Capacidade se sobrepõe à limitação

Jefferson Luís Gonçalves dos Santos trabalha há 10 anos no supermercado Festval. Ele entrou como empacotador e hoje é o responsável pelo setor de frutas e verduras da loja. É ele quem cuida dos pedidos, verifica quais mercadorias estão faltando, além de coordenar e liderar os demais funcionários do setor. Para alguns, pode causar até certo espanto dizer que Jefferson é uma pessoa que tem deficiência. Ele faz parte do universo de 14% da população nacional, ou cerca de 24 milhões de pessoas, de acordo com o último censo do IBGE, que possui algum tipo de deficiência. Muitas vezes, por conta disso, lhe são renegadas oportunidades profissionais e sociais.

"Eu acho que, acima de tudo, a gente tem que ter humildade e dedicação. Mas, a cada ano, eu percebo que as coisas estão melhorando para pessoas como eu, que têm algum tipo de deficiência", avalia. Jefferson conta que sua deficiência motora leve não atrapalha em nada sua vida profissional. Cada dia é encarado como um novo desafio e ele tem planos sérios: quer comprar sua própria casa no ano que vem.

De acordo com o procurador regional do Ministério Público do Trabalho, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, não se pode mais falar em integração de pessoas com deficiência porque esta integração pressupõe exceção. "Hoje falamos em sociedade inclusiva. As instituições precisam ver muito mais as capacidades do que as limitações das pessoas com deficiência. E a cotas legais são os primeiros passos da sociedade inclusiva", explica o procurador.

A lei que reserva cotas de 2 a 5% nas empresas para pessoas com deficiência é de 1991. No entanto, ela só foi regulamentada no final de 1999, por um decreto. Antes disso, os primeiros direitos adquiridos pelas pessoas com deficiência vieram com a Constituição de 1988. Foi a primeira vez que se falou em salários iguais para pessoas com e sem deficiência. Antes de 1988, estas pessoas eram consideradas inválidas ou incapazes.

Cabe ao Ministério Público do Trabalho fiscalizar se as empresas estão ou não cumprindo a lei. Para Fonseca, a maior parte das empresas que não cumpre a lei o fazem por puro desconhecimento. O ministério, em parceria com a Delegacia Regional do Trabalho, faz o trabalho de orientar e tirar as dúvidas do empresariado, com o intuito de tentar apagar o estigma de que contratar uma pessoa com deficiência signifique um ônus.

De acordo com Fonseca, em quase cinco anos de vigência da lei, já foram incluídos cerca de 100 mil deficientes no mercado de trabalho, o que é muito pouco quando se considera o universo desta população no Brasil. "Muitas empresas fazem exigências absurdas para cumprir a lei e contratar pessoas com deficiência. Quando o Ministério Publico percebe este tipo de atitude, toma as medidas cabíveis para acabar com o preconceito", explica.

E Fonseca conhece bem este preconceito. Formado em Direito pela USP e cursando pós-graduação na mesma universidade, ele não conseguia achar emprego. "Quando mandava meu currículo, que era bastante diferenciado, já recebia por telefone a confirmação de contratação. No entanto, quando chegava nos locais e as pessoas viam que eu era cego, as coisas mudavam", conta. Depois acabou sendo prejudicado num concurso para juiz, prestado também em São Paulo. Logo em seguida, passou no concurso do Ministério Público do Trabalho em terceiro lugar, num total de cinco mil candidatos.

Fundação terá centro de referência

A Fundação Ecumênica trabalha com pessooas portadoras de deficiência. Desde bebês, que precisam de estimução especial em seus primeiros meses de vida, até adultos, que participam de oficinas preparatórias para o mercado de trabalho. De acordo com José Alcides Marton, presidente da fundação, a partir do mês de agosto a fundação vai inaugurar um Centro de Referência de Treinamento para Deficientes. As inscrições poderão ser feitas no Sine ou nas Ruas da Cidadania. Ao mesmo tempo, o centro contará com uma equipe multidisciplinar, que fará a ponte com as empresas que quiseram contratar deficientes, orientando os futuros patrões a como realizar da melhor maneira possível o processo de inserção destes funcionários.

O grande diferencial do centro é que o treinamento dos deficientes será feito no próprio ambiente de trabalho. No centro de referência, eles receberão noções básicas de trabalho e será feito o chamado processo de "adultização". "Poderão participar de 18 a 25 anos. E a idéia é que eles possam voltar sempre, quando quiserem mudar de emprego, por exemplo", explica Marton.

Exemplo

Carlos Beal, diretor da rede de supermercados Festval, conta que a empresa adota o programa de contratação de pessoas com deficiência desde 1995, muito antes da lei de cotas ser regulamentada. "Hoje, 15% dos nossos colaboradores têm algum tipo de deficiência. E os resultados destes funcionários são excelentes. É uma lição de superação e dedicação a cada dia que, além de fazer bem para eles mesmos, motiva e estimula todo o resto da equipe", conta Beal.

Para manter o projeto funcionando, o Festval mantém convênio com dez instituições de ensino especializadas em pessoas com deficiência. Lá elas são treinadas e encaminhadas para o trabalho. A empresa não usa ainda o programa para fins publicitários ou de marketing. "O que fazemos questão de fazer é divulgar o trabalho entre o empresariado, para compartilhar os bons resultados que atingimos", explica.

Em setembro, a empresa foi convidada a montar um painel durante a convenção nacional da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) para contar aos demais supermercadistas a iniciativa da empresa paranaense. "Este trabalho não pode ser tratado como um projeto de caridade. Eles mesmos não querem e não aceitam isso. São pessoas que têm limitações, mas a dedicação com que trabalham proporciona superações que ultrapassam qualquer limitação", diz Beal. (SR)

Secretaria mantém programa especial

A Secretaria Estadual de Trabalho tem um programa especial para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Através das Agências do Trabalhador espalhadas por todo o Paraná, é feito o cadastro. São atendidas todas as áreas de deficiência: visual, auditiva, física e mental. Hoje, o Estado tem cerca de 35 mil mil pessoas com deficiência aptas a ingressar no mercado de trabalho.

Quem chefia o programa da secretaria é José Simão Stczankoski. O trabalho dele é conjunto com a Delegacia Regional do Trabalho e com o Ministério Público do Trabalho. É ele quem vai até as empresas, faz palestras, esclarece as dúvidas do empresariado e explica que a busca pela inclusão de pessoas com deficiência é bilateral. "Não queremos igualdade e sim equiparação de responsabilidades. Não existe mais a noção de que a empresa fica esperando de braços cruzados para que a pessoa com deficiência se adapte para poder assumir uma função. Hoje, a empresa precisa olhar não só as limitações da pessoa, mas aquilo que ela pode fazer", afirma.

Simão, que é cego, sabe como é a dificuldade de quebrar este paradigma. Dentro da própria secretaria, ele, às vezes, enfrenta alguns comentários preconceituosos. Mas nada que o faça desistir. Ele prepara trabalhos e palestras em sua máquina de braile. Um privilégio de poucos, já que o equipamento custa cerca de US$ 1 mil. "A minha tem uma história interessante. Recebi de uma norte-americana que era cega e deixou no testamento dela que fazia questão de doar a máquina para uma pessoa que a utilizasse todos os dias. E a máquina veio parar na minha mão aqui no Brasil", conta.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% da população possui algum tipo de deficiência. Destes, 5% têm deficiência mental, 2% são deficientes físicos, 1,5% são surdos, 1% possui deficiências múltiplas e 0,5% são cegos.

Quando se fala em possibilidade de trabalho, Simão explica que precisam ser retirados deste percentual aquelas pessoas que são aposentadas e as que não têm condições de competitividade. "Isso faz com que 4,3% das pessoas com deficiência possam competir por uma vaga no mercado de trabalho", afirma Simão. Mas as barreiras ainda são muitas e a inclusão gira em torno de 1,5%. As pessoas com deficiência mental, os cegos, surdos e os deficientes físicos – nesta ordem – têm mais dificuldade de encontrar uma vaga. Até maio deste ano, das 336 vagas existentes para pessoas com deficiência no Paraná, 166 foram preenchidas, sendo que 547 pessoas foram encaminhadas pela secretaria. No ano passado. foram 1.232 colocações para um total de 3.008 vagas. (SR) 

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