A pouco mais de três meses da eleição, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, 81, anunciou neste domingo (21) que não será mais candidato à reeleição. Ele não resistiu à intensa pressão interna do Partido Democrata pela sua saída, que começou após o desastroso desempenho no debate realizado no fim de junho e não arrefeceu mesmo após várias tentativas do presidente de assegurar apoiadores e eleitores de que tinha condições de derrotar Donald Trump.

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Foram várias iniciativas nesse sentido nas últimas semanas —Biden deu uma entrevista exclusiva para a ABC News dias depois do debate, participou de uma entrevista coletiva após a cúpula da Otan na qual conversou diretamente com a imprensa por uma hora, e fez uma série de discursos enérgicos em eventos de campanha, insistindo na tese de que era a pessoa melhor posicionada para evitar uma vitória de Trump em novembro.

Mas os esforços foram marcados por problemas que agravaram as preocupações de democratas sobre a idade avançada do presidente. Na entrevista coletiva, confundiu sua vice, Kamala Harris, com seu adversário, Donald Trump; nos discursos de campanha e conversas com a imprensa, cada gafe piorou sua situação com aliados e fortaleceu vozes do partido que pediam sua saída.

O anúncio de Biden vem em um momento em que as pesquisas de intenção de voto colocavam o presidente atrás de Trump em estados-chave como Pensilvânia, Wisconsin e Michigan, tornando mais remotas as chances de vitória do democrata.

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Também acontece uma semana depois da tentativa de assassinato contra Trump e logo após a convenção do Partido Republicano que oficializou o ex-presidente como candidato, eventos que energizaram a base do adversário, enquanto Biden precisou interromper a campanha para fazer isolamento social em casa em Delaware após receber um diagnóstico de Covid-19.

A decisão histórica de Biden de desistir da candidatura torna imprevisível a disputa pela Casa Branca neste ano. Democratas terão que definir uma nova chapa na convenção do partido, prevista para agosto, em Chicago.

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Os principais nomes que vêm sendo cotados para substituir o presidente na chapa democrata, além de Kamala, são os governadores Gavin Newsom (Califórnia), J.B. Pritzker (Illinois), Josh Shapiro (Pensilvânia) e Gretchen Whitmer (Michigan), além do secretário de Transportes, Pete Buttigieg.

A última vez que uma convenção democrata serviu de fato para nomear um candidato, e não apenas oficializar o vencedor das primárias, foi em 1968. O escolhido, Hubert Humphrey, perdeu para o republicano Richard Nixon.

O anúncio antecipa o fim de uma carreira política de mais de 50 anos. Aos 29 anos, Biden foi um dos mais jovens senadores eleitos na história dos EUA e, aos 77, o presidente mais velho a tomar posse.

O democrata assumiu o país após a conturbada presidência de Trump a quem derrotou em uma eleição até hoje questionada, sem provas, pelo adversário. Em meio à crise da Covid, ele priorizou o combate à pandemia e a recuperação dos EUA.

Seu mandato foi marcado por feitos expressivos, como os pacotes bilionários de incentivo à transição energética e de investimentos em infraestrutura. Biden desafiou a previsão predominante entre economistas de que uma recessão era inevitável e alcançou uma das taxas de desemprego mais baixas da história.

Em contrapartida, a inflação disparou durante o seu governo, acumulando alta de quase 20%. A alta do custo de vida foi o início do fim da lua do mel do presidente com o eleitorado.

À alta de preços somou-se o aumento da entrada irregular de imigrantes nos EUA, alcançando níveis recordes. Cenas de caravanas vindas do México reproduzidas na TV reforçaram a imagem de descontrole na fronteira e de fraqueza do presidente.

Biden viu ainda a eclosão de duas guerras durante seu mandato: a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, e o conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, iniciado em outubro de 2023. Nos dois casos, sua decisão foi manter-se fiel às alianças americanas com Kiev e Tel Aviv, em contraposição a Moscou e a adversários americanos no Oriente Médio.

A decisão do democrata teve um custo político. O apoio à Ucrânia foi crescentemente questionado pela população e a oposição no Congresso. A aliança com Israel, por sua vez, fragmentou sua base, sobretudo a ala mais jovem e progressista da coalizão que o elegeu em 2020. Este grupo passou a criticar Biden por considerar que a Casa Branca estava chancelando a ofensiva contra palestinos, sob a qual recaíram acusações de genocídio, rejeitadas por Tel Aviv.

Questionamentos sobre a viabilidade eleitoral e a capacidade de Biden de exercer um novo mandato, em face de sua idade, ocorreram praticamente ao longo de todo o seu mandato. Cenas de tropeços, especialmente a queda durante uma cerimônia militar, correram o mundo.

Biden havia conseguido reduzir em certa medida dúvidas sobre sua candidatura após as seguidas vitórias nas primárias e o bem avaliado discurso de Estado da União, em março.

No entanto, tornaram-se mais frequentes nas últimas semanas situações em que o presidente parece desorientado ou com dificuldade de falar. Uma das razões para sua campanha decidir antecipar o debate presidencial para antes mesmo das convenções era justamente aplacar os rumores sobre sua saúde.

O desastre de sua aparição no debate de 27 de junho acabou tendo o efeito contrário e abriu uma crise no partido, que passou a não confiar em Biden para derrotar Donald Trump, 78, em novembro.