Todo o dia as pessoas são bombardeadas com imagens de corpos e rostos considerados perfeitos, vinculados à publicidade, aos cinemas, à televisão – aos meios de comunicação, de uma maneira geral. A mídia, representando as maiores indústrias mundiais, estabelece os padrões e cabe ao cidadão comum uma missão: tentar se aproximar ao máximo aos modelos impostos, afastando-se cada vez mais do verdadeiro ?eu?.
A realidade um tanto quanto cruel é o tema de debate de um curso de extensão denominado ?O corpo, a mídia e o corpo-mídia?, ministrado pela cientista biológica e mestranda em dança Cristiane Wosniak.
?É uma cultura que está cada vez mais forte no século XXI. Com os avanços tecnológicos, da indústria farmacêutica e da beleza, a imposição de padrões está cada vez mais forte?, diz Cristiane. A referência de padrão, que atinge especialmente as mulheres, é a trilogia jovem-belo-magro, alardeado pelos quatro cantos pelas modelos que iniciam a carreira aos 12, 13 anos e que, se passam dos 50 quilos são malquistas pelo mercado.
?É uma referência muito cruel. Primeiro porque envelhecer é natural. Segundo porque os corpos são distintos e a magreza alardeada na mídia pode ser antinatural?, diz a professora.
Atrelado a esse padrão imposto pela mídia, está uma conseqüência ainda mais grave: a exploração da imagem feminina – mais especificadamente, do corpo feminino. Hoje, a maioria dos produtos é vendido vinculando-os a mulheres exuberantes, que muitas vezes não existem nem na vida real – haja vista o recurso da informática, que permite corrigir qualquer imperfeição que porventura apareça em fotos.
?Hoje se vende carro, cerveja, roupa, seguro, tudo com a imagem feminina. No imaginário dos homens, surge inconscientemente a idéia que, adquirindo o produto, ele terá uma mulher igual. Já as mulheres acham que comprando os produtos oferecidos, ficarão iguais ao modelo imposto?, teoriza Cristiane.
A busca da perfeição – muitas vezes utópica – acaba tornando-se uma perversão, já que a pessoa se afasta cada vez mais de suas características naturais, querendo se aproximar do modelo imposto pela mídia.
?Perde-se a identidade, a um custo altíssimo. Para se aproximar do padrão, as pessoas recorrem às cirurgias plásticas, remédios e todo o tipo de artifício, alimentando cada vez mais a lucrativa indústria da beleza?, explica Cristiane. Há pessoas que ultrapassam os limites e chegam à loucura de tirar costelas – prática comum entre as misses, ou se entregam às doenças como anorexia e bulimia, sem falar na depressão. A primeira faz com que a pessoa simplesmente deixe de comer e, mesmo estando esquelética, pensa que está obesa. A bulimia consiste no ato de regurgitar a cada alimento que é ingerido, num reflexo de culpa por estar comendo.
Inconscientemente, as pessoas passam a achar que o corpo não é correto. A busca pelas mudanças acabam tornando o corpo cada vez menos autêntico e cada vez mais padronizado.
?O pior de tudo é que essa obsessão está vindo cada vez mais cedo. A vaidade é despertada nas meninas desde a mais tenra idade, como os modelos de apresentadoras. Elas acabam crescendo achando que o sucesso está diretamente ligado à beleza padronizada pela mídia?, diz Cristiane.
O reflexo social dessa obsessão na busca de alcançar os padrões é o enriquecimento das indústrias ligadas à beleza e o surgimento do sentimento de eterna insatisfação, tornando as pessoas mais infelizes.
A sociedade cria o modelo ideal
A teoria do corpo-mídia tem um questionamento sem resposta. A imposição da mídia é reflexo da sociedade ou a sociedade se faz desta forma em função da mídia? A coordenadora do curso ?O corpo, a mídia e o corpo-mídia? acredita que a mídia vende o que a sociedade quer. ?A própria sociedade cria um modelo de sucesso e a mídia faz dele um meio para servir à indústria da beleza?, diz Cristiane.
De fato, a busca pelos modelos de sucesso e perfeição acabam fazendo a vida das agências de publicidade e agências de modelos. O publicitário Roberto Almeida transita nos dois meios, já que é representante da Mega Models em Curitiba. Ele confirma que modelos e publicidade andam juntos e confirma que as mulheres são as mais procuradas. ?A demanda feminina é maior, mas depende do tipo de mídia. Para comerciais, o padrão é diferente do que o dos trabalhos ligados à moda, de passarela?. Ele confessa que a busca da mídia por belas garotas é realmente grande, já que as marcas costumam associar produtos ao conceito de perfeição, na tentativa de convencimento de que possuindo aquele produto, a pessoa poderá ser ou ter alguém daquele padrão. ?Nem sempre o padrão é beleza. Vendem-se celulares, por exemplo, com a imagem da Gisele Bündchen, mas também com a imagem de Ronaldinho, que é muito mais um modelo de sucesso do que padrão de beleza?.
Entretanto, revela um lado mesmo cruel e impositor do mercado, que faz com que as agências procurem cada vez mais as pessoas consideradas ?normais? – um exemplo recente e bem-sucedido é a utilização de mulheres de vários padrões de beleza nos comerciais dos sabonetes Dove.
?Tudo em publicidade depende do produto a ser vendido. Você não vai fazer um anúncio dos correios usando um Gianechini (Reinaldo, ator e modelo), porque fica falso?, diz. A idéia, dependendo do produto a ser propagado, é aproximar o máximo possível da realidade, mostrando outra corrente, que talvez possa representar o fim – ou pelo menos amenizar – da obsessão pelos padrões de beleza. (GR)
Literalmente a profissão da moda
Elas foram favorecidas pela genética e ganham muito dinheiro em função das belas feições e corpos esbeltos. No país do futebol, o sonho de nove entre dez garotos sempre foi ser jogador de futebol. Hoje, a moda entre as meninas é ser modelo. Além de se enquadrar nos padrões da mídia, ser modelo pode significar ser financeiramente muito bem-sucedida. A top model Gisele Bündchen, que iniciou a carreira aos treze anos, aos 25 tem total independência financeira e poderia, tranqüilamente, pendurar o ?salto sete?.
O grande problema é que nem todas nasceram dentro do padrão Gisele e para alcançá-lo, são capazes de qualquer coisa. A modelo Carol Francischini, da Mega Models, conta que já viu de tudo nos bastidores da moda. ?Há muitas meninas que regulam muito a alimentação. Casos de anorexia e bulimia acontecem bastante?, diz a jovem, que com 16 anos já acumula três de carreira internacional.
Carol veio na contramão do desejo da maioria das meninas, já que o grande sonho dela era ser jogadora de vôlei e tem características genéticas que a isenta de cometer loucuras em prol da carreira – ela é louca por massas e chocolate e não se priva de consumi-los. Entretanto, confessa que o meio é cruel. ?Já perdi um trabalho porque estava com uma espinha. E as agências pegam bastante no pé das modelos. Qualquer quilo a mais pode representar a perda de um trabalho ou até o fim da carreira. Por isso, se fosse necessário, eu faria esforço?, confessa.
A obsessão pela perfeição, tão exigida no mundo da moda, acaba provocando comentários curiosos. Apesar de ser uma bela moça, Carol consegue encontrar coisas que não gosta em seu corpo: os pés e as costelas aparentes nas costas. ?Parecem as costas de um dinossauro?, brinca.
A necessidade de estarem o tempo todo impecáveis faz com que nas horas vagas, a imagem da perfeição das modelos se desfaz. Confirmando que são de carne e osso, elas se despem das roupas fashion e da maquiagem. ?A gente trabalha com isso. Quando estou de folga, a roupa é bem à vontade e nada de maquiagem. Calça jeans e camiseta são meu guarda-roupa?. Apesar de serem padrões, elas se desvinculam deles, eventualmente. (GR)
Símbolos sexuais acabam gerando lucro
O processo de implantação de padrões pela mídia está diretamente ligado ao lado psicológico do ser humano. A exploração desses modelos está diretamente ligada ao mercantilismo, já que o vínculo a padrões está diretamente ligado a venda de produtos. ?A busca ou a fabricação de símbolos sexuais para a venda de produtos se mostrou ao longo do tempo como meio profícuo de lucro, especialmente após a disseminação do capitalismo e da revolução sexual?, diz a psicóloga Maria Virgínia Grassi. Estabelecendo-se o padrão, remete-se à idéia de que usando ou possuindo aquele produto, a pessoa chegará perto dele ou terá alguém perto dela que esteja dentro dos moldes.
A exposição recorrente de imagens tidas como modelos acabam se firmando no subconsciente e dependendo da aceitação da pessoa, pode virar uma obsessão.
?Toda a obsessão pode ser considerada uma doença ao ocupar toda a atividade mental do indivíduo, subjulgado por idéias impostas a ele, mesmo que ele tente se desviar?, diz a psicóloga. O resultado pode ser tanto uma depressão quanto doenças diretamente ligadas a distúrbios alimentares.
Uma vez implantado o modelo pela mídia, resta aos atingidos correr atrás de instrumentos que os façam chegar mais próximo possível dos protótipos idealizados. Para tanto, vale qualquer sacrifício, desde entrar na faca – o número de cirurgias plásticas realizadas pelo mundo cresce a cada dia, até refletir na saúde a obsessão pelo corpo supostamente perfeito.
?Já tive pacientes que fizeram todo o tipo de dieta possível. Dieta da lua, da sopa e outras que acabam causando até efeitos colaterais, como dor de cabeça e cansaço?, diz o nutricionista Rafael Gonçalves, que atende especialmente pessoas ligadas à prática esportiva. Ele reconhece que a maioria das pessoas que o procuram tem uma motivação estética, não de saúde. ?As pessoas querem estar dentro de um padrão. As mulheres geralmente querem emagrecer e os homens substituir a massa gorda pela massa magra, ganhando músculos?, explica Gonçalves, revelando exatamente os padrões em voga pela mídia da atualidade.
Quando procurado, o nutricionista acaba fazendo as vezes de psicólogo, tentando convencer as pessoas de que a saúde e a boa alimentação tem que vir em primeiro lugar e que nem sempre um determinado tipo físico vai conseguir ter a constituição de uma top model. ?Mesmo com saúde e alimentação balanceada, o corpo da pessoa já tem uma determinada constituição física, determinada pela genética. Uma mulher com quadris largos, por exemplo, não vai conseguir ser uma Gisele Bündchen, um padrão estabelecido pela mídia?, explica. A dica é manter a vaidade em um nível saudável, buscando uma alimentação saudável aliada à prática de exercícios físicos, sem exageros ou obsessões. (GR)