O presidente americano, Donald Trump, conseguiu o aperto de mãos histórico que queria com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un. Agora, com o registro fotográfico do encontro fazendo parte da história, novos detalhes surgem sobre os bastidores que levaram à cúpula e as frustrações de Trump sobre como o assunto é retratado na imprensa.
Concordar com o encontro em Cingapura não foi tarefa fácil para os chefes de Estado ou os planejadores, que atenderam aos pedidos confusos e lidaram com a paranoia dos dois lados. Também não foi fácil para Trump vender o plano da cúpula para especialistas duvidosos sobre as negociações, seus aliados e a mídia. O presidente está irritado com o ceticismo ao redor do acordo nuclear, que ele quer que defina seu legado. Confira algumas cenas dos bastidores da cúpula:
Território “alienígena”?
Como falar com “alienígenas”. Foi assim que as autoridades americanas descreveram as conversas com seus colegas norte-coreanos, tanto nas negociações no luxuoso Hotel Capella, em Cingapura, como na Zona Desmilitarizada da Península Coreana.
Os norte-coreanos nunca haviam participado de uma reunião desse tipo, não estavam familiarizados com as noções de acesso à imprensa e tinham muito medo de espionagem e assassinato. As equipes de logística da Coreia do Norte consideraram os americanos organizados, detalhistas e voltados para missões, segundo revelou um funcionário envolvido no planejamento do evento. Havia também muitas mulheres em cargos de alto escalão do lado asiático, o que surpreendeu funcionários dos EUA.
Na véspera da cúpula, autoridades dos dois lados se reuniram durante o dia todo em Cingapura para discutir o acordo que se tornou a declaração conjunta assinada por Trump e Kim na terça-feira 12. A equipe dos EUA queria enviar um fotógrafo oficial para capturar o momento – uma manifestação do desejo da Casa Branca de transformar a cúpula em um evento de mídia internacional -, mas os norte-coreanos recusaram.
“Como sabemos que ela não é uma espiã?”, questionaram os norte-coreanos. No fim eles acabaram aceitando que a fotógrafa participasse. Mas preocupações semelhantes surgiram anteriormente, quando a delegação norte-coreana expressou preocupação com a possibilidade de que as câmeras das equipes de imprensa pudessem esconder armas.
A falta de confiança
Do lado americano, também não havia confiança. Kim, afinal, foi acusado pelos EUA de ordenar o assassinato de seu meio-irmão com um agente neural no ano passado. Desde as primeiras conversas sobre logística em Cingapura, ficou claro que superar a falta de confiança estava entre os obstáculos mais significativos para que os dois líderes pudessem ser colocados na mesma sala.
Para cada pessoa que a Casa Branca queria colocar na sala de reuniões, Pyongyang queria saber se ela não estava lá para espionar ou prejudicar Kim. Segundo autoridades americanas, o governo de Cingapura foi o grande responsável para evitar que a desconfiança afundasse a realização da cúpula.
Os pontos de verificação foram patrulhados conjuntamente por autoridades dos EUA, Coreia do Norte e Cingapura. Jornalistas eram obrigados a passar por varreduras de segurança de cada um dos três países. Autoridades americanas concordaram em limitar o número de funcionários de Washington para que a equipe ficasse numericamente igual à delegação norte-coreana, bem menor. Assim, os negociadores menos experientes ficaram monitorando os procedimentos por vídeo e enviando atualizações por e-mail a partir do hotel onde estavam hospedados, a 20 minutos do endereço da cúpula.
Velhos hábitos não se vão facilmente
Na cerimônia formal de assinatura da declaração conjunta um funcionário norte-coreano inspecionou a cadeira de Kim e a caneta preta com ponta de feltro, com a assinatura de Trump, que seria utilizada pelo líder da Coreia do Norte. No entanto, no último minuto, a irmã de Kim, Kim Yo-jong, que estava de pé ao seu lado, forneceu uma caneta própria para que o líder usasse. A caneta fornecida pelos EUA foi posteriormente retirada.
Parceiros iguais
Durante os preparativos para a cúpula, autoridades americanas descreveram os norte-coreanos como focados em garantir que não seriam parceiros de menor importância nas negociações. Em uma concessão simbólica, a República Popular Democrática da Coreia (DPRK) foi listada acima dos EUA no logotipo oficial da cúpula. A Casa Branca também concordou em limitar o número de jornalistas autorizados a cobrir alguns eventos, para espelhar o contingente da mídia estatal norte-coreana.
Ainda assim, a sensação foi de que Trump estava no banco do motorista, dando palmadinhas no ombro de Kim. O presidente se dirigiu diretamente aos intérpretes durante as reuniões, e não ao líder. Foi ele também quem sinalizou para que os repórteres da sala fossem escoltados para fora do local ao fim da sessão de perguntas dos jornalistas.
Fator de frustração
No último dia antes da cúpula, autoridades do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca em Washington ficaram furiosos com um relatório do New York Times, sugerindo que a “ciência não é bem-vinda” no governo Trump e sua equipe estava desprovida de físicos nucleares. Assim, o órgão emitiu uma diretriz para o secretário de Estado Mike Pompeo: em Cingapura, na frente das câmeras, ele falaria sobre o jornal pelo nome. A ordem foi cumprida. “Antes de discutir a cúpula, quero abordar um relatório do New York Times”, disse o secretário. “Qualquer sugestão de que os EUA não tenham conhecimento técnico em todo o governo ou que não o tenha aqui em Cingapura é errada.”
Agora que está novamente em casa, Trump tem se irritado, ainda que de maneira privada, com a cobertura cética sobre a declaração assinada com Kim. O presidente sente que fez um progresso inovador, algo evidenciado por suas declarações dizendo que o mundo agora poderia “dormir bem”. De volta a Washington, ele está frustrado com todas as perguntas sobre os detalhes da cúpula. Trump tem pedido aos parlamentares que expressem entusiasmo pelo acordo, ao mesmo tempo em que reclama não ter obtido apoio robusto dos legisladores do Partido Republicano, segundo informou uma fonte sob a condição de anonimato. Enquanto o presidente chama a cúpula de “primeiro passo”, na expectativa de que mais reuniões vão acontecer, ele também argumenta que já fez mais do que seu antecessor, o ex-presidente Barack Obama.