Moradores da Vila Autódromo, em 1987, da Rede Ferroviária Federal. O pagamento foi feito em 36 parcelas, com dinheiro recolhido das famílias, mês a mês. Todos os impostos, incluindo o IPTU, são pagos em dia. A associação, então, vinha lutando para conseguir a legalização do loteamento. "Agora, com a ajuda da Prefeitura, vamos alcançar nosso objetivo", comemora o presidente da associação, Daniel Portela. (SMCS)
Banheiro dentro de casa era a grande novidade para as famílias reassentadas
Ricardo Almeida/SMCS |
Luiz Meira (e.) vendeu a casa no Conjunto Piratini a José Carvalho. |
O ex-taxista Luiz Meira é um contador de histórias, especialmente aquelas relacionadas a assentamentos urbanos em Curitiba. Na década de 70, ele participou como voluntário do cadastramento de famílias que ocupariam os primeiros reassentamentos da capital. Eram famílias que na época ocupavam uma área de invasão onde fica hoje o Jardim Botânico e um campus da Universidade Federal do Paraná.
Terminada a tarefa de cadastramento, foi convidado a trabalhar na Prefeitura de Curitiba, como fiscal de obras, cargo que ocupa até o momento. Meira veio da zona rural do norte do Paraná, com 24 anos, já casado e pai de três filhos. Foi morar num "barraco" cedido por um amigo na área conhecida como Favela da Vila Pinto, que abrigava em torno de 300 famílias.
Para dar lugar ao Jardim Botânico, as famílias foram transferidas, entre 1974 e 1975, para os primeiros reassentamentos de Curitiba: Vila Camargo, Tapajós (Cajuru), Jardim Paranaense (Boqueirão) e Vila Piratini (Pinheirinho). Da Vila Pinto, Meira passou a morar na Vila Piratini. Como era o único taxista da vizinhança, prestava muitos favores aos moradores. "Transportei pessoas feridas e mulheres grávidas para hospitais. Fiz até um parto dentro do meu táxi".
O lugar onde ficava o barraco de Meira na antiga área de invasão. |
O ex-taxista lembra que para cadastrar as famílias que iriam ser reassentadas, mesmo sendo voluntário, criou uma associação de moradores, com o auxílio de assistentes sociais da Companhia de Habitação de Curitiba (Cohab). "A transferência das famílias aconteceu de forma bastante pacífica. Muitas famílias participaram da construção de suas casas, nos novos endereços", conta.
Flores no vaso sanitário
As casas das famílias reassentadas eram de concepção simples, construídas em blocos pré-fabricados de concreto com quarto, sala, cozinha e banheiro. Mas o banheiro dentro de casa, lembra Meira, era a grande novidade para os moradores. "Para muitos, o banheiro parecia não ter função nenhuma. Ao se depararem com o vaso sanitário com água dentro, pensavam que se tratava de um local para plantar flores, e foi o que fizeram".
A assistente social da Cohab, Ursula Schulz Richartz, confirma que o banheiro dentro de casa era estranho demais para as famílias reassentadas. "Muitas construíam a casinha nos fundos da casa. Outras transformavam o banheiro em dispensa ou sala de banho, depositando o vaso sanitário e a pia no fundo do terreno. Alguns plantavam flores no vaso sanitário e vendiam a pia. Tivemos que fazer todo um trabalho de mudança de costumes com os moradores", lembra. (SMCS)