Um alto funcionário do Judiciário dos Emirados Árabes Unidos (EAU) afirmou hoje que o país não tolera a violência doméstica. A declaração é feita apesar de a principal corte do país decidir que um homem pode “disciplinar” fisicamente sua mulher e seus filhos, contanto que não deixe marcas.
A declaração do funcionário é dura, porém não contradiz a corte. O texto mostra as tensões entre as diferentes interpretações da lei islâmica e o desejo do país de forjar uma sociedade moderna, onde vivem muito mais estrangeiros que em outros locais. “Nossas cortes aderem a uma política estrita de não tolerar qualquer grau de violência familiar, seja verbal ou física”, disse Humaid al-Muhairi, diretor do departamento de inspeções judiciais do Ministério da Justiça, em comunicado divulgado pela agência estatal WAM.
Os comentários de Muhairi são feitos após a divulgação nesta semana de que a Suprema Corte Federal do país concluiu que um homem era culpado por agredir sua mulher e a filha. O erro dele aconteceu, segundo a corte, apesar de as leis islâmicas permitirem que o chefe da casa “discipline” seus familiares sem deixar marcas. A decisão concluiu que o homem excedeu seu “direito de disciplinar” a família, porque sua mulher ficou com ferimentos nos lábios e nos dentes. A corte concluiu também que a filha de 23 anos já era muito velha para ser “disciplinada” pelo pai.
Sob algumas interpretações da lei islâmica, bater é uma forma aceitável de disciplina doméstica. Em seu comunicado de hoje, Muhairi defendeu a decisão, dizendo que o homem “foi condenado pelo grau excessivo de punição a sua mulher”. Segundo ele, a decisão segue a linha de outros julgamentos recentes e não há evidências de violência doméstica disseminada no país.
O sistema legal dos EAU, como em outros Estados do Golfo, combina aspectos da tradicional lei islâmica com códigos civis seculares. A influência da lei islâmica tende a ser mais forte no Direito de Família, em questões relacionadas ao casamento, ao divórcio e às relações sexuais. O Human Rights Watch, grupo pelos direitos humanos sediado em Nova York, condenou a decisão da Suprema Corte local. Segundo a entidade, a atitude do Judiciário “é uma prova de que as autoridades consideram a violência contra mulheres e crianças completamente aceitável”, disse Nadya Khalife, funcionária da Human Rights Watch, em comunicado divulgado hoje.